Fundos de crédito: faz sentido resgatar e investir o dinheiro diretamente em CDBs ou debêntures?

Retornos após caso Americanas assustaram cotistas, mas sacar imediatamente quando desempenho é negativo impede investidor de capturar recuperação

Mariana Segala

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Desde a eclosão do caso de fraude contábil na Americanas (AMER3), em janeiro, seguida por abalos em empresas como Light (LIGT3), Oi (OIBR3), Marisa (AMAR3) e CVC (CVCB3), os fundos de crédito, que compram debêntures e outros papéis emitidos por essas e outras empresas, vêm sofrendo resgates semana após semana.

Embora em vários casos as perdas tenham sido localizadas, muitos investidores receosos têm feito saques e direcionado os recursos para outros produtos de renda fixa, como os CDBs (Certificados de Depósito Bancário) ou diretamente para as próprias debêntures.

Houve mais resgates do que aplicações nos fundos de crédito em todas as semanas desde a encerrada no dia 20 de janeiro, mostram dados da plataforma Economatica. Foram consideradas pouco mais de 1.000 carteiras com alocação de pelo menos 20% em debêntures e classificadas como “crédito privado” perante a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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A captação líquida negativa chegou a R$ 7,5 milhões na semana até dia 17 de fevereiro, e voltou a superar R$ 7 milhões na que terminou no dia 3 de março.

Os fundos de crédito se tornaram populares especialmente no ano passado, quando a taxa básica de juros atingiu 13,75% ao ano. Apenas cerca de 18 meses antes, a Selic ainda estava na sua mínima histórica, de 2% ao ano – e investir em produtos de renda fixa que passaram a oferecer um rendimento elevado se tornou atraente.

Muita gente, no entanto, se surpreendeu ao ver os tais fundos com retornos negativos em janeiro, dado o movimento agressivo no mercado de crédito desde a revelação das inconsistências na Americanas.

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De lá para cá, a elevação dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação aos títulos públicos, considerados de baixo risco) no mercado de debêntures – diante de uma piora na percepção de risco – levou a uma reprecificação de vários ativos de crédito.

Quando as taxas aumentam, o valor dos ativos de renda fixa em circulação no mercado diminui. E isso foi capturado pelos fundos devido à marcação a mercado das cotas – atualização diária do valor dos ativos das carteiras, de acordo com as condições vigentes de negociação.

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Para os investidores, o movimento natural foi tentar fugir do risco, resgatando os recursos. Mas essa é a melhor decisão?

Um relatório divulgado recentemente pela XP sugere que o ideal é não sacar os recursos em momentos de pânico, nem em função da presença de um ativo específico na carteira.

“Na maioria dos casos, os momentos de pânico são resultados de má precificação, ou seja, o mercado consegue vislumbrar tantos riscos que não é capaz de dar um preço mais justo para os ativos e acaba pecando pelo excesso, desvalorizando mais do que deveria”, diz o documento.

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Também é importante que cada investidor procure fazer uma análise fria do tipo de fundo em que aplicou. “Se você é um investidor que aloca em fundos de crédito high grade [que investem em papéis de empresa com risco de crédito baixo e, portanto, com retornos oferecidos menores], isso não deveria causar esse desconforto todo. Faz parte do jogo”, disse Pierre Jadoul, gestor de renda fixa da ARX, em uma live recente.

Em fevereiro, os fundos classificados como “renda fixa duração alta grau de investimento” (que dão preferência para papéis de empresas com baixo risco de crédito), por exemplo, tiveram rentabilidade acima da taxa do CDI, principal referência para aplicações de renda fixa.

Em casos como esse, quem resgatou os recursos no momento em que as cotas ficaram negativas acabou embolsando um prejuízo e não chegou a ter a oportunidade de capturar a recuperação.

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Mas nem todos os fundos de renda fixa já recuperaram as perdas. Das 16 subclasses existentes, quatro tiveram desempenho acima do CDI em fevereiro. Além das carteiras do tipo “renda fixa duração alta grau de investimento”, foi o caso também dos fundos “renda fixa indexados”, “renda fixa duração alta soberano” e “renda fixa dívida externa”.

Fundos de crédito, debêntures ou CDBs?

Muitos investidores buscaram papéis de emissão bancária (como os CDBs) para alocar os recursos resgatados dos fundos de crédito. Também no caso deles, houve uma elevação recente da remuneração, causada por fatores como uma mudança na curva de juros futuros e o aumento da percepção de risco após intervenções do Banco Central em financeiras como Portocred e BRK.

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A troca pode fazer sentido para alguns investidores, mas é importante considerar alguns aspectos antes de tomar a decisão. Os CDBs com melhores rendimentos costumam ser os que não oferecem liquidez diária – e o resgate dos recursos costuma ser liberado apenas na data do vencimento.

“Se você não precisa de liquidez, o CDB pode fazer sentido. Optando por um vencimento maior, o retorno é mais interessante e com menos risco, porque os CDBs são cobertos pelo FGC [Fundo Garantidor de Créditos]”, diz Rodrigo Pinheiro Salvador, planejador financeiro e sócio da HCI Invest. “Você tem uma segurança, mas perde mobilidade”.

No caso dos fundos de crédito, há sistemáticas variadas para o resgate. Alguns oferecem liquidez diária, o que significa que os recursos podem ser sacados a qualquer momento. Outros, estabelecem prazos de 30, 45 ou 90 dias para o pagamento após o pedido de resgate.

Investir diretamente em debêntures também tem seus detalhes. “Além de avaliar o vencimento e a liquidez do papel, é preciso saber se a empresa é sólida, analisando o risco do emissor”, diz Salvador. Fora isso, se precisar do dinheiro antes do vencimento, o investidor também pode ser obrigado a vender os papéis com desconto no mercado – tal e qual acontece com os fundos de crédito. A diferença é que, nos fundos, a análise e a escolha dos papéis é feita por um gestor profissional.

A decisão de migrar dos fundos de crédito para os CDBs ou as debêntures deve ser avaliada de acordo com os objetivos de cada investidor. “Se for só por causa do evento de Americanas, não faz sentido. Se o investidor precisa de liquidez, também não, porque os fundos de crédito provavelmente têm mais liquidez do que um CDB”, diz o planejador.

“A sua estratégia é mais importante do que o acontecimento pontual, porque ele não vai gerar o efeito de todos os fundos passarem a ter uma performance ruim”, afirma Salvador, lembrando que os fundos do tipo high grade costumam ser bem menos voláteis que os do tipo high yield (que investem em empresas com risco de crédito e potencial de retorno maiores) em momentos turbulentos.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney