Das margens para Wall Street: como o “rebelde” Bitcoin voltou a disparar com ajuda da tradicional BlackRock

Gestora está no centro de especulação que fez criptomoeda subir 17% e atingir quase 90% de valorização no ano; entenda o que aconteceu

Paulo Barros

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Em compasso de espera desde abril, mês que marcou a interrupção do salto que começou em janeiro, o Bitcoin (BTC) voltou a ganhar fôlego em junho e caminha para fechar o semestre com uma alta avassaladora: a criptomoeda já sobe 87% em 2023.

O ativo digital, famoso por viver às margens do sistema financeiro, dessa vez foi catapultado por um player muito conhecido do investidor tradicional. A BlackRock, maior gestora do mundo, com US$ 9 trilhões sob gestão, apresentou no dia 15 um pedido “surpresa” de ETF (fundo de índice) nos Estados Unidos. Desde então, o BTC chegou a avançar quase 25%.

Mas, por que esse evento foi tão bem recebido pelo mercado? Além do peso da BlackRock, os fatores passam pelo ineditismo do produto e pela expectativa de que uma avalanche de novos investidores está a caminho.

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ETF de Bitcoin

Ao contrário do Brasil, ainda não há nos Estados Unidos um ETF de Bitcoin com exposição direta à criptomoeda. Até o momento, apenas fundos que compram contratos futuros de BTC estão disponíveis para negociação nas bolsas do país. Mas, não é por falta de desejo das gestoras.

Estima-se que mais de 20 pedidos de listagem de ETFs de Bitcoin tenham sido rejeitados pela Securities and Exchange Comission (SEC), a “CVM americana”, nos últimos anos, que sempre apontou questões de segurança e estabilidade do sistema financeiro nas negativas.

Recentemente, a gestora Grayscale decidiu até mesmo processar a SEC após ter negado um pedido para converter seu trust de Bitcoin em um ETF. Desde então, novas tentativas cessaram — até que veio a BlackRock.

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No dia 15 de junho, a gestora apresentou à SEC um pedido de autorização para lançar um ETF de Bitcoin “à vista” (spot), e logo gerou a esperança de que, desta vez, o regulador pode mudar de ideia.

Mas, por que agora?

“Há anos, gestoras de recursos buscam aprovação para um ETF spot de BTC nos EUA. Agora, esse movimento é reforçado pela Black Rock, um dos maiores emissores de ETF do mundo, com um histórico de 98,9% de aprovação de solicitações”, explica Ayron Ferreira, analista chefe da Titanium Asset.

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Para a Levante, uma das razões de otimismo está no formato proposto pela gigante americana. “A proposta da BlackRock inclui algumas travas de segurança importantes no ETF. Por exemplo, compartilhar dados de vigilância com as autoridades para evitar a manipulação do mercado”, explica a casa em relatório.

Alguns podem não gostar dessa solução, pois confrontaria com a noção de liberdade máxima pregada pela cultura de rebeldia que vem desde a origem do Bitcoin. No entanto, comenta a Levante, este “provavelmente pode ser o preço de colocar tal produto no mercado” — e, assim, contribuir com um novo ciclo de alta de preços.

“Divisor de águas”

Analistas de criptomoedas especulam há anos sobre o possível efeito do lançamento de um ETF de Bitcoin nos EUA. O consenso é de que um produto como esse abriria de vez as portas do mundo cripto para os investidores institucionais, que têm limitações para ganhar exposição a criptoativos por meio das exchanges. Além de amplamente desreguladas, a única com capital aberto, a Coinbase, está sendo processada pela SEC nos EUA.

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O fato de justamente a BlackRock trazer o assunto de volta à mesa só alimenta ainda mais a expectativa de obter um efeito positivo com um produto como esse. “A BlackRock é gigante e vai comprar Bitcoin [para o ETF, se aprovado]. Ela tem US$ 9 trilhões sob gestão, imagina se apenas um pequeno percentual disso for alocado em Bitcoin?”, comenta Ferreira, da Titanium.

Isso sem falar nas demais gestoras. Em efeito cascata, logo após a BlackRock submeter o pedido junto ao regulador, Invesco, Wisdom Tree  e Valkirye acompanharam e apresentaram solicitações similares na esperança de poderem lançar seus produtos rapidamente para aproveitar uma potencial massa de novos investidores.

Isso se soma a um caminho já menos tortuoso para o ativo digital, que parece ter deixado os piores dias para trás.

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Especialistas apontam que, além do maior acesso aos institucionais, o Bitcoin deve se beneficiar de um evento que acontece de quatro em quatro anos, previsto para se repetir no primeiro semestre do ano que vem: o halving, responsável por cortar pela metade as emissões da moeda digital, conforme prevê o software que dá previsibilidade à sua taxa de inflação.

“A demanda institucional está apenas começando e essa dinâmica, somada à escassez natural do ativo, tende a adicionar um valor considerável ao Bitcoin”, avalia Giovanni Rosa, analista da Convex Research. “Do ponto de vista de upside, o Bitcoin apresenta um potencial significativo, considerando seu market cap baixo (US$ 520 bilhões) em comparação com outros ativos e mercados de grande porte”.

Para a Levante, a aprovação do ETF de Bitcoin nos EUA seria um “divisor de águas”. “A entrada de gigantes como BlackRock e Invesco no mercado à vista de criptoativos pode criar uma demanda estável de investidores institucionais de grande porte, trazendo as criptomoedas de vez para o mercado financeiro ‘tradicional'”.

E se a SEC barrar mais uma vez?

O Bitcoin disparou pela alta expectativa do mercado de que o ETF da BlackRock será aprovado pelo regulador, mas o investidor precisa adotar cautela, pois nada está garantido.

“Sabemos da taxa de sucesso da Blackrock quando se trata de pedidos de aprovação de ETF junto à SEC: 575 aprovados e 1 rejeitado. Desde então, houve uma enxurrada de novos pedidos de aprovação, o que aumentou ainda mais a confiança do mercado de que um ETF spot de BTC está a caminho”, aponta a casa de trade de criptos QCP Capital, em relatório, que alerta: “No entanto, com [Gary] Gensler no comando da SEC, não estamos confiantes na aprovação real do ETF no curto prazo”.

Se o ETF for rejeitado, explica a QCP, o Bitcoin pode voltar a cair. Por outro lado, continua, mantém crescente confiança de que há um grande espaço para Bitcoin e Ethereum (ETH) nas carteiras institucionais. “Nos próximos meses e anos, veremos mais passos nessa direção”.

Paulo Barros

Editor de Investimentos