Do “vício” em opções ao perfil ponderado: sócio do Sensacionalista abandona carteira 100% em renda variável e diversifica

Nelito Fernandes, que também é roteirista de séries como Filhas de Eva, teve sua fase de investidor destemido; agora, quer renda fixa e dividendos

Suzana Liskauskas

Nelito Fernandes (Foto: Martha Mendonça)

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A espinha dorsal de uma trama que captura a atenção da audiência pode começar com uma pergunta instigante. Baseado na vida real do roteirista e jornalista Nelito Fernandes, sócio do site Sensacionalista, que satiriza o noticiário, o roteiro dessa história de investidor começa com a seguinte pergunta: “Quanto você está disposto a perder no mercado financeiro?”

Nas últimas duas décadas, Fernandes – que também escreve roteiros de séries, como Filhas de Eva, da qual é co-autor – já ousou muito. Ele admite que a sorte de principiante o acompanhou por um tempo, evitando a ruína financeira e, possivelmente, alguns infartos. Ele estreou investindo 100% do capital disponível em um fundo de ações, perdeu dinheiro logo na largada, passou por uma fase de total desconhecimento e até se autodenominou um viciado confesso no mercado de opções.

Apesar desse histórico e das muitas avarias em suas noites de sono, Fernandes nunca abandonou a renda variável. Mas promoveu mudanças na forma de se relacionar com o mercado.

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Começou a estudar sobre análise fundamentalista para reconhecer o valor de uma empresa e desviar de modismos. Mais consciente sobre a dinâmica do mercado, ele conseguiu manter firme sua paixão pela Bolsa sem destruir sua saúde – física, mental e financeira.

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Diferentemente da época em que deu os primeiros passos no mercado financeiro, hoje, aos 52 anos, Fernandes afirma que não há tempo para correr muitos riscos e colocar a perder todo o patrimônio acumulado nos quase 20 anos desde que começou a investir.

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“Há 20 anos, se eu perdesse R$ 60 mil, seria um prejuízo equivalente a um carro. Por outro lado, se eu ganhasse dinheiro, poderia mudar minha vida”, diz. “Hoje, se eu arriscar e perder todo meu patrimônio, não tenho mais tempo para me recuperar”.

Tudo começou com um divórcio

As aventuras de Fernandes no mercado financeiro começaram em 2003. Separado, ele decidiu investir o dinheiro da venda do apartamento que tinha comprado com a ex-mulher. Aplicou toda a sua parte no negócio – R$ 60 mil – em um fundo de ações de um banco de varejo.

Motivado pelo bom desempenho da Bolsa na época, que ele acompanhava pela grande mídia, achou que seria um bom negócio investir em ações. No entanto, dois dias após a aplicação no fundo, Fernandes perdeu R$ 3 mil. Assustado, resgatou o todo o dinheiro.

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“Fiquei intrigado. Se eu perdi dinheiro, alguém ganhou, porque a Bolsa não fabrica dinheiro. Paguei esse almoço para alguém, mas vou aprender como fazer para pagarem o meu jantar”, brinca.

Fernandes, então, voltou para o mercado e passou a frequentar fóruns de investidores na internet. Admite ter caído em muitas armadilhas e modismos. “Quando eu via a tendência do mercado na mídia, ela já tinha sido realizada, e o mercado estava migrando para outro lado”, lembra.

No papel de iniciante, Fernandes passou a apostar em ações considerados “micos”, como as de empresas em recuperação judicial. Nessa época, ele também mergulhou no mercado de opções. Começou a perceber que estava à beira do vício quando retardava as idas ao banheiro e mantinha os olhos vidrados na tela do computador, só para não perder uma manobra espetacular no mercado de opções.

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Nessa gangorra de resultados, as maiores perdas foram registradas nas noites de sono. “Estava afetando minha saúde mental, porque eu almoçava com o olhar perdido, pensando nas ações que eu tinha e no dinheiro que estava ganhando ou perdendo. Até uma noite em que acordei chorando. Resolvi dar um basta”, lembra Fernandes.

Hora de dar um tempo

Era 2006, e Fernandes resolveu virar o jogo. Ele impôs a si mesmo um tempo até voltar a investir em renda variável. Ficou longe por seis meses e voltou a estudar ainda mais o mercado. Fez assinaturas de relatórios divulgados por casas de análise, começou a aprender como fazer correlações e buscar interseções entre os conteúdos. A vida de comprador de papéis micados estava enterrada no passado.

“Comprei livros sobre análise fundamentalista e comecei a participar de grupos de investidores na internet, porém, mais saudáveis. Não adquiri mais ação ruim. Você pode ganhar muito dinheiro, mas pode perder tudo também. Dei muita sorte”, conta Fernandes.

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Com mais conhecimento e prudência, a carteira de Fernandes, embora ainda 100% composta por renda variável, passou a incluir empresas mais sólidas – e, portanto, não roubava seu sono. “Fui muito ousado. Com mais conhecimento, fiz muita operação inversa, que ganhava na queda para fazer um hedge. Meu negócio era Bolsa”, diz.

Durante a fase de investidor destemido, Fernandes também surfou a onda dos criptoativos a partir de 2018. “Mergulhei mesmo, comprei um monte de criptomoeda em negociações em países da Ásia. Naquela época tripliquei o dinheiro investido, mas abandonei esse tipo de investimento”.

Em uma dessas incursões no mundo dos ativos digitais, Fernandes investiu em um ICO (do inglês Initial Coin Offering), espécie de oferta inicial de moedas virtuais. É uma operação semelhante ao IPO (Initial Public Offering), oferta pública inicial das ações de uma empresa na Bolsa. Diante das oscilações dos criptoativos, Fernandes deu por perdido o investimento. Achou que havia virado pó.

“Há cerca de um ano, vi um anúncio no Instagram da corretora em que eu tinha investido no ICO, a Coinmetro. Para minha surpresa, havia dinheiro na minha conta”, diz. Entre 2018, quando ocorreu a oferta, e 2021, quando Fernandes lembrou-se da existência dos papéis, a valorização tinha sido de cerca de dez vezes. Com as flutuações desse mercado, até conseguir sacar, o valor já havia reduzido em 20%. “Mesmo assim ganhei mais de oito vezes o que investi. Era praticamente a metade do valor da minha parte na venda do apartamento em 2003”.

Novas metas: ampliar renda fixa e viver de dividendos

A atração pela renda variável acompanhou Fernandes por duas décadas, mas as perdas do mercado no primeiro trimestre de 2020, causadas pelos altos e baixos decorrentes da pandemia de Covid-19, acenderam uma luz amarela no cenário dos seus investimentos.

“Nessa época, em que a Bolsa caía sem parar, cheguei a perder 40% do meu patrimônio inteiro. Resolvi não vender nada. Comecei a comprar conforme os papéis caíam. Foi graças a esse movimento que recuperei o que perdi em pouco menos de um ano”, contou ao InfoMoney.

Mais cauteloso, Fernandes deu uma guinada no roteiro da sua vida de investidor e estreou na renda fixa em novembro de 2021. Sua carteira hoje tem 30% de renda fixa, 25% de fundos de investimento imobiliário (FIIs), 25% de ações no Brasil e 20% de ações nos Estados Unidos. Consciente de seus limites no conhecimento sobre empresas nos EUA, Fernandes mantém sua carteira no exterior concentrada em ETFs (Exchange Traded Funds), fundos passivos que replicam a composição de índices de mercado.

Na nova fase, a meta de Fernandes é poder viver de dividendos. Hoje ele ganha em proventos o equivalente a 70% do salário e reinveste praticamente tudo. Eventualmente, quando os ganhos são mais significativos, ele se dá ao luxo de passar um fim de semana em um hotel estrelado com a mulher, a também roteirista e jornalista Martha Mendonça, sua sócia no Sensacionalista.

“Felicidade não se resume a números em um extrato. Felicidade é poder usufruir. Meu objetivo para o médio prazo é ter uma carteira com 50% de renda fixa, mas ainda é muito difícil para mim”, conta. “Vivo o dilema de arriscar mais e conseguir 110% da minha renda atual, mas o tombo pode ser grande, ou realizar que já tenho uma boa média e ajustar minha vida a esse patrimônio”.

As aventuras financeiras, porém, ficaram no passado. A maturidade começou a frear os ímpetos do investidor arrojado. Mais ponderado, o roteirista afirma, sem titubear, que está fazendo o caminho inverso ao que sempre percorreu. Seu momento atual se encaixa na equação clássica do caderno de todo consultor de investimento: as variáveis relacionadas ao tipo de ativo e ao apetite de risco devem mudar de acordo com o momento de vida do investidor.

“Percebi que a corrida do investimento é longa, não é um tiro de 100 metros. O dinheiro ele precisa de tempo, é preciso esperar e diversificar”, avalia. “O ponto de virada é ganhar a consciência para não entrar nas modinhas do mercado. O principal é saber o que está comprando e por que você está comprando”.

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