Divergências no governo Jair Bolsonaro (PL) sobre a fixação de um teto de juros para empréstimos consignados a beneficiários do Auxílio Brasil retardam a regulamentação da operação, apesar de o decreto que regulamenta a modalidade de crédito ter sido assinada há mais de um mês por Bolsonaro e pelo ministro da Cidadania, Ronaldo Vieira Bento.
O assunto tem sido tema de reuniões diárias no Ministério da Cidadania, e a avaliação de técnicos é de que o consignado voltado a uma população tão vulnerável precisa de uma limitação dos juros cobrados pelos bancos. Eles defendem que o limite dos juros seja pelo menos igual ao do INSS (de 2,14% ao mês ou cerca de 26% ao ano). O ministro da Cidadania defende internamente a fixação de um teto de juros.
A criação de um consignado com garantia do Auxílio Brasil é uma medida polêmica, considerada pelos especialistas da área social um estímulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar (veja mais abaixo).
Representantes de entidades jurídicas, de defesa do consumidor e personalidades de diversos setores chegaram a assinar uma nota “Em Defesa da Integridade Econômica da População de Vulneráveis”, pedindo o adiamento do consignado.
A liberação dos empréstimos ainda depende de regulamentação de normas complementares do Ministério da Cidadania, que ainda não foram publicadas. Mas, apesar de ainda não poder ser oferecido, o crédito consignado do Auxílio Brasil já vem sendo anunciado por algumas instituições — entre elas Agibank, Banco Pan (BPAN4) e a varejista Pernambucanas, pelo seu braço de serviços financeiros.
Será possível comprometer até 40% do Auxílio para obter um empréstimo, e depois o valor das parcelas será descontado antes de a pessoa receber o benefício. Diante do risco da operação, instituições que estão anunciando a modalidade de crédito querem cobrar taxas mais altas, de até 86% ao ano caso não haja um limite.
Impasse desde março
Segundo a diretora institucional da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho houve um debate no Conselho Nacional de Assistência Social sobre o consignado do Auxílio Brasil na terça-feira (13). “Pedimos que o Ministério da Cidadania fosse chamado. Eles vão dando esperanças para os beneficiários. As agências bancárias estão pré-cadastrando e não ativam o empréstimo”.
Carvalho diz que a situação é muito grave, porque gera esperança na população desde março. “As famílias estão endividadas e com dificuldade de manter o mais básico. Muitas famílias vão se endividar mais para poder pagar as contas básicas de casa”.
Uso eleitoral?
A diretora avalia que o atraso é uma estratégia eleitoral da campanha à reeleição do presidente e diz que os empréstimos devem sair mais próximo do período entre o primeiro turno e o segundo turno, quando as pessoas estarão recebendo o dinheiro.
Ao contrário do que ocorreu em agosto, quando o Auxílio Brasil de R$ 600 começou a ser pago no dia 9, o Ministério da Cidadania não vai antecipar pagamento em setembro (e o cronograma começa no dia 19). Mas em outubro, mês das eleições, o governo quer de novo antecipar o cronograma de pagamento. A ideia do governo é transferir o calendário de pagamento para a primeira quinzena do mês.
Grandes bancos fora
Os bancos já têm uma lista com um pré-cadastro dos interessados, mas grandes instituições resolveram ficar de fora do consignado do Auxílio Brasil. O presidente do Bradesco (BBDC4), Octavio de Lazari Junior, disse em agosto que essa linha de crédito tem maior risco porque o benefício é transitório.
“Nós entendemos que é melhor não operar essa linha”, disse Lazari. “Entendemos que essas pessoas terão mais dificuldade quando esse benefício cessar”.
(Com Estadão Conteúdo)