Seis startups de sucesso mostram como conquistar investidores para o seu negócio

Ter cautela e construir relacionamento de longo prazo estão entre os passos seguidos por startups para conquistar seus investidores. Confira mais a seguir

Caroline Marino

Entrevista com João Pedro Resende, cofundador e CEO da Hotmart (Do Zero Ao Topo/InfoMoney)

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A cada ano cresce o valor investido pelos fundos em startups. Segundo dados do relatório Inside Venture Capital, elaborado pelo Distrito, plataforma de inovação aberta, com apoio do Bexs Banco, em 2021 foram mais de US$ 8,87 bilhões em aportes em startups brasileiras, volume quase três vezes maior do que em 2020, que alcançou US$ 3,65 bilhões. Este ano também começou acelerado. Só em janeiro e fevereiro, as startups brasileiras levantaram US$ 1,36 bilhão.

O investimento crescente mostra a confiança do mercado no ecossistema de inovação e novos negócios. Mas buscar aportes para acelerar o crescimento de uma empresa requer alguns cuidados.

Um deles é ter em mente que não é apenas o fundo ou o investidor-anjo que escolhe a empresa. Os empreendedores também devem escolhê-los. Porque não se trata apenas de obter dinheiro. É preciso que o valor venha de um lugar – ou pessoa – que faça sentido para o negócio.

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No que diz respeito aos fundos, por exemplo, há os focados em determinados mercados, há os que querem participar mais do dia a dia da startup e os que preferem ficar mais distantes. Para tirar todas as dúvidas sobre investimentos em startups, o Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, está coletando perguntas dos leitores para que gestores de renome as respondam, clique aqui e veja como participar.

Veja a seguir a história de seis empreendedores de sucesso que conseguiram investimentos milionários. Todos eles participaram de episódios do podcast do Do Zero ao Topo. Confira os exemplos e veja como alcançar bons investimentos e alavancar o crescimento da sua empresa.

CargoX: de cerca de 200 “nãos” a um negócio bilionário

No final de 2021, o argentino Federico Vega, criador da startup de digitalização de caminhoneiros CargoX, viu seu negócio alcançar outro patamar. Ele anunciou o aporte de US$ 200 milhões, liderado pelo SoftBank, conglomerado japonês de telecomunicações, e a Tencent, gigante chinesa de tecnologia, e lançou ao mercado a holding Frete.com, que une a CargoX e a FreteBras, plataforma de negociação de transporte de cargas. O negócio ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão de avaliação.

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O caminho para se tornar um unicórnio não foi fácil. O empreendedor ouviu “não” de investidores mais de 200 vezes antes de conquistar seu primeiro aporte. “Uma vez saí de um investidor, depois de ter estado lá umas 20 vezes, e ele pediu para eu não voltar mais”, contou Vega em entrevista ao podcast do Do Zero ao Topo. Segundo Vega, ele foi direto ao dizer que os motivos da recusa se davam primeiro por ele não ser brasileiro e, assim, não conhecer bem como tudo funciona por aqui, além de mal falar português. Segundo, por estar no país e em um dos segmentos mais complexos do mundo, a logística. “Na época, ano de Copa do Mundo, ele recomendou que eu passasse a falar que era uruguaio”, afirma.

Desistir não estava nos planos de Vega. “Sabia que existia um problema a ser resolvido, pois passei muito tempo falando com caminhoneiros e embarcadores – e havia muitas reclamações. E eu tinha um serviço para resolvê-lo”, explica. Veja se baseou na primeira premissa para uma startup dar certo e atrair a atenção de investidores: ter a solução para um problema ou dor do mercado.

“O que eu não sabia na época é que era preciso encontrar alguém no qual o investidor confiasse para nos apresentar. Eles não me conheciam”, diz. Vega passou a trabalhar no importante networking no mundo das startups. Se aproximou de um profissional próximo do mundo de venture capital e as portas começaram a se abrir. Ele apresentou a Vega pessoas da gestora Valor Capital que, depois de algumas conversas, decidiu investir na empresa, assim como Oscar Salazar, um dos sócios da Uber, que auxiliou Federico em toda a estruturação da empresa. Ao todo, foram sete rodadas de investimento, somando mais de R$ 2 bilhões.

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Ebanx: primeiro aporte com cautela para preparar os próximos 

O caminho de Wagner Ruiz , Alphonse Voigt e João Del Vale para conseguir investimento para o Ebanx, startup processadora de pagamentos, foi de muita cautela. “Como éramos um pouco mais velhos e já tínhamos as nossas ‘queimaduras’ do passado, sempre tentamos ser muito equilibrados”, disse Ruiz em entrevista ao podcast do Do Zero ao Topo.

Segundo ele, buscar aporte a todo custo nunca foi um objetivo. A empresa gerava caixa e a ideia era, primeiro, focar nos resultados e trazer clientes. Com apenas um ano de operação, a startup, ainda com 12 pessoas, conquistou como cliente um conglomerado com mais de 100 mil funcionários: o chinês Alibaba. Com essa empresa na lista, conquistar outros clientes ficou mais fácil. Mas ainda não era o momento de buscar aportes. O tempo passou e, em 2017, o negócio começou a crescer em ritmo acelerado e o trio de fundadores entendeu que era o momento de buscar investimento. Mas Ruiz ressalta que nunca pensou apenas no dinheiro pelo dinheiro. Era essencial que o investidor tivesse sinergia com os valores e as propostas da empresa. Até que os fundadores começaram a conversar com a FTV Capital, fundo que conheciam desde 2012 por intermédio da organização de empreendedorismo Endeavor.

“Tentamos desistir várias vezes. Quando fechamos o negócio, chegamos a ligar para dizer que não queríamos. Mas como você diz ‘não’ para uma empresa que te acompanha há anos e da qual você pode precisar depois?”, lembra.

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De acordo com Ruiz, para convencer a FTV a não investir no Ebanx, os fundadores listaram os problemas da empresa, sugerindo resolvê-los para, depois, aceitar o aporte. O investidor disse que sabia desses problemas, mas, mesmo assim, queria seguir. Negócio fechado com um investimento de US$ 30 milhões. “Isso mostra muito do nosso relacionamento com a FTV Capital, que sempre foi de confiança”, diz.

Segundo Ruiz, saber escolher um fundo que, de fato, tenha a ver com o negócio é essencial. A FTV, que nasceu no mundo financeiro, ajudou a empresa em toda a estratégia e governança. “Nos deu o conforto de dizer: agora, se precisar, a gente aposta tudo”, afirma Wagner. Em 2019 a empresa foi avaliada em mais de US$ 1 bilhão em sua segunda rodada de investimentos, com um valor não divulgado, e se tornou o primeiro unicórnio da região Sul do país.

Em 2021, recebeu um cheque de US$ 430 milhões da Advent International, empresa global de private equity.  O investimento foi dividido em dois: US$ 400 milhões no fechamento do negócio e US$ 30 milhões no momento da oferta inicial de ações (IPO, pela sigla em inglês) da companhia, estimada para ocorrer este ano.

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Pipefy: networking agressivo abriu as portas para o primeiro aporte

Alessio Alionço é fundador da Pipefy, startup que já recebeu US$ 138,7 milhões em capital de investidores. Lá do Vale do Silício, o Pipefy vende seu sistema de gestão de processos para mais de 4 mil empresas em 200 países. Mas Alionço confessa que já tomou más decisões ao buscar investimento. O motivo? Em seu primeiro negócio, deixou 50% da empresa na mão dos investidores, o que no mundo das startups é pouco estratégico, pois deixa os próximos investidores pouco motivados. “Eu era inexperiente. Não tinha passado por uma aceleração e acabei não distribuindo os investimentos da maneira correta.”

A empresa acabou sendo vendida e Alionço usou o que aprendeu para abrir outro negócio, justamente o Pipefy. “Sempre tive vontade de ter uma empresa bem-sucedida globalmente, crescer, abrir capital e fazer aquisições. Pensei que se fosse empreender de novo, seria algo muito grande e, ao invés de ser atropelado, iria atropelar”, afirma.

Para ser global e conseguir investimento de fundos renomados internacionais, ele sabia que precisava se relacionar com pessoas de fora. Por isso, decidiu se candidatar ao programa da  500 Startups, uma das maiores e  mais importante aceleradora do Vale do Silício. “Na época, não tínhamos tração e contávamos apenas com um MVP (produto mínimo viável, na sigla em inglês) com cem clientes usando”, lembra. Alionço decidiu mostrar a cara. “Descobri todos os empreendedores que tinham passado pela aceleração e entrei em contato com alguns, pedindo dicas para passar no processo, além de pesquisar sobre os avaliadores e fazer campanhas de marketing.” Um dos contatos o colocou no radar do programa. “Na entrevista, o profissional falou: já ouvi falar de você.”

O começo não foi fácil. Muitos investidores encaram a empresa com ceticismo por ser brasileira. “Já ouvi de investidor que comprar um software do Brasil era como se nós comprássemos um da Bolívia. E que eu era mais um brasileiro com uma ideia copiada dos EUA.” Alionço ouvia, ainda, que deveria se mudar para os Estados Unidos e que seria melhor não abrir sua nacionalidade. “Sentamos e falamos: vamos fazer acontecer. E trabalhamos de domingo a domingo para isso”, diz. O esforço foi reconhecido e, antes de acabar o processo de aceleração, a empresa conseguiu o primeiro investimento de fundos internacionais, mas com escritórios no Brasil, de US$ 30 milhões.

MadeiraMadeira: já ‘queimou’ dinheiro de investimento e hoje é avaliada em mais de US$ 1 bilhão

Os irmãos Daniel e Marcelo Scandian, fundadores da MadeiraMadeira, precisaram de muita resiliência e jogo de cintura para conseguir o primeiro investimento. Depois de reverter alguns problemas no início do negócio, como fraudes com cartão de crédito, pedidos não pagos e dificuldade até para abrir uma conta num banco, eles decidiram vender o único ativo da família, o apartamento das irmãs, para colocar a empresa em ordem e conseguir ter números e resultados para mostrar aos investidores. “Continuamos otimistas, e agressivos e investindo. Quanto mais itens colocássemos na plataforma, mais vendíamos. Com esse crescimento, percebemos que precisávamos de gente para dar o próximo passo”, diz Daniel.

Em uma conversa, o pai, que conhecia bem o mercado de fundos, indicou a Monashees, gestora de venture capital brasileira. Foram onze meses de conversas, nas quais os irmãos reforçaram o potencial da empresa, as competências e garra de cada um e de onde tinham vindo. Até que o fundo respondeu: “Para investirmos em vocês, precisamos de outro investidor, pois o negócio é muito arriscado.” Os empreendedores não conseguiram nenhum e o fundo desistiu.

Mas um relacionamento já havia sido criado e, depois de seis meses, a Monashees deu mais uma chance nas mesmas condições da anterior. “Fomos atrás e acabamos conseguindo mais dois fundos: Kaszek e Frybridge”, conta. Assim, em 2012, a MadeiraMadeira fez sua primeira rodada no valor de R$ 8 milhões. A empresa montou um Conselho, estruturou equipe e investiu, mas acabou cometendo um erro comum de empreendedores no primeiro aporte: deu um passo maior do que a perna.

“Costumo dizer que startup que inova demais e muito rapidamente é igual a empresa grande que inova de menos. Contratamos um batalhão de gente, colocamos 20 mil produtos por mês na plataforma e queimamos muito dinheiro”, diz. Tudo isso se refletiu no andamento da empresa, com pedidos cancelados e problemas com entregas. Eles aprenderam a dar um passo de cada vez, mostraram um plano de retomada aos investidores e, em seis meses, o caixa voltou a ser positivo.

Com as lições aprendidas, a empresa cresceu e conseguiu novos aportes. Em 2019, recebeu US$ 110 milhões em uma rodada liderada pelo SoftBank e, em 2021, US$ 190 milhões do SoftBank e da gestora brasileira Dynamo, além do Flybridge e a Monashees — que já investiam na companhia —, VELT Partners, Brasil Capital e Lakewood Capital.

Hotmart: eles disseram não para o primeiro investimento e hoje contam com 30 milhões de usuários pelo mundo

A Hotmart, plataforma voltada para venda, distribuição e consumo de produtos digitais criada por João Pedro Resende e Mateus Bicalho, começou com muita cautela e pés no chão. Os sócios mantiveram seus trabalhos no começo e estipularam um prazo para o negócio crescer: cerca de 10 meses, tempo que duraria o dinheiro caso o faturamento não deslanchasse.

Como sabiam que precisariam de mais caixa para crescer, começaram a buscar investidores e, para isso, aperfeiçoaram o produto e apostaram em uma estratégia inteligente de divulgação para chegar aos consumidores. “Depois de algumas conversas, nos ofereceram R$ 1 milhão. Ao lermos o contrato com atenção, não assinamos”, diz João.

Segundo ele, os termos eram muito rígidos e fora do padrão de mercado para um investimento-anjo, com multas por não atingimento de metas e preferências de liquidação, que permitiram que os investidores vendessem as ações antes dos fundadores. João ressalta que os empreendedores devem prestar atenção em muitas coisas antes de fechar com um investidor-anjo ou fundo. Algumas perguntas podem ajudar nessa decisão: quem são os investidores? Qual é o estilo de gestão? Pretendem vender rápido ou querem ficar mais na empresa? Entendem o setor de atuação da empresa? Como podem ajudar o negócio a crescer em termos de gestão? “Vejo um erro comum nos novos empreendedores: buscar investidores em seu círculo familiar, por exemplo, sem que a pessoa entenda de startups e do segmento do negócio”, diz.

Até que, logo depois disso, eles viram uma competição de startups feita pelo Buscapé e decidiram participar. “A competição apareceu no momento em que nosso prazo estava acabando”, diz. Eles ganharam e, assim, receberam o primeiro aporte de R$ 300 mil. A partir daí, as portas se abriram e eles ganharam o mundo: são 30 milhões de usuários, 400 mil produtos e vendas para quase 200 países. A Hotmart recebeu aportes em 2013 e 2019, mas não revelou valores. Em março de 2021, aconteceu uma nova rodada de investimentos de US$ 130 milhões, liderada pelo fundo norte-americano TCV, investidor de empresas como Netflix, Spotify, AirBnb, Facebook e LinkedIn.

QuintoAndar: eles ouviram que o negócio não fazia sentido e hoje a empresa é um unicórnio

André Penha e Gabriel Braga, fundadores do QuintoAndar, sempre trabalharam para resolver as dificuldades de quem precisa alugar imóveis. Todas as experiências pessoais com locação de imóveis eram frustradas, e as de seus amigos também. Aí pensaram: “Vamos resolver esse problema de verdade’”.

Apesar de o começo ter sido difícil, com pouco dinheiro e dificuldade para conseguir aportes, a certeza do potencial da empresa não os deixou desistir. “No começo, todo mundo falava que o nosso negócio não fazia sentido”, diz Penha. Segundo ele, quando se inova é normal causar uma certa estranheza e, até, desconfiança no mercado. A empresa, que começou em 2012, só levantou o primeiro aporte três anos depois. O primeiro foi de US$ 6 milhões, com Kaszek Venture e investidores anjos. “Naquela época era mais difícil conseguir investimento. Hoje o cenário de capital está mais maduro e há mais exemplos de novas empresas com ideias disruptivas”, afirma.

Depois disso, a empresa passou por mais quatro rodadas de investimento. A última, em 2021, eles nem precisaram procurar. “Estranhamente o dinheiro nos procurou. Não estávamos captando, mas já que ele existia numa condição razoável, resolvemos pegar e utilizá-lo para expandir os negócios”, afirma André. O resultado dessa procura foi um aporte de US$ 250 milhões (mais de R$ 1 bilhão), liderado pelo SoftBank Group. O valor colocou a empresa na lista das startups que valem mais de US$ 1 bilhão no Brasil. “O negócio ficou mais estável, com crescimento óbvio. Então, é normal que os investidores nos procurem”, completa.