De vilãs do clima a criptos verdes? Como ficaram os ativos digitais após pressão ESG

Investimentos em ESG devem movimentar US$ 33,9 trilhões até 2026, segundo um relatório recente da PwC

Lucas Gabriel Marins

(Kanchanara/Unsplash)

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O mercado de criptomoedas foi um dos que buscaram se adequar à pauta ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança, em português), em meio às críticas de organizações ambientais especialmente ao Bitcoin (BTC), apontado como “vilão da natureza”. Mas, será que os investidores abraçaram as mudanças vistas até aqui? Como ficaram os preços?

A discussão sobre ESG em cripto veio em meio ao crescimento da pauta no mundo nos últimos anos. Segundo relatório recente da PwC, gestores globais devem aumentar seus ativos sob gestão com selo ESG para US$ 33,9 trilhões até 2026, ante US$ 18,4 trilhões em 2021. Por isso, diversos setores e veículos de investimento tentam adaptar seus negócios à agenda global como meio de capturar parte dessa dinheirama.

Nos ativos digitais, o principal efeito foi visto no Ethereum (ETH), que buscou acompanhar o movimento mudando sua maneira de funcionar. Segundo desenvolvedores por trás do projeto, a rede da criptomoeda passou a consumir 99,9% menos energia desde que foi atualizada em setembro do ano passado.

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Uma das maneiras de saber como a busca por mais eficiência energética foi recebida pelo investidor é olhar para o desempenho das criptos. Para isso, a reportagem comparou os preços dos ativos mais e menos sustentáveis, com base no ESG Benchmark, um ranking criado pela plataforma CCData em parceria com o Instituto de Classificação de Carbono (CCRI, na sigla em inglês). O indicador avalia 40 criptos levando em consideração parâmetros como descentralização, segurança e impacto climático.

ESG importa? Não para o preço

O Ethereum, segundo o ESG Benchmark, é o ativo digital mais sustentável do planeta. Parte da imagem ambientalmente positiva da moeda digital se deve à mudança de seu processo de mineração de criptomoedas, que passou de um sistema dependente de alto poder computacional para outro mais ambientalmente correto.

Em um primeiro olhar, criptos com foco em redução de consumo energético parecem ter se beneficiado da pauta ESG. Entre o dia 1º de janeiro e 1º de setembro deste ano, o ETH valorizou 35%, de US$ 1.201 para US$ 1.628. Já a Solana (SOL),  que tem um sistema de processamento semelhante ao do Ethereum e ocupa o segundo lugar no ranking, deu um salto maior ainda, de 93,39%, saindo de US$ 9,98 no início do ano para US$ 19,33 no primeiro dia deste mês.

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“ESG está emergindo como um aspecto crítico do cenário de ativos digitais, impulsionado por aumentando da adoção institucional e a demanda por práticas de investimento”, disse a CCData em relatório recente, citando também que reguladores estão de olho no setor por causa das preocupações com o meio ambiente.

É importante ressaltar, no entanto, que fatores além de ESG acabam influenciando nas cotações, como mudanças internas dos projetos e questões macroeconômicas. Evidência disso é o movimento traçado pelas moedas digitais “menos ESG” – no mesmo período, algumas “criptomoedas poluentes” valorizaram até mais que o Ethereum.

Esse foi o caso do próprio Bitcoin, chamado pelo Greenpeance de “acelerador da destruição climática”. O BTC subiu 55% no período. Já o Bitcoin Cash (BCH), considerado pelo ESG Benchmark a 34ª criptomoeda “menos ESG” da indústria, valorizou impressionantes 113%.

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Desempenho das 5 criptos mais ESG entre janeiro e setembro:

Criptomoeda Preço Variação
Ethereum (ETH) US$ 1.628 +35%
Solana (SOL) US$ 19,33 +93,69%
Cardano (ADA) US$ 0,25% +4,70
Binance Coin (BNB) US$ 213 -13%
Aptos (APT) US$ 5,54 +62%%

Desempenho das 5 criptos menos ESG entre janeiro e setembro:

Criptomoeda Preço Variação nas últimas 24 horas
UNUS SED LEO (LEO) US$ 16,28 +9,60%
Monero (XRM) US$ 140,82 -20,70%
OKB Coin (OKB) US$ 42,74 +55,64%
Dogecoin (DOGE) US$ 0,063 -11,70%
Bitcoin Cash (BCH) US$207 +113%

Fonte: ESG Benchmark/CCData

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Os números mostram, portanto, que a valorização de criptomoedas não apresenta correlação com a adequação de determinados projetos à pauta ESG.

O socio-fundador da Fuse Capital, Dan Yamamura, disse que particularmente não gosta muito da discussão de que as criptos são um mal para a sociedade em termos de meio ambiente, apesar do gasto energético. De acordo com ele, esse tipo de debate olha apenas para um aspecto da tecnologia, e não o todo.

“Acho que um ângulo pouco explorado ainda em termos de blockchain e criptos é o fato de elas serem uma tecnologia inclusiva, que tende a trazer mais gente e dar acesso às pessoas a produtos financeiros, como micro investimento e microcrédito, coisas que hoje têm custo muito alto, mas que podem cair com o tempo”, falou.

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“Então acho que você tem sim consumo ou um gasto energético, porém há em contrapartida produtos e benefícios para a sociedade, que eu acho que ainda estão sendo pouco explorados”, completou ele.

Greenpeace e Bitcoin

O Bitcoin ainda é visto por ambientalistas como inimigo do meio ambiente. Em julho deste ano, o Greenpeace escreveu em um material de quase 50 páginas que a criptomoeda trabalha “contra o progresso nos esforços para eliminar gradualmente o carvão, o petróleo e a gasolina”.

Falou também que a moeda digital, negociada a US$ 27.130 na manhã desta terça-feira (19), provavelmente acelerará a “destruição climática” se não mudar seu processo de produção, que demanda alto gasto de energia, maior do que muitos países industrializados.

Além de bater na cripto, a organização ambiental canadense mirou sua retórica em pesos-pesados do mercado financeiro, como BlackRock, JPMorgan e Goldman Sachs, que fornecem uma variedade de serviços (inclusive cripto), mas não “abordam o impacto do Bitcoin nas comunidades e no clima”.

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Apesar da investida da organização não governamental contra o BTC, a moeda vem mudando seu escopo de energia. De acordo com o Bitcoin Mining Council (um fórum global de empresas do setor), 63% de seus membros usaram energia renovável no segundo semestre de 2023 — no mesmo período do ano passado, a porcentagem era de 59%.

“Apesar dos desafios macroeconômicos no segundo semestre de 2022, a indústria continuou a implantar novos mineradores, aumentando o hash rate (poder de computação) e melhorando a eficiência energética e a segurança da rede”, disse a entidade em nota divulgada no mês passado.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney