Dividendos de construtoras são os novos dividendos de commodities? Queda de juros joga holofote no setor

Sendo um setor cíclico, construção civil deve se beneficiar da Selic menor, mas expectativa é de que proventos elevados se restrinjam ao curto e médio prazo

Katherine Rivas

Empreendimento financiado pelo Minha Casa, Minha Vida

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Os dividendos das construtoras em 2023 serão os novos dividendos das produtoras de commodities de 2022?

Analistas observam que o setor da construção civil está descontado na Bolsa, devido aos impactos da Selic elevada nos últimos anos. Mas com a expectativa de redução dos juros a partir de agosto, algumas podem passar a distribuir mais proventos – e se tornar boas alternativas para ganhar dividendos no curto prazo, como foram as empresas de commodities no ano passado.

Assim como as empresas de commodities, as construtoras também são consideradas “cíclicas”, o que significa que seus resultados de valorização e dividendos dependem dos ciclos econômicos. “Em vez do preço do petróleo ou do minério, que afetam as produtoras de commodities, o fator cíclico para as construtoras são os juros”, explica Erik Sala, especialista em investimentos da DVInvest.

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Os olhares do mercado estão atentos principalmente àquelas que trabalham no segmento de baixa renda e as que têm um endividamento elevado. No entanto, nem todas devem conseguir distribuir proventos elevados. Algumas priorizarão o investimento em novos empreendimentos.

O analista Ricardo Schweitzer defende que o setor de construção civil é mais influenciado pelos juros de longo prazo do que pela Selic, uma taxa de curto prazo. “A queda da Selic só ‘faz preço’ no setor se vier acompanhada de sinalizações de política monetária e fiscal que também possibilitem a redução das taxas longas”, aponta.

Construtoras pagam dividendos?

Nem todas as construtoras remuneram os acionistas com dividendos. Segundo levantamento do TradeMap, muitas não distribuíram proventos nos últimos cinco anos.  Só em 2023, quinze não pagaram nenhum valor até agora.

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Outras, embora tenham apresentado um dividend yield (taxa de retorno com dividendos) mais alto, não costumam ser bem-vistas pelos analistas por conta dos fundamentos e da liquidez no mercado.

Empresa  Ação  Dividend yield 2019 Dividend yield 2020 Dividend yield 2021 Dividend yield 2022 Dividend yield 2023 (acumulado) Média Dividend yield 5 anos 
Lavvi LAVV3 7,40% 11,63% 11,15% 10,06%
Syn Prop Tec SYNE3 0,00% 3,67% 60,35% 7,28% 0,00% 14,26%
General Shopping GSHP3 46,65% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 9,33%
Direcional DIRR3 11,73% 5,40% 5,27% 9,21% 11,26% 8,57%
Construtora Adolpho Lindenberg CALI3 6,87% 6,87%
Melnick MELK3 3,68% 5,37% 10,35% 6,47%
Cyrela CYRE3 11,77% 6,12% 3,69% 3,58% 4,29% 5,89%
Cury CURY3 5,44% 7,36% 4,50% 5,77%
Mitre Realty MTRE3 3,32% 3,91% 9,34% 5,52%
JHSF JHSF3 10,39% 2,05% 5,04% 3,74% 5,35% 5,31%
Plano&Plano PLPL3 2,58% 4,96% 7,48% 5,01%
MRV MRVE3 8,99% 1,58% 3,38% 3,30% 2,60% 3,97%
Trisul TRIS3 3,34% 1,40% 1,97% 3,69% 4,03% 2,89%
Even EVEN3 0,00% 0,91% 6,91% 2,28% 3,29% 2,68%
Multiplan MULT3 1,80% 1,84% 2,12% 3,83% 2,65% 2,45%
Log Com Prop LOGG3 0,78% 0,65% 0,95% 3,43% 4,80% 2,12%
Habitasul HBTS5 0,94% 0,39% 0,65% 2,31% 5,43% 1,94%
Iguatemi SA IGTI11 1,89% 1,99% 1,94%
Eztec EZTC3 0,56% 0,57% 0,99% 3,80% 1,92% 1,57%
Helbor HBOR3 0,00% 0,00% 0,39% 3,86% 3,54% 1,56%
Aliansce  Sonae ALSO3 1,77% 0,00% 0,78% 1,78% 3,10% 1,49%
Iguatemi IGTI3 1,75% 0,30% 0,43% 1,79% 2,24% 1,30%
Tenda TEND3 3,73% 1,63% 0,59% 0,00% 0,00% 1,19%
BR Properties BRPR3 0,00% 0,59% 1,99% 1,44% 0,00% 0,80%
RNI RDNI3 0,00% 0,06% 0,09% 0,56% 1,90% 0,52%
São Carlos SCAR3 1,13% 0,13% 0,83% 0,35% 0,00% 0,49%
Fica FIEI3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Gafisa GFSA3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
PDG Realty PDGR3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Rossi RSID3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Tecnisa TCSA3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Viver VIVR3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
João Fortes JFEN3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Alphaville AVLL3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Moura Debaux MDNE3 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
HBR Realty HBRE3 0,00% 0,00% 0,00%

Fonte: TradeMap. Referência: 26/06/2023.

As preferidas dos analistas: MRV na lista

Entre as empresas que podem se beneficiar dos juros baixos e distribuir mais lucro aos acionistas, os agentes de mercado citam a MRV (MRVE3). Sala, da DVInvest, espera uma redução do endividamento da empresa com a Selic em queda.

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“Sem dúvida, é uma grande beneficiada. Ela atua no segmento de baixa renda, então acreditamos que neste governo será favorecida”, defende o especialista.

No mercado, a expectativa é de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve facilitar as condições de financiamento de imóveis, o que favoreceria principalmente companhias com bons histórico e focadas no público de baixa renda. O Conselho Curador do FGTS aprovou três atualizações relevantes para o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) na semana passada.

Entre as mudanças, as principais foram a redução de 25 pontos-base nas taxas de juros do financiamento imobiliário para mutuários com renda familiar de até R$ 2 mil; o aumento no limite do subsídio para as faixas 1 e 2, de R$ 47,5 mil para R$ 55 mil; e o aumento no teto de preços do imóvel que pode ser financiado pelo programa para R$ 350 mil. O novo teto vale para quem se enquadra na faixa 3 do programa, ou seja, famílias que têm uma renda bruta mensal entre R$ 4.400 e R$ 8.000.

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A DVInvest tem recomendação de compra para MRVE3 e projeta um dividend yield de 4% nos próximos 12 meses. Porém, adverte que não é uma companhia para carregar na carteira no longo prazo. “O investidor tem que ficar sempre de olho, porque construtoras são bem sensíveis ao momento econômico do Brasil. Ele deve ponderar isso, junto com outros ativos cíclicos de juros na carteira”, diz.

Luan Alves, da VG, explica que a MRV apresentou forte pressão nas suas margens nos últimos anos e está conseguindo reprecificar seus produtos. “Além disso, os investimentos na subsidiária dos Estados Unidos estão chegando a um ciclo menos intenso”, aponta. A companhia já atua com lançamentos no programa Minha Casa Minha Vida.

Alves espera que a companhia registre dividend yield de 5% nos próximos 12 meses e também não considera que a empresa sirva para uma estratégia de longo prazo. “Tem capacidade de pagar uma boa remuneração por alguns anos, mas não traz perenidade”, reforça.

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Plano&Plano

Outra empresa citada pelos analistas é a Plano&Plano (PLPL3). Para Pedro Accorsi, analista da Ticker Research, esta companhia apresenta um alto potencial de valorização aliado a um aumento gradual no pagamento de dividendos.

Accorsi comenta que a Plano&Plano atua no segmento de baixa renda na região metropolitana de São Paulo e vem apresentando resultados cada vez melhores com a retomada de margens, graças ao cenário macroeconômico em conjunto com ganhos de produtividade e eficiência internos.

A companhia também possui operações interligadas com o Minha Casa Minha Vida. O analista da Ticker projeta um dividend yield de entre 6% e 8% para os próximos 12 meses.

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Júlio Borba, analista da Benndorf Research, também menciona a Plano&Plano e espera que a companhia entregue um dividend yield de 4% nos próximos 12 meses, subindo para 9% em 2024.

“Os pontos positivos são grande crescimento e resiliência com o Minha Casa Minha Vida, mas o maior risco é um aumento dos custos de construção (INCC)”, pontua. Borba acredita que comprar o papel até o preço-teto de R$ 10 garantiria uma margem de segurança em dividendos para o investidor.

Mas o ideal é uma alocação tática. As construtoras costumam ter desvalorizações excessivas, quando estão negociando muito acima do seu valor patrimonial já vale considerar a venda dos papéis

Júlio Borba, analista da Benndorf Research

Opções alternativas

Outra do pacote da baixa renda é a Cury (CURY3). Segundo Accorsi, a tese da companhia é muito parecida com a Plano&Plano: com um ambiente melhor de juros, é possível que a empresa aumente gradualmente o pagamento de dividendos. “Mas a Cury tem um potencial de valorização até maior do que a Plano&Plano”, sinaliza. Para a Cury, a projeção da Ticker também é de dividendos de entre 6% e 8% nos próximos 12 meses.

Alves, da VG, destaca que a Cury possui um bom banco de terrenos (landbank) e tem apresentado velocidade nas vendas. Segundo o analista, além da baixa renda, a companhia também atua na faixa média. O dividend yield projetado para os próximos 12 meses é de 8%.

Há ainda a Mitre (MTRE3), que divide opiniões. Borba, da Benndorf, é mais otimista e espera 18% de dividend yield nos próximos 12 meses. Ele justifica que a companhia deve pagar bons dividendos, porque vai entregar diversos projetos e seu ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido) será alto.

“A companhia tem entregado uma boa execução operacional até o momento, com ganho de escala pós-IPO (abertura de capital)”, defende. Ele pontua que o maior risco micro é a falta de histórico da empresa, que abriu capital na Bolsa em 2020. O preço-teto de compra, segundo Borba, seria de R$ 8.

Já a DVInvest é mais conservadora e espera que a Mitre entregue um dividend yield de apenas 6%, mas a recomendação é de compra.

Além destas empresas, os analistas citam Eztec (EZTC3), com expectativa de dividendos entre 6% e 8%. Segundo Accorsi é uma companhia consolidada no setor e tem espaço para um crescimento robusto. “Está bastante descontada nos preços atuais e tende a pagar dividendos atrativos com a melhora do cenário de juros”, defende.

Alves cita também a Cyrela (CYRE3), com projeção de dividendos de 6,5%. Ele aponta que a companhia atua no segmento de média e alta renda e também tem se mostrado eficiente nas vendas e conta com um banco de terrenos atrativo.

Uma Itaúsa da construção?

Outra companhia considerada promissora para renda passiva é a holding JHSF (JHSF3) que, desde dezembro de 2022, passou a pagar dividendos mensais. Daniel Nigri, analista e fundador da Dica de Hoje Research, acredita que esta companhia tem capacidade de pagar entre 7% e 8% de dividendos nos próximos 12 meses. Para garantir boa rentabilidade, seria necessário comprar a ação abaixo de R$ 7,80, segundo o analista.

Nigri explica que a JHSF possui diversas empresas sob seu guarda-chuva. “Tem a parte de incorporação, shoppings, aeroporto, e os direitos de hotéis e restaurantes da marca Fasano”, aponta.

Assim como outras holdings na Bolsa, Nigri pontua que a JHSF tem o objetivo de investir nas controladas, para que estas gerem caixa que possa ser distribuído como dividendo para o controlador e os acionistas.

“A companhia ainda depende muito da incorporadora, mas com o tempo os shoppings vão ganhando tamanho, o aeroporto crescendo, a JHSF Capital [uma unidade da empresa] amadurecendo”, diz. Nigri afirma que atualmente a companhia tem uma dívida alta, por conta de alguns investimentos, mas o ciclo deve virar e a empresa passar a vender ativos.

“Em 2018, vendeu parte dos shoppings, e construiu mais depois. Com a queda dos juros, ela conseguiu vender mais caro e isso gera um lucro que vai ser distribuído para os acionistas”. A companhia costuma distribuir o mínimo de 25% de lucro em proventos, mas Nigri acredita que isso deve aumentar até 40% ou 50%

“Não é uma exímia pagadora, mas está tentando trazer previsibilidade. Nos últimos sete meses, pagou cerca de 1% ao mês”, comenta. Contudo, isso não necessariamente deve se manter no longo prazo, avalia.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.