Com retornos de até 30% ao ano, fundos de situações especiais aproveitam “tempestade perfeita” no crédito

Oportunidades cresceram, mas operações recentes envolvendo Americanas e outras varejistas ficam de fora das carteiras de gestoras ouvidas pelo InfoMoney

Bruna Furlani

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A manutenção da Selic em níveis elevados aumentou o custo da dívida das empresas e exigiu jogo de cintura para procurar credores com o objetivo de renegociar passivos. Tal movimento abriu espaço para fundos que alocam em carteiras de crédito inadimplentes e que atuam em processos de reestruturação de dívidas, conhecidos como fundos de special situations (situações especiais) ou distressed assets (ativos “estressados”, em tradução livre).

“O mercado está disfuncional. As empresas estão mais alavancadas [endividadas], o mercado primário de dívida parou e os bancos estão no modelo fly to quality [busca por qualidade]”, observa o sócio-fundador da Strategi Capital, Cristian Lara.

Responsável por fundos que atuam nesse segmento, Lara diz que tem percebido uma procura maior das empresas para reestruturar os passivos e uma busca mais ativa dos bancos para oferecer esses créditos.

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Apesar de defender que o cenário delicado no crédito trouxe oportunidades para quem olha ativos em situação especial,  o executivo não esconde que tem evitado créditos ligados ao varejo, porque costumam envolver negócios que precisam de bastante capital de giro.

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Na Makalu Partners, empresa de assessoria financeira e gestão de recursos focada em situações complexas, as varejistas são que aparecem com os balanços mais apertados, como explica Bruno Batista, sócio responsável pela assessoria em reestruturação de dívida da casa.

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“Companhias menos competitivas e com margens baixas são as que estão indo para reestruturação. Elas veem o custo subindo e a despesa financeira crescendo vertiginosamente”, alerta Batista.

Segundo ele, entre janeiro e fevereiro deste ano, mais de 45 empresas procuraram a Makalu com o objetivo de reestruturar os passivos – sendo que o mais usual no setor costuma ser algo em torno de duas companhias por ano.

Americanas fora do radar

Embora seja vista como um ponto fora da curva, já que envolveu uma fraude contábil, créditos de empresas como Americanas (AMER3) têm ficado de fora das carteiras de casas renomadas, como a JGP.

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Na visão da sócia da JGP e responsável pela área de fundos de crédito estruturados, Luiza Oswald, o momento não é de entrada, porque os papéis da varejista e de outras companhias que anunciaram a reestruturação das dívidas não estão “no preço”. Ao citar o exemplo da Americanas, a especialista destaca que a varejista depende de colocação de dinheiro.

“Quase não tem ativo, e tem um passivo bem alto. Pode ter uma mortalidade rápida, se não tiver injeção [de capital]”, alerta Luiza.

Segundo a profissional, a JGP prefere entrar em operações mais estruturadas com colchão de garantia. No caso de Americanas, diz, a recuperação é em função dos sócios.

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Nesta semana, a Americanas apresentou os termos e condições do seu plano de recuperação judicial, um processo que está em curso perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. O documento arquivado prevê um aumento de capital no valor de R$ 10 bilhões.

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Segundo a empresa, os acionistas de referência já anunciaram intenção de apoiar o aumento de capital, oferecendo garantia firme de subscrição e integralização para a totalidade dos recursos – isso, porém, ainda está pendente de formalização.

Em meados de fevereiro, a Americanas já havia proposto uma injeção de capital de R$ 7 bilhões com suporte do trio de acionistas Jorge Paulo Lemann, Carlos Sicupira e Marcel Telles. A oferta, na ocasião, foi rejeitada. As negociações com os credores, conflituosas, se estenderam ao longo de março.

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Entre os últimos casos negociados, Luiza cita o exemplo de uma operação envolvendo o grupo Metodista, rede que teve o plano de recuperação judicial homologado em dezembro do ano passado pelo 2º Juizado da Vara Regional de Porto Alegre.

Nesse caso, a executiva diz que a gestora comprou um crédito de um banco de primeira linha que possuía uma garantia por trás. Além disso, há um imóvel hipotecado do grupo que será leiloado em breve. Ou seja, há garantias na mesa, avalia a especialista.

Segundo Luiza, a JGP tem buscado operações que entregam retornos médios por volta da taxa do CDI (indicador de referência da renda fixa) mais 15% ao ano. As taxas costumam ser elevadas justamente porque envolvem operações de maior risco.

Como todos os negócios envolvem processos sigilosos, as casas não podem dar detalhes dos papéis que estão negociando neste momento, mas indicam o que costumam avaliar.

A executiva conta que tem buscado operações do tipo dip financing – modalidade de financiamento para empresas em recuperação judicial.

“Temos olhado mais de dip [financing] que contam com colateral. Pode ser um imóvel, algum ativo judicial”, afirma a gestora, que acredita que o momento é extremamente propício para os fundos de situações especiais.

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Ao mesmo tempo em que é inegável a existência de oportunidades no mercado, Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, avalia que o cenário exige uma seleção melhor dos ativos.

“Mudou a disponibilidade de ativos. Aumentou a quantidade de opções. O que a gente está vendo agora é o dilema da escolha”, pondera.

Para isso, o executivo diz que vem balanceando o portfólio entre créditos bons (e mais caros), com outros de empresas que possuem menos ativos (e de menor valor).

Nos fundos da casa, os retornos almejados rondam em torno de 20% líquidos para o cotista por ano.

Retornos elevados e alocação restrita

Mas há casos em que a rentabilidade pode chegar a 30%, como nos fundos da JGP. A grande questão dos fundos de situações especiais está no públic0-alvo.

A maior parte dos produtos é voltada para investidores profissionais, ou seja, que possui pelo menos R$ 10 milhões em aplicações financeiras, ou para qualificados, com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras.

De olho em oferecer retornos elevados para o cliente, quem entra também precisa saber que está correndo um risco maior por causa do tipo de exposição que os fundos possuem. Outra questão está no prazo de investimento.

“São fundos que têm período de chamada de capital. São dois anos para investir e quatro anos para devolver o capital”, explica Lara, da Strategi.

Embora o horizonte seja mais longo, o sócio e CEO da Makalu, Luiz Prado, afirma que a demanda por produtos do tipo tem crescido no período. “O ano veio começando forte. Vai ter muita oportunidade em special situations ou em crédito estruturado, porque o crédito não está com liquidez”, pondera.