Sergio Rial: executivo revelou rombo na Americanas (AMER3) e virou réu em processo na CVM envolvendo a varejista; saiba mais sobre sua história

Executivo ficou à frente da companhia por apenas nove dias; antes disso, teve passagens por Marfrig e Santander

Equipe InfoMoney

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Na última sexta-feira (2), a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) tornou Sergio Rial, ex-CEO da Americanas (AMER3), e  João Guerra, que assumiu interinamente a posição após a saída de Rial, réus em processo ligado à comunicação ao mercado das inconsistências contábeis reveladas pela varejista. A informação foi confirmada na segunda-feira (5).

As informações públicas revelam apenas quais artigos legais ou de resoluções da CVM que ambos são acusados de infringir:  determinações da Lei das S.A. Rial, que deixou o cargo executivo na varejista em 11 de janeiro, é acusado de descumprir trecho sobre guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado. Já Guerra, que ainda é executivo na empresa, é acusado de infringir artigo sobre a obrigação de administradores de uma companhia de comunicar qualquer fato relevante ocorrido nos seus negócios.

Além disso, Rial é acusado de infringir um total de três artigos de duas resoluções da CVM, enquanto Guerra é acusado de descumprir dois artigos de uma resolução.

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Em nota, a Americanas afirmou que “acompanha a evolução” do processo na CVM e que segue colaborando com as autoridades competentes nas apurações envolvendo as inconsistências contábeis. A assessoria de Rial disse que ele não vai se manifestar a respeito.

A CVM possui ao menos dez processos administrativos para investigar o rombo bilionário na Americanas. No dia 11 de janeiro, o então CEO Sergio Rial e o CFO André Covre renunciaram aos cargos e divulgaram ao mercado inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões.

Ex-CEO das Americanas, Sérgio Rial, em pronunciamento na CAE do Senado (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Relembre o caso

A Americanas revelou a descoberta de inconsistências contábeis da ordem de cerca de R$ 20 bilhões na noite de 11 de janeiro deste ano, por meio de fato relevante. O documento também trazia, entre outros pontos, a renúncia de Sergio Rial ao comando da varejista, posição que tinha assumido dias antes. André Covre, que havia assumido o cargo de CFO pouco tempo antes, também anunciou sua renúncia no mesmo documento. 

Na manhã seguinte, Rial participou de uma conferência fechada organizada por um banco privado e falou sobre os problemas contábeis divulgados pela companhia. O evento foi transmitido online, mas para apenas uma parte do mercado. Minutos após o fim da conferência, a Americanas gravou um vídeo com Rial explicando os fatos, para evitar acusações de assimetria de informação.

“Durante a realização da teleconferência e diante do fato de que havia sido atingido o limite de participantes da plataforma utilizada, foi verificado que não havia sido iniciada a gravação da  teleconferência”, explicou a Americanas, à época dos fatos.

O fato relevante do dia 11 de janeiro também anunciava que Guerra assumiria os postos de presidente e diretor de relações com investidores interinamente. Ele deixou ambos os cargos em fevereiro, voltando a ocupar a diretoria não estatutária de recursos humanos.

O rombo contábil iniciou uma crise na Americanas, que levou a empresa a pedir recuperação judicial.

Os processos da CVM podem ter caminhos diferentes a depender do caso, mas, em geral, após a intimação, há o recebimento das defesas e o sorteio de um relator no colegiado da CVM. As possíveis penalidades incluem multas e os acusados podem, a qualquer momento, propor um acordo via termos de compromisso.

Segundo informações no site da CVM, o órgão regulador começou a citar os acusados na sexta-feira passada.

Mudança de comando na Americanas

Sergio Rial ficou apenas nove dias à frente da Americanas (AMER3), mas seu nome havia sido anunciado em agosto de 2022, como sucessor de Miguel Gutierrez, que acumulou 30 anos na Americanas – e 20 deles na cadeira principal. Pouco antes do anúncio de mudança no comando da varejista, a empresa passou por mudanças em sua estrutura societária, com a saída do controle da companhia do famoso trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, fundadores da Ambev e sócios do fundo 3G Capital. Esse rearranjo foi ventilado como uma das possíveis causas da troca executivo.

Na época, o anúncio foi considerado inesperado pelo mercado, já que Rial era presidente do conselho de administração da Vibra e não tinha experiência no ramo de varejo. A chegada de um executivo com vasta experiência, no entanto, foi celebrada no mercado e entre investidores.

Em comunicado da época, a varejista afirmou que acreditava “que este movimento de sucessão reforçará sua estratégia de crescimento com rentabilidade e aproveita para agradecer a Miguel Gutierrez pela dedicação à companhia”.

O novo CEO, por sua vez, traria “vasta experiência em diversos setores”, incluindo vivência internacional por mais de 15 anos, na Ásia, Europa e nos Estados Unidos. “Acreditamos que a experiência do Sergio Rial se somará ao time da Americanas”, diz o documento.

Mas nem todo mundo comemorou. Ao comentar a chegada do novo executivo, Eugênio Foganholo, sócio da consultoria especializada em varejo Mixxer, afirmou que a escolha, provavelmente, se deu pela habilidade de liderança do executivo. “Ele deve ser um grande líder e deve ter grande capacidade de gestão, mas o que tem faltado na Americanas, e não é de hoje, é alguém com forte pegada varejista, e ele possivelmente não deve ter isso”, afirma.

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Quem é Rial

Sergio Rial foi o presidente do Conselho do Santander Brasil (SANB11) e também ocupou a principal cadeira executiva na companhia durante sete anos. Na ocasião, em nota à imprensa, Jesús Zabalza, presidente do Conselho do Santander afirmou que “Sérgio Rial é um dos grandes executivos que conheci”. E completou: “além do excelente trabalho que realizou no exercício da presidência do Conselho, acompanhou e participou, nesse período, de todas as operações do Banco. Hoje, conhece muito bem nossa empresa, seus desafios, nossos pontos fortes e os pontos que temos de continuar avançando”.

Antes disso, Rial foi CEO da Marfrig (MRFG3), com passagem pela Cargill, ABN AMRO, entre outras importantes instituições do mercado.

Formado em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em economia pela Universidade Gama Filho, Rial começou sua carreira no banco ABN Amro.

Apesar de ter anunciado sua saída da posição de CEO, a intenção era que o trabalho de Rial na Americanas continuasse. Segundo a companhia, o executivo iria assessorar os acionistas de referência na apuração sobre as inconsistências de R$ 20 bilhões identificadas nos balanços. “Eu seguirei apoiando a outra esteira, focada na restruturação da situação patrimonial da empresa, apoiando os nossos acionistas de referência, aí como assessor”, afirmou.

Em carta aos funcionários da companhia, Rial escreveu: “Até a finalização dos trabalhos de identificação de todas as inconsistências, anunciamos o João Guerra como presidente interino, que juntamente com a liderança da empresa em diversas frentes, seguirá focando no dia a dia da cia. e com ajuda de todos vocês, a construção do nosso futuro. Eu seguirei apoiando a outra esteira, focada na restruturação da situação patrimonial da empresa, apoiando os nossos acionistas de referência, aí como assessor”.

A nova função, contudo, também não durou muito tempo. No dia 16 de janeiro, Rial anunciou que não estava mais à frente da interlocução dos acionistas de referência da Americanas. Ele foi substituído por Luiz Muniz, sócio e chefe da América Latina do banco de investimentos Rothschild & Co.

Depois da sua breve passagem pela liderança das Americanas, Rial resumiu algumas das suas reflexões em sua conta na rede social LinkedIn. Segundo Rial, seu propósito e motivação ao aceitar a posição de CEO era “agregar minha experiência profissional e reoxigenar o legado em prol do desenvolvimento da companhia”.

“Nesses breves nove dias como presidente, os desafios e os ensinamentos, contudo, foram outros, mas extremamente importantes”, escreveu.

“Coube-me, como executivo-líder, primeiro entrevistar executivos remanescente, questionar e entender quaisquer preocupações e novas perspectivas. Nessas conversas, informações e dúvidas foram compartilhadas e com o natural aprofundamento para entendê-las e dar-lhes direcionamentos conjuntamente com o novo CFO, Andre Covre, chegamos ao quadro do fato relevante com transparência e fidedignidade! Quaisquer especulações ou teorias distintas disso são leviandades. Eu jamais transigiria com a minha biografia”, defendeu.

Com a conclusão de um diagnóstico que exigia mudanças imediatas, segundo Rial, foi preciso agir com responsabilidade e ética para corrigir a rota. “Essa correção partiu da transparência e do apoio incondicional que recebi do CA e dos acionistas de referência”, escreveu.

Por fim, sobre sua saída do cargo executivo, Rial afirmou que ela decorreu “do entendimento da necessidade de abrir espaço para que a empresa pudesse se reestruturar de um ponto de partida totalmente distinto do que eu esperava encontrar. É preciso saber o momento de se posicionar dentro de um novo contexto que se apresenta. Foi o que fiz, sem me descomprometer em ajudar no que estivesse ao meu alcance. Essa é a minha terceira reflexão. Vou, portanto, neste momento, continuar a contribuir com minhas capacitações, experiência, seriedade e transparência, seguindo sempre as premissas que nortearam toda minha trajetória profissional e pessoal”, completou.

Depois da sua saída da Americanas, Rial também deixou a posição que ocupava no Santander, mas manteve os cargos em conselho de diversas outras companhias. Nos últimos meses, se manteve afastado dos holofotes no cenário corporativo brasileiro. Convidado a fazer parte do conselho consultivo da Universidade Zhejiang, na China, Rial passou uma temporada no país asiático. “Estarei envolvido na escola de negócios e com seu reitor Ben Shenglin, com quem tive o privilégio de trabalhar quando morei na Ásia”, escreveu em post em rede social. Durante sua viagem para a China, visitou a sede do grupo ANT (Alipay e Alibaba).

(Com informações do Estadão Conteúdo e da Agência Reuters)