Viver em Portugal: golpes e burocracia do país europeu dificultam vida de brasileiros

Segunda reportagem de série do InfoMoney mostra o que é preciso fazer para passar longe de fraudes e ter documentos e casa ideal no país europeu

Carla Carvalho

Praça do Comércio em Portugal (Pixabay)

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Diferentemente do Brasil, as locações de imóveis costumam ser feitas entre inquilino e proprietário (ou representante deste) em Portugal, sem a intermediação de uma imobiliária. Esta característica é típica do “jeito português mais descansado de negociar”, diz Vinícius Oliveira, analista de Quality Assurance (QA) que mora com a mulher em Oeiras, região metropolitana de Lisboa.

“Os portugueses fazem muitas negociações na confiança. Já nós, brasileiros, somos mais desconfiados com informalidades e, mesmo assim, muita gente acaba caindo em golpes”, relata o analista, que vive no país europeu há quatro anos. 

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Em alguns casos, os golpes acontecem mesmo antes da procura pela moradia, conforme conta Marleide Barcelos, dona do salão de beleza Espaço Lummi, também em Oeiras.

“Quando precisei encaminhar o meu reagrupamento familiar, cheguei a cair em um golpe. Tive sorte, pois consegui reaver meu dinheiro, mas a maioria das pessoas fica no prejuízo mesmo”, alerta

E há também quem simplesmente não queira alugar para brasileiros, mesmo quando a pessoa se dispõe a antecipar valores bem acima do que o mercado normalmente pede.

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“Mesmo quando já estávamos trabalhando e com todos os documentos emitidos, foi bem difícil alugar um imóvel. Quando reconheciam o nosso sotaque pelo telefone, diziam que o apartamento já estava alugado”, lembra Vinícius, que acabou optando por comprar um imóvel há dois anos. Segundo ele, muitos portugueses reclamam de terem sido vítimas de danos nos imóveis e calotes nos aluguéis por parte de brasileiros.

Os desafios que os brasileiros enfrentam ao chegar em Portugal integram a segunda reportagem de uma série que o InfoMoney publica nesta semana. O primeiro texto abordou os principais custos para se viver em Lisboa. Para esta publicação, três brasileiros que moram na capital e na região metropolitana deram informações sobre os perrengues que vivenciam no país europeu. A partir de seus relatos, a reportagem preparou um guia sobre como detectar fraudes e outras dificuldades em terras portuguesas. Confira:

Golpes se multiplicam e travam busca por lar

Se o anúncio de aluguel está com valores bem abaixo do preço de mercado, desconfie. Para Vinícius, esse deve ser o primeiro sinal de alerta para quem procura moradia em Portugal.

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Outra situação que demanda cautela é quando não se conhece o proprietário do imóvel, e a negociação ocorre totalmente com algum intermediário.“É muito comum o golpista dizer que o proprietário vive em outro país. Daí, eles pedem algum depósito para garantir a reserva do apartamento, alegando que tem mais gente interessada”, explica.

O analista lembra que, logo quando ele e a esposa chegaram em Portugal, a atendente de um hotel contou sobre um golpe semelhante que sofreu. “Isso nos deixou em alerta para possíveis situações que poderíamos encontrar na busca por um imóvel”, diz.

Além dos golpes, existe a dificuldade de alugar um imóvel pelo simples fato de ser brasileiro. Nesse sentido, é comum os proprietários pedirem a declaração do Imposto de Renda (IRS), mas você só terá esse documento depois de fechar um ano de trabalho. Isso aconteceu com Vinícius, quando ele e a esposa alugaram o primeiro apartamento em que moraram antes de comprar um imóvel. 

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“Mesmo comprovando que nós dois tínhamos emprego, precisamos adiantar seis aluguéis para poder ficar com o apartamento. Na ocasião, há quatro anos, o aluguel era de 800 para um apartamento de um quarto, na região de Cascais”, lembra.

Marleide Barcelos também passou por dificuldades semelhantes quando procurou imóvel para alugar. Mesmo com certa vantagem em relação a outros brasileiros (ela tinha uma boa reserva financeira pois havia vendido sua empresa no Brasil), teve algumas negativas. Além de ser brasileira, ainda não tinha o Imposto de Renda, pois precisava abrir o salão de beleza para começar a trabalhar. Além disso, a sua autorização de residência demorou para sair, o que dificultou ainda mais o processo.

“Montei uma pasta com extratos bancários e documentos que mostravam o valor que recebi pela venda da empresa, e levei para Portugal. Eu já tinha até o NISS (identificação da Segurança Social) e o NIF (identificação fiscal do contribuinte), mas como ainda não tinha declarado IRS, foi bastante trabalhoso encontrar um imóvel”.

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Depois de alguns meses, finalmente a empresária encontrou um proprietário mais flexível. Na negociação, teve que pagar 6 mil euros — metade referente à caução, e a outra à antecipação de dois aluguéis.

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Golpe da documentação

Em Portugal, os golpes contra imigrantes não se limitam apenas ao aluguel e atingem não só brasileiros, mas também pessoas de outras nacionalidades que precisam regularizar sua documentação para ficarem em situação regular no país.

Marleide conta que quase perdeu dinheiro tentando conseguir o reagrupamento familiar, pois somente o seu marido tinha visto de residência.

De tempos em tempos, a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) abre vagas para o reagrupamento. Quando isso acontece, milhares de pessoas estão esperando na fila, e o serviço público de Portugal é bastante burocrático e despadronizado. 

A empresária conta que estava há dias tentando um agendamento na AIMA, sem sucesso. Então, uma amiga indicou um profissional que trabalhava com agendamentos no órgão e cobrava 250 euros pelo serviço.

“Esse agendamento é literalmente um e-mail falando a data e o lugar onde você deve levar seus documentos — como passaporte, extrato bancário e comprovante de residência — e explicar o que foi fazer em Portugal. Depois disso é que você consegue ou não a autorização de residência”, explica.

Ela, porém, desconfiou do e-mail recebido, pois “parecia que ele havia montado um xerox no texto”, disse. De fato, tratava-se de um golpe, e Marleide só conseguiu reaver o dinheiro porque um de seus contatos pressionou o golpista. “Ele me ressarciu, mas sei que várias outras pessoas foram lesadas”, disse.

Como evitar fraudes e ter moradia em Portugal?

Leve o máximo de informações 

Larissa Faria, 26, jornalista e mestranda em Turismo, conta que fez uma carta de apresentação bem detalhada para alugar um imóvel. Desde setembro de 2022, ela divide com uma amiga um apartamento de dois quartos na região da Marquês de Pombal, no centro de Lisboa.

“Na carta, expliquei quem sou, o que estudei, o que estou fazendo em Portugal e quais as minhas intenções, e relacionei todos os meus documentos, meu contrato de trabalho e a permissão para morar aqui. Além de brasileira, sou jovem, e isso normalmente causa mais insegurança ao proprietário do imóvel. Então, todos os detalhes pessoais que você fornecer podem facilitar o processo”, afirma.

Pesquise o imóvel em canais legais

Vinícius conta que, no início, ele e a esposa demoraram para confiar no formato “caseiro” das negociações entre os portugueses. E os alertas sobre golpes os deixaram mais desconfiados.

“Quando finalmente alugamos um apartamento, pesquisei o imóvel no Portal das Finanças. Esse órgão tem os dados de todos os cidadãos portugueses, e é onde inclusive se faz o Imposto de Renda. Lá, você consegue pesquisar os dados do proprietário do imóvel e ver se está tudo regular ou se existem pendências que possam comprometer a sua locação”, orienta o analista.

Outro documento que pode ser consultado é a caderneta predial do imóvel, que todos os proprietários possuem.

Informe-se sobre como funcionam os órgãos públicos

O serviço público de Portugal é engessado. Segundo Vinícius, a burocracia consumiu quase toda a força de trabalho pública do país, que não está dando conta nem de renovar as permissões de moradia que estão vencidas.

O analista conta que, logo que foi tirar o NIF, precisou de um responsável fiscal, pois ainda não tinha moradia fixa. “Basicamente, o responsável fiscal é uma pessoa que declara que, se você tiver uma dívida, ela será responsável por isso”, explica. 

Teoricamente, o responsável fiscal precisa ser português, e esse era um problema para ele e sua esposa, no início da jornada, já que não conheciam portugueses que se dispusessem a isso.

No entanto, além de burocrático, o serviço público de Portugal não tem uma padronização, o que ajudou Vinícius em certo sentido.

“Um amigo brasileiro se ofereceu para ser meu responsável fiscal. Fomos a um posto da Seguridade Social e tivemos uma negativa. Como aqui o trabalho dos órgãos públicos não é muito padronizado, decidimos tentar outro posto, no qual um funcionário não fez nenhuma objeção ao fato de ele não ser português. Dessa forma, consegui um responsável fiscal até que viesse a minha permissão de moradia”.

O exemplo vale não só para o responsável fiscal, mas para outros tipos de autorizações ou documentos que se precisa em Portugal. Vale consultar os órgãos em localidades diferentes, pois dependendo de quem atende, alguns são mais rápidos e flexíveis.

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