Fim da jornada: como Jeff Bezos desafiou expectativas e criou o império de tecnologia da Amazon

Nem estudantes de Harvard acreditavam no projeto na década de 90. Porém, hoje a empresa é avaliada em US$ 1,7 trilhão na bolsa americana Nasdaq

Giovanna Sutto | Mariana Fonseca

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – Jeff Bezos interrompeu uma jornada de 26 anos na última terça-feira (2). Em fevereiro o executivo anunciou que deixará de ser o CEO da Amazon, sua multinacional de comércio eletrônico, para ocupar a presidência do conselho de administração. Bezos se dedicará a projetos filantrópicos e de inovação. Quem assumirá a gestão operacional da Amazon será Andy Jassy, CEO do serviço de hospedagem em nuvem Amazon Web Services (AWS).

Aos 57 anos, Bezos é o segundo homem mais rico do mundo, atrás apenas de Elon Musk, fundador da Tesla e da SpaceX. Bezos tem uma fortuna estimada em US$ 188 bilhões pelo Bloomberg Billionaires Index. Já a Amazon está avaliada em cerca de US$ 1,7 trilhão na bolsa de valores americana Nasdaq.

Mas nem sempre Bezos teve tanto dinheiro, e nem sempre seu negócio foi um gigante da tecnologia. A Amazon começou como uma pequena livraria online, em 1994.

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A criação da Amazon

Jeff Bezos se formou em engenharia elétrica e ciências da computação pela Universidade de Princeton, em 1986. Bezos teve diversos empregos entre os 20 e 30 anos de idade. Trabalhou em uma startup de telecomunicações, chamada Fitel, e depois se tornou gerente de produto na instituição financeira Banker’s Trust, hoje parte do Deutsche Bank.

A ideia de uma loja virtual surgiu na cabeça de Jeff Bezos quando ele se tornou vice-presidente da empresa de gestão de investimentos D. E. Shaw & Co e descobriu que o uso da internet havia aumentado 2.300% em 1994. O número saltou aos olhos de Bezos, que decidiu pedir demissão do hedge fund para empreender.

Podia dar errado. Mas, segundo o próprio empresário, a ideia era se “arrepender o mínimo possível”. Ele não se incomodaria em deixar Wall Street, mas não se perdoaria de perder o boom da internet.

Ele e sua então esposa, Mackenzie, mudaram-se para Seattle, cidade que Bezos acreditava ser a ideal para começar o negócio. Bezos escreveu o plano de negócios durante a viagem, fazendo os primeiros contatos com investidores para começar o sonho da Amazon.

O plano era ser uma gigante, mas foi preciso começar pequeno. Bezos fez uma lista de 20 produtos que poderia vender online, incluindo livros. Os livros eram fáceis de vender, tinham baixo preço unitário e uma estocagem cara e difícil no mundo físico. Essa seria a fórmula ideal para competir com livrarias comuns do mercado americano, como a Barnes & Noble.

Com esses argumentos, Bezos convenceu seus pais a investir cerca de US$ 245 mil na ideia e atraiu mais US$ 750 mil de outros investidores. A aposta era arriscada, segundo o próprio Bezos, que alertava que a chance de não dar certo era de 70%. A Amazon foi registrada em 1994 e começou a operar em julho de 1995, como uma loja online de livros.

Da garagem ao IPO: dúvidas até de Harvard

A operação de pegar, encaixotar e despachar os livros era feita pessoalmente pelo próprio Bezos e por alguns funcionários na garagem de casa. Mesmo assim, as vendas decolaram e atingiram nas primeiras semanas US$ 20 mil por semana. Bezos despachava encomendas para todos os estados dos EUA e outros 45 países.

Mas a companhia, como quase todas as startups em início de operação, não apresentava lucro – pelo contrário, a Amazon queimava caixa trimestre após trimestre. Crescendo em ritmo acelerado e ainda com poucos funcionários, nem todos acreditavam na Amazon e no seu modelo disruptivo de negócio.

No livro The Everything Store: Jeff Bezos and the Age of Amazon (“A loja de tudo: Jeff Bezos e a Era da Amazon”), o autor Brad Stone conta que sugeriram a Bezos até a venda da companhia.

Segundo o relato, o “conselho” aconteceu em 1997, quando Bezos foi dar uma palestra na prestigiosa Universidade de Harvard: “Ao final da palestra, os estudantes [que assistiram à palestra] chegaram a um consenso: era improvável que a Amazon sobrevivesse à onda de varejistas que estavam migrando para o mundo online. ‘Você parece ser um cara muito legal, então não me leve a mal, mas você realmente precisa vender o negócio para a Barnes & Noble e sair agora'”, afirmou um estudante a Bezos, que recebeu o apoio de outras pessoas que estavam no evento.

Em resposta, Bezos disse: “Você pode estar certo. Mas pode estar subestimando o grau de dificuldade que a indústria física – ou qualquer empresa que esteja acostumada a fazer as coisas de uma certa maneira – vai encontrar para ser mais ágil e focar a atenção em um novo canal. Veremos no futuro.”

Foi essa visão de longo prazo que fez com que Bezos superasse boa parte das adversidades da Amazon. Para Bezos, até mesmo queimar caixa não era um problema – mas sim parte da estratégia de criar uma gigante internacional.

O resultado inicial impressionante se manteve, abrindo as portas para uma oferta pública inicial de ações em maio de 1997, mesmo ano em que Bezos conversou com os estudantes de Harvard. A Amazon tinha menos de dois anos de operação.

O IPO aconteceu no dia 15 daquele mês, com as ações precificadas a US$ 18. Quem entrava na oferta via uma empresa deficitária, mas com 1,5 milhão de clientes ativos, pouco mais de 600 funcionários e US$ 125 milhões em caixa. Aos investidores, Bezos fez uma previsão que se mostraria acertada: aquele era apenas o começo da internet e da Amazon.

Quem investiu US$ 1.000 na Amazon no IPO teria cerca de US$ 1,58 milhão em maio de 2020. A companhia foi uma das poucas a sobreviverem à bolha da internet no início dos anos 2000.

Em 2003, a Amazon registrou seu primeiro ano com lucro, atingindo a marca de US$ 75 milhões. Em 2020, as vendas da companhia ficaram em US$ 125,6 bilhões no quarto trimestre, acima dos US$ 87,4 bilhões de igual período de 2019.

Essa foi a primeira vez em que a gigante de tecnologia superou US$ 100 bilhões em vendas em um trimestre. A Amazon vendeu US$ 386,1 bilhões durante todo o ano de 2020, alta de 38% sobre 2019.

E-commerce de tudo e novas frentes

O plano de expandir a Amazon para além dos livros começou a se concretizar depois do IPO. Em 1998, Bezos passou a vender CDs e filmes e internacionalizou a empresa, com a aquisição de concorrentes no Reino Unido e na Alemanha.

Outra aposta acertada foi o programa de fidelidade Prime, criado em 2005. Segundo pesquisas feitas em 2018, o cliente Prime nos Estados Unidos gasta, em média, US$ 1,4 mil no e-commerce ao ano. Enquanto isso, não-membros gastam algo em torno de US$ 600. No mundo todo, o Amazon Prime conta com mais de 150 milhões de assinantes atualmente.

Hoje, a Amazon vende produtos em diversas categorias, seja no universo online ou nas lojas sem contato (que não têm funcionários para atender os clientes) da rede Amazon Go. Mas não basta dominar o varejo para Jeff Bezos. Sua empresa não é mais apenas uma gigante do e-commerce, mas sim da tecnologia.

Em 2002, o empresário lançou o AWS, sua plataforma de serviços de computação em nuvem. Também lançou produtos de tecnologia próprios, como o leitor digital de livros Kindle; a assistente pessoal Alexa; os serviços de streaming Amazon Music e Prime Video; e o Roku TV, aparelho que transforma televisores comuns em Smart TVs. Mais recentemente, a Amazon também passou a investir em saúde e aparelhos para manufatura inteligente.

A estratégia agressiva de crescimento tocada por Bezos também envolveu a aquisição de dezenas de empresas tradicionais e startups. Entre as mais famosas estão a plataforma de avaliação de vídeos IMDb, o e-commerce de moda Zappos, a plataforma de streaming Twitch e a rede de supermercados Whole Foods.

O InfoMoney já abordou a expansão da Amazon inclusive no mercado brasileiro. Sem capital aberto no Brasil, os dados da operação no país são mais restritos – mas a gigante de tecnologia americana divulgou que a divisão brasileira de varejo passou de 16 para 35 categorias de produtos de janeiro de 2019 até outubro de 2020. A Amazon tem oito centros de distribuição no país.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.