Faltou energia: Um dia queridinha de dividendos, Eletropaulo já caiu 50% em 2013

Com dívidas elevadas e pressões da Justiça e da Aneel, empresa paulista de energia passou a ser um dos patinhos feios do setor elétrico

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Muitas empresas do setor de energia apresentaram um péssimo desempenho na Bolsa nos últimos meses devido à Medida Provisória 579, que estabeleceu condições duras para a renovação das concessões de transmissão e geração que venceriam entre 2015 e 2017. Chama a atenção de muitos investidores, no entanto, que uma das empresas com piores resultados no período, a AES Eletropaulo (ELPL4), nem tenha sido diretamente afetada pela intervenção do governo para baratear a energia consumida por empresas e consumidores brasileiros.

A Eletropaulo, na verdade, foi vítima de uma decisão anterior da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A empresa, que distribui energia para 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, teve de enfrentar uma dura revisão tarifária no último ano. A Aneel determinou que a Eletropaulo deveria reduzir as tarifas cobradas em 9,93%, algo pior do que as expectativas do mercado. Os valores deveriam ser retroativos a um ano antes, já que a decisão sobre a revisão deveria ter sido tomada em julho de 2011.

Para que ocorra o processo de revisão, a agência calcula a base de ativos da companhia e, depois, estima qual deveria ser o retorno justo para os investimentos realizados. No caso da Eletropaulo, a Aneel já sabia quanto a empresa havia investido nos quatro anos anteriores e qual tinha sido a depreciação desses ativos. Portanto, era possível fazer a previsão de quanto deveria ser a base do novo ciclo, que tinha sido calculada pela empresa em R$ 6 bilhões. Porém, frustrando a Eletropaulo e o mercado, o valor final apresentado pela Aneel foi de R$ 4,8 bilhões, o que derrubou as tarifas para o consumidor final.

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De acordo com um investidor que não quis se identificar, mais da metade da diferença entre os cálculos pode ser explicada por investimentos em cabos que a companhia declarou ter realizado, mas que, segundo perícia realizada pela Aneel, não existiram. A agência ainda estuda aplicar uma punição à empresa, já que revisões tarifárias anteriores também teriam sido baseadas em ativos inexistentes. Outros R$ 533 milhões da diferença dos cálculos são referentes a equipamentos e valores declarados como investimentos pela empresa, mas que, segundo a Aneel, provêm de gastos operacionais. Em uma simplificação grosseira, é como se a empresa considerasse investimento – e não despesa – o cafezinho fornecido aos funcionários.

Dívida
Outro problemão da Eletropaulo é a dívida. No balanço do primeiro trimestre, a empresa informou que a dívida líquida atingiu R$ 5,8 bilhões, um aumento de 61,5% em relação a um ano antes. Boa parte dessa elevação foi causada não por dívidas novas, mas pela inclusão no balanço de débitos da empresa com o fundo de pensão dos funcionários. A mudança contábil seguiu uma recomendação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A dívida com o fundo de pensão pode ter um forte impacto no fluxo de caixa da Eletropaulo. Segundo um investidor que pediu anonimato, a companhia deverá gastar em torno de R$ 270 milhões por ano com o fundo dos funcionários até que suas concessões expirem em 2028. A empresa contesta essa versão. O então diretor vice-presidente e de relações com investidores da Eletropaulo, Rinaldo Pecchio Junior (cargo ao qual ele renunciou em junho), diz que essa dívida não afeta a liquidez da companhia, por se tratar de um compromisso de longo prazo, que só deve ser quitado no final da concessão.

Outra preocupação em relação à dívida envolve promessas feitas aos credores. Em meados de 2012, a Eletropaulo assinou um contrato com seus debenturistas com uma cláusula que afirmava que a relação entre a dívida líquida e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) não poderia ultrapassar 3,5 vezes por dois trimestres seguidos. Mesmo com o acordo, logo no último trimestre do ano passado, a empresa já estourou pela primeira vez essa relação, atingindo 4,9 vezes.

Com o risco de descumprir a promessa no primeiro trimestre, a empresa decidiu realizar uma reunião com seus debenturistas visando a reformulação do contrato. Os credores aceitaram elevar a relação dívida líquida/Ebitda para 5,5 vezes no primeiro trimestre, a 3,65 vezes no segundo trimestre; depois disso, voltaria aos 3,5 vezes acordados inicialmente. A empresa tem feito um intenso trabalho de cortes de custos para conseguir gerar mais caixa e voltar a se enquadrar nas metas.

A Eletropaulo, no entanto, enfrenta ainda passivos judiciais que podem afetar a dívida. A disputa se refere à responsabilidade pelo pagamento de um empréstimo contratado em 1986 entre a Eletrobras (ELET3, ELET6) e a Eletropaulo, quando esta última ainda era controlada pelo governo de São Paulo. A Eletrobras já teve ganho de causa na Justiça e receberá uma indenização bilionária. Existe uma dúvida, porém, sobre quem deve pagar a dívida, uma vez que em 1998 houve a cisão da empresa entre Eletropaulo e o que futuramente iria formar a CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista – TRPL4). Se a Justiça determinar que a Eletropaulo deve pagar a conta, o impacto no balanço será próximo a R$ 1,35 bilhão.

Um último fator que complica a situação da Eletropaulo é a alta dos juros, que eleva o custo da dívida. As despesas financeiras devem crescer nos próximos trimestres e abocanhar uma fatia mais elevada da geração de caixa. Com tantos problemas, diversos analistas veem a situação da companhia de forma bastante negativa e projetam muitas dificuldades à frente.

Se não conseguir um alívio da Aneel em relação à revisão tarifária e ainda perder o processo judicial sobre o pagamento da dívida à Eletrobras, fatalmente não haverá condições de cumprir as promessas feitas aos credores. Antonio Junqueira e João Pimentel, analistas do banco BTG Pactual, acreditam que a empresa pode até mesmo ficar com o patrimônio líquido negativo caso perca os dois processos. Já Marcos Severine, Mariana Coelho e Gabriel Laera, do Itaú BBA, consideram a possibilidade de que a empresa precise de um aumento de capital para reduzir a dívida, diluindo os atuais acionistas.

Uma solução há muito tempo vislumbrada pelo mercado é a venda da Eletropaulo para a CPFL Energia (CPFE3), que distribui energia na maior parte do estado de São Paulo. Juntas, as duas empresas poderiam aproveitar sinergias para obter resultados melhores. Na visão da Eletropaulo, entretanto, a situação é bem melhor do que pensam os analistas. “A empresa passa por um momento normal, com liquidez perfeita” e, mesmo com as dívidas e os processos correndo na Justiça, “não há pressões em médio e longo prazo” para a Eletropaulo, diz seu diretor de RI. Falta agora convencer o mercado. 

Ações em queda livre
As ações da Eletropaulo registram a quarta maior queda da Bovespa em 2013 (veja quadro). É interessante notar que, há apenas pouco mais de um ano, os papéis haviam atingido a máxima histórica, chegando a custar R$ 34,09 em março de 2012. Na época, a empresa ainda era vista como uma excelente pagadora de dividendos e apresentava balanços muito bons, como o do quarto trimestre de 2011. Os números superaram a expectativa dos analistas, com um lucro de R$ 686,7 milhões, 121% maior que um ano antes.

Não demorou muito para o humor do mercado virar. Bastou a Aneel colocar em audiência pública a revisão tarifária da Eletropaulo para que as ações começassem a rolar a ladeira. No dia 2 de julho, quando a Aneel divulgou a redução de 9,33% nas tarifas da Eletropaulo, os papéis registraram uma perda diária de mais de 10%, cotados a R$ 22,38. De lá até o fim de 2012, os ativos não pararam de cair e, mesmo com breves ralis, acumularam no ano passado uma desvalorização de 47,37%, a R$ 16,78. Em 2013, as perdas chegam a quase 50%, um dos piores desempenhos da Bovespa.

As maiores baixas da Bovespa em 12 meses:

Ação Cotação* Desempenho**
OGX Petróleo R$ 0,22 -94,98%
MMX Mineração R$ 0,97 -78,20%
Brookfield R$ 1,58 -53,80%
Eletropaulo R$ 8,90 -47,00%
Oi ON R$ 4,21 -46,97%
*Cotação de fechamento dé 10/10/2013
** Acumulado no ano até 10/10/2013 

Essa matéria foi publicada na edição 45 da revista InfoMoney, referente ao bimestre julho/agosto de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.