Emissores suspendem novos tokens de renda fixa; o que muda na prática com nova regra da CVM?

Documento da autarquia que equipara os tokens a valores mobiliários pegou corretoras de surpresa e travou setor no Brasil; veja as consequências

Paulo Barros

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou na terça-feira (4) uma nova orientação ao mercado voltada aos tokens de renda fixa e tokens de recebíveis, que vinham chamando a atenção dos investidores brasileiros pela promessa de rentabilidade de até 1,5% ao mês. Na prática, a autarquia passou a enquadrar a maior parte desses novos ativos como valores mobiliários.

No entendimento do órgão, a operação de emissão de tokens com a promessa de rendimento configura necessidade de registro junto à entidade, algo que as corretoras que comercializam os ativos digitais em questão não possuem. “Se os tokens se caracterizam como valores mobiliários, as normas sobre registro de emissores e de ofertas públicas devem ser respeitadas”, afirmou o Superintendente de Securitização da CVM, Bruno Gomes, em nota.

A Vórtx QR Tokenizadora, plataforma que emite tokens em um regime regulatório especial dentro do sandbox (ambiente de testes) da CVM, vê a postura da autarquia com bons olhos por igualar as condições das empresas que tentam atuar no setor. Ainda assim, o CEO, Carlos Ratto, afirma que a regulação não pode impedir o principal objetivo da tokenização, “que é a democratização do acesso ao investidor”.

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“As duas coisas não são antagônicas [regulação e inovação], pelo contrário. Elas precisam andar juntas. Somos favoráveis a esse equilíbrio e o percebemos como positivo para o desenvolvimento da tokenização da economia”, opina Ratto.

Para Isadora Postal Telli, advogada do escritório Souto Correa Advogados, a medida da CVM vem para coibir operações envolvendo tokens relacionados a golpes que teriam deixado investidores no prejuízo. A especialista, no entanto, minimiza o teor do ofício da autarquia, ressaltando que a orientação apenas reforça um entendimento conhecido da Comissão sobre ativos digitais.

“A nova orientação não inova, mas reforça o entendimento já manifestado por outros órgãos da CVM de que a mera digitalização de um ativo não é suficiente para descaracterizar a natureza original desse ativo”, diz.

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Ofertas suspensas

Corretoras de criptomoedas, no entanto, defendem que até então não havia orientação expressa da CVM sobre os tokens de renda fixa. Os empresários foram pegos de surpresa e, até entenderem melhor os impactos para os negócios, estão suspendendo provisoriamente as ofertas.

Para o investidor final, portanto, a mudança é imediata: na prática, não há mais tokens de renda fixa disponíveis, até segunda ordem.

A CVM liberou ofertas de tokens com um teto de R$ 15 milhões desde que realizadas sob a norma que rege as plataformas de crowdfunding. Por causa disso, os tokens de renda fixa podem levar até um ano para voltar ao mercado seguindo os critérios impostos pelo regulador.

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Isso porque as corretoras ficaram sem espaço para manobra no curto prazo. Para Bernardo Srur, diretor-presidente da ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia), ao divulgar a orientação por meio de ofício, a CVM não abriu a questão para debate via consulta pública, gerando “desalinhamento” com as práticas de mercado.

“Essa licença [de crowdfunding] possui um tempo para se obter, de alguns meses ou até um ano”, aponta Srur.

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Outra alternativa apontada pelo regulador para ofertas maiores que R$ 15 milhões, diz Srur, também não é viável. Segundo a CVM, ofertas desse gabarito devem, obrigatoriamente, passar pelo processo tradicional de securitização. Para o executivo, isso significaria mais uma necessidade de licença, além de apagar o benefício da redução de custos proposto pela tokenização.

Sem mercado secundário

Pela orientação da CVM, a possibilidade de criação de mercados secundários de tokens também foi afetada. Com a nova regra, na prática, empresas que já lidam com esses ativos não podem criar meios de o investidor negociar tokens antes do vencimento, obrigando o comprador a manter o ativo até o final do prazo para receber a remuneração prometida.

“O grande ponto da tokenização é permitir negociação secundária. Caso a empresa queira fazer a secundária, tem que, necessariamente, pedir uma dispensa de sandbox, e o ciclo de sandbox não está aberto, o que demandaria mais um tempo de licença”, explica o diretor-presidente da ABCripto.

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Yuri Nabeshima, head da área de inovação do VBD Advogados, tem avaliação semelhante. Para ela, o grande problema da nova orientação do regulador é tentar enquadrar uma nova classe de ativos nas mesmas regras impostas ao mercado financeiro tradicional.

“Resta uma certa preocupação por parte das exchanges e plataformas de tokenização, que veem nessa orientação uma tendência do órgão regulador de (tentar) colocar em ‘caixinhas’ pré-existentes novas tecnologias disruptivas, dificultando e/ou restringindo a inovação”, diz.

Paulo Barros

Editor de Investimentos