Com alta do dólar e de ações estrangeiras, fundos de BDR já sobem 30% no ano

Bons resultados dos fundos têm atraído investidores brasileiros; especialistas destacam que função principal é a diversificação

Pedro Ladislau Leite

SÃO PAULO – Diz a máxima que rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura. A forte alta registrada pelos fundos de BDR, no entanto, tem despertado a atenção dos investidores brasileiros.

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Os Brazilian Depositary Receipts são recibos de ações negociados no Brasil com lastro em valores mobiliários emitidos por companhias estrangeiras. Assim, um dos caminhos para se investir em uma companhia estrangeira, como Amazon, Apple ou Google, é comprar esses ativos.

Levantamento realizado pelo InfoMoney com base em dados da Economatica apontou que apenas cinco fundos no país têm pelo menos 50% do seu patrimônio investido em BDRs (foram considerados apenas aqueles com pelo menos mil cotistas). Geridos por Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Safra, eles acumulam ganhos de mais de 30% no ano.

Como nenhum desses fundos tem proteção contra a variação cambial, a alta superior a 10% do dólar no ano dá um gás extra ao seu retorno. Isso porque a rentabilidade de um BDR não depende apenas do desempenho da empresa, mas também da variação cambial.

O BDR da Amazon (AMZO34), por exemplo, o mais negociado no mercado brasileiro este ano, acumula alta próxima a 30% em 2019. Praticamente um terço do bom desempenho, portanto, se deve à valorização da moeda americana no período.

Outra maneira de ver esse impacto cambial se dá pelo BDRX, índice que mede o comportamento dos recibos na bolsa local, que sobe 42% em 2019 até 26 de novembro, bem acima da alta de 18% do Ibovespa e no terceiro ano seguido de valorização. O ganho do S&P 500, índice que congrega as ações das principais empresas nos Estados Unidos, está em torno de 25% no período.

Há hoje mais de 200 BDRs negociados no país, dos quais apenas quatro são do tipo patrocinado. A grande maioria é do tipo não patrocinado, isto é, são emitidos por instituições financeiras sem envolvimento das respectivas companhias estrangeiras.

Como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) só permite que investidores qualificados (com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras) negociem BDRs não patrocinados, a solução para a maioria das pessoas físicas é aplicar via fundos – até 2015, os próprios fundos eram restritos para investidores qualificados (à época, aplicadores com mais de R$ 300 mil em aplicações).

Tamanho sucesso começa a atrair cada vez mais investidores. O número de cotistas dos cinco fundos mencionados cresceu de 4,3 mil, em dezembro de 2017, para 19 mil, em novembro de 2019. Nesse período, o patrimônio total dos cinco fundos aumentou de R$ 205 milhões para R$ 740 milhões.

O salto é significativo, embora o valor ainda seja muito pequeno se comparado ao total de R$ 770 bilhões alocados em fundos de investimento nos segmentos de varejo tradicional e alta renda, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

O maior fundo de BDR em termo de patrimônio é o Safra Consumo Americano BDR Nivel I, que já dobrou seu número de cotistas em relação ao início do ano, com o maior crescimento do ano.

Segundo dados disponíveis no site da CVM, o tíquete médio das pessoas físicas nesses fundos, sem contar o segmento do private banking, varia de R$ 10 mil, no Itaú e no Banco do Brasil, para próximo a R$ 30 mil, no Safra e no Bradesco, até quase R$ 40 mil, na Caixa.

Vale a pena investir em fundos de BDR?

Fundos que compram BDRs são bons produtos, na medida em que ajudam na diversificação do portfólio, afirma Mauro Morelli, sócio da Davos Financial Partnership. A vantagem é tornar os retornos da renda variável menos dependentes da economia brasileira. Ao mesmo tempo, eles acrescentam um componente normalmente defensivo na alocação: o dólar é considerado um “porto seguro”, tende a se valorizar em momentos de estresse do mercado.

É preciso cautela, no entanto, com a euforia que os bons resultados podem gerar. A moeda americana vem renovando máximas ante o real e o mercado americano navega a alta mais prolongada de sua história, combinação que vem turbinando o resultado dos fundos, mas que pode gerar correções mais fortes.

Um exemplo ocorreu em 2016. Enquanto o Ibovespa encerrou o ano com alta da ordem de 40%, os cinco fundos de BDR marcaram um retorno negativo, mesmo com a valorização das empresas no portfólio. Isso aconteceu justamente por conta do fortalecimento do real – o dólar começou o ano por volta de R$ 4 e chegou a cair para o nível dos R$ 3,10 durante aquele ano. Ao fim de 2016, a queda da moeda americana era de 17%.

“É legítimo o investidor se perguntar se estará comprando agora duas coisas caras, mas é uma questão secundária para quem ainda não tem diversificação internacional. Não acho que as máximas do dólar e das ações americanas são proibitivas para esse investimento”, diz Morelli, para quem uma piora do cenário no curto prazo não é provável. Ele estima que, de modo genérico, é recomendável uma diversificação de cerca de 10% da carteira de investimentos em ativos internacionais.

Para Adriano Cantreva, sócio da gestora Portofino Investimentos, a economia americana segue saudável e deve se aproveitar do fôlego que o banco central americano vem provendo ao cortar juros. Ao mesmo tempo, ele não acha provável uma apreciação intensa do real, já que a moeda brasileira perdeu força com a queda da Selic.

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“Estruturalmente, o dólar deve seguir forte por um bom tempo frente ao real, por conta do diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos”, afirma o gestor, que fica baseado em Nova York. “Nossa visão é positiva para a Bolsa americana. O desemprego está baixíssimo e o Fed [Federal Reserve] tem espaço para baixar juros, ao contrário da Europa e do Japão”.

Alocações dos fundos

Enquanto o índice BDRX tem mais de 160 papéis, o fundo Itaú Ações BDR Nível I aposta em um portfólio mais concentrado, com 20 empresas. “Replicamos o índice de um provedor externo, que classifica as empresas com base no valor patrimonial, fluxo de caixa, nível de receita e pagamento de dividendos. Apesar de ser um fundo passivo, tem uma abordagem fundamentalista em relação ao universo de BDRs no Brasil”, diz Eduardo Torrescasana, especialista em portfólios da Itaú Asset.

A recomendação da casa é que o investimento nesse fundo não seja motivado por movimentos de curto prazo. “Obviamente a rentabilidade ajuda muito [a procura pelo fundo]. Querendo ou não, a pessoa física ainda olha para o retrovisor, mas não pensamos o produto para alguém comprar agora e vender em três meses. Entendemos esse fundo como uma alternativa de descorrelação [em relação ao mercado brasileiro].”

No caso do Caixa FI Ações BDR Nivel I, o fundo persegue o BDRX. “Vemos um momento positivo à frente, por isso estamos buscando a máxima replicação do índice”, diz Fabiano Zimmermann, diretor do braço de gestão de investimentos do banco público. “Mas podemos diminuir essa exposição e aumentar o caixa se a expectativa se tornar negativa, como já fizemos em outros momentos. Essa análise é o principal ganho em relação a investimentos sem essa inteligência com os movimentos do mercado”, acrescenta.

Investimentos no exterior

Investir diretamente nos BDRs é possível (embora restrito para milionários), mas exige tempo e conhecimento que os investidores muitas vezes não têm. “Vale a regra para ações: independentemente se é Brasil, Estados Unidos ou Cingapura, ou você gasta tempo para entender no que está investindo, ou contrata um especialista”, destaca Morelli, da Davos.

Além disso, a liquidez dos papéis é pequena, o que pode dificultar a negociação. Segundo a B3, o estoque total de BDRs ficou em R$ 2,7 bilhões em outubro, sendo que 6,2% desse total está na carteira de pessoas físicas, sem contar o investimento feito via fundos. Esse estoque vem aumentando e já é o dobro do registrado há dois anos, mas ainda pequeno se comparado ao volume diário no mercado de ações à vista na B3, normalmente acima dos R$ 15 bilhões.

Há, no entanto, outras maneiras acessíveis para se ter investimentos em ações estrangeiras. O mercado brasileiro conta com dois ETFs (fundos de índices negociados em Bolsa) que refletem o desempenho do S&P 500 e também existem fundos de investimento que seguem esse referencial. Um caminho menos direto se dá por fundos multimercado com alocação estrangeira no portfólio.

Os ETFs possuem estruturas de custos mais baratas do que fundos tradicionais, o que faz diferença na rentabilidade. As taxas nos cinco fundos de BDR podem chegar a até 2,5% ao ano, enquanto, nos ETFs de S&P, ficam abaixo de 0,3%.

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Pedro Ladislau Leite

Repórter de investimentos do InfoMoney, cobre os mercados de renda fixa (Tesouro Direto e títulos privados) e de renda variável, acompanhando as movimentações dos principais gestores de fundos no país.