Surpresa com BCE, volta do gás russo e turbulência política na Itália: como foi o dia movimentado na Europa?

Mercado do Velho continente conseguiu passar com relativa tranquilidade pela sequência de acontecimentos, mas riscos seguem no radar

Lara Rizério Vitor Azevedo

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Inflação atingindo recordes históricos e levando o Banco Central Europeu (BCE) a um dilema, ameaças no mercado de energia em meio à apreensão com Nord Stream 1, crise política na Itália. A semana foi de bastante apreensão para a Europa com importantes acontecimentos e decisões de política monetária, com implicações globais.

A avaliação dos analistas de mercado é de que a Europa conseguiu passar relativamente bem pelos principais eventos de uma semana cheia de acontecimentos cruciais, ainda que com um maior abalo em alguns mercados específicos.

Nesta quinta-feira (21), dia repleto de acontecimentos por lá, as bolsas fecharam sem direção definida, com Frankfurt em queda de 0,27%; Londres subindo 0,21%; Paris em alta de 0,27% e Itália em queda de 0,71%. O euro chegou a subir forte ante o dólar, mas passou a operar perto da estabilidade durante a tarde. Contudo, as incertezas seguem no radar.

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Na manhã desta quinta, após muitas especulações, o BCE não somente elevou a sua taxa de juros pela primeira vez desde 2011, como também surpreendeu parte do mercado ao elevar em 0,5 ponto, numa tentativa de conter a disparada da inflação na zona do euro.

O BCE elevou sua taxa de refinanciamento de 0% para 0,50%, a de depósitos de -0,50% para 0% e a de empréstimos de 0,25% a 0,75%. A maior parte dos analistas previa ajuste de 25 pontos-base, mas não descartava possibilidade de uma elevação mais agressiva.

Em junho, a taxa anual de inflação ao consumidor da zona do euro atingiu o nível recorde de 8,6%, ainda impulsionada pelos efeitos da guerra da Rússia na Ucrânia.

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No comunicado sobre a decisão de subir juros em 50 pontos-base, o BCE indicou que novos aumentos ocorrerão nas próximas reuniões, com objetivo de acelerar o retorno da inflação na zona do euro à meta de 2%.

A autoridade monetária havia sinalizado que aumentaria as taxas em 25 pontos-base neste último encontro. No entanto, a instituição disse ter optado por uma elevação mais agressiva por conta dos riscos inflacionários e do estabelecimento do Instrumento de Proteção de Transmissão (TPI, na sigla em inglês), para conter a divergência nos custos de empréstimos do bloco.

Segundo o BCE, o ajuste mais contundente logo no início do ciclo de aperto permitirá que o banco central faça transição posterior a um modelo de decisão por cada reunião. “No contexto da normalização da sua política, o Conselho do BCE avaliará as opções para remunerar os excessos de liquidez”, diz.

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A decisão surpreendeu boa parte do mercado mas, na avaliação de Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, foi correta, “diante de todo o ambiente geopolítico caótico e risco de desaceleração mais forte no fim do ano”, avalia.

“O BCE está bem atrasado e com inflação bem alta, melhor começar a apertar agora que a atividade não dá tantos sinais de desaceleração e o mercado está bem aquecido do que no fim do ano, com o inverno europeu, em que haverá uma pressão maior dos países para não subir juros”, avalia o especialista.

Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch, destacou a reação até “tranquila” do mercado com a decisão, em uma semana em que houve uma preocupação particular com a Europa. Depois da decisão do BCE, as atenções se concentraram principalmente para as declarações de Christine Lagarde, presidente da autoridade monetária, e para os mecanismos a serem utilizados para o controle da diferença de pagamento de juros de títulos entre os diferentes países do bloco.

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Na coletiva pós-reunião, ela reiterou que o TPI será utilizado para conter dinâmicas de mercado desordenadas e indesejadas. O programa, foi aprovado de maneira unânime, segundo Lagarde. “Avaliamos que o estabelecimento do TPI é necessário para apoiar a transmissão efetiva da política monetária”, disse.

A presidente do Banco Central Europeu explicou que todos os países da zona do euro estarão elegíveis a utilizar a ferramenta, mas terão que seguir regras fiscais da União Europeia e ter trajetória de dívida sustentável.

A pressão sobre o BCE ganhou contornos ainda mais dramáticos às vésperas da decisão com a segunda renúncia do premiê da Itália, Mario Draghi, em uma semana, mas dessa vez de forma definitiva, aumentando ainda mais a turbulência política no país. Posteriormente, o presidente da Itália, Sergio Mattarella, assinou decreto que dissolve o Parlamento e convocou eleições antecipadas para 25 de setembro.

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“Este é um evento de crédito negativo para uma Itália fiscalmente fraca, dependente de um uso eficiente dos fundos da União Europeia”, apontou análise do banco suíço Julius Baer antes da decisão do BCE.

Durante a manhã, apontou o banco, a diferença entre os rendimentos dos títulos da Itália e da Alemanha com vencimento em 10 anos subiu novamente acima de 200 pontos-base, o que, na visão da instituição, complicaria a situação para o BCE, em meio a indicações de que a ativação da ferramenta TPI não seria justificada no caso de um alargamento do spread puramente por motivos políticos e domésticos.

Contudo, em rápido comentário sobre as falas de Lagarde sobre o TPI, o JPMorgan destacou que o programa trouxe indicações mais robustas sobre as condições para ativar o mecanismo e mantendo o BCE mais afastado de questões políticas.

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A Reuters, durante a tarde, informou, citando fontes, que as autoridades do BCE não discutiram a turbulência do mercado de títulos na Itália na reunião desta quinta e não esperam usar seu esquema de compra de títulos recém-anunciado em breve, pois as condições não o justificam.

Com esse cenário, enquanto as bolsas no geral fecharam sem grandes oscilações, o mercado de títulos, principalmente o italiano, ficou mais abalado. Apesar das indicações de Lagarde, economistas esperam por ainda mais definições sobre o programa por parte do BCE.

Os rendimentos dos títulos de dez anos da Itália subiram para um pico de um mês em 3,75% antes de recuarem para cerca de 3,60% ao fim das negociações –ainda em alta de cerca de 12 pontos-base no dia. O spread observado sobre os rendimentos dos títulos alemães estava em torno de 230 pontos-base, depois de se aproximar da área de 252 pontos-base alcançada pouco antes da reunião de emergência do BCE em junho.

Nord Stream voltou: motivos para alívio?

Um desdobramento positivo para a Europa foi o fato do fluxo de gás do gasoduto Nord Stream 1 ter sido retomado a níveis semelhantes ao período de pré-manutenção, contrariando as sugestões de que os fluxos poderiam ser interrompidos após a parada para manutenção no último dia 11.

Contudo, os principais líderes da Europa seguem cautelosos. Mesmo antes dessa parada, os fluxos haviam sido cortados a 40% da capacidade do gasoduto em uma disputa provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Os fluxos de quinta-feira voltaram ao nível de capacidade de 40%, mostraram os números do Nord Stream.

Lagarde, durante a coletiva pós-decisão do BCE, ponderou que a atividade econômica está desacelerando, diante do conflito Ucrânia-Rússia. Segundo ela, o BCE seguirá atento aos desdobramentos sobre o fornecimento de energia russa à Europa.

As interrupções desde o dia 11 no fornecimento prejudicaram os esforços europeus para reabastecer o armazenamento de gás para o inverno, aumentando o risco de racionamento, além de representar outro golpe para o frágil crescimento econômico se Moscou limitar ainda mais os fluxos em retaliação às sanções ocidentais pela guerra na Ucrânia.

Uma restrição total elevaria os preços de energia e contribuiria para pressionar ainda mais a inflação, mas o mercado de gás segue apertado e deve limitar a atividade econômica na Europa. Antes do desligamento de Nord Stream 1, o Goldman Sachs havia destacado o cenário-base de retomada de 40% do fluxo para o Continente, mas já revisando as suas projeções de PIB para baixo e de inflação para cima. 

Neste cenário, olhando para as próximas decisões de juros, Christine Lagarde também afirmou que o “forward guidance” (prescrição futura de juros) estabelecido anteriormente para a reunião de setembro não é mais válido e que a decisão dependerá dos próximos indicadores macroeconômicos.

Na coletiva de imprensa, Lagarde ressaltou que os riscos às perspectivas inflacionárias apontam para cima, especialmente no curto prazo. Para ela, medidas fiscais temporárias e focalizadas devem apoiar o consumo diante de altos preços de energia.

Para diminuir a dependência da energia russa, a Comissão Europeia divulgou na véspera um plano que busca reduzir o consumo de gás em 15% na União Europeia até março do ano que vem.

Se aprovada, a meta seria voluntária, mas a regulação incluiria um dispositivo que pode tornar as ações compulsórias, caso haja um severo corte no abastecimento. A Comissão Europeia afirma que um corte de energia pela Rússia levaria a uma redução de 0,6-1,5% no PIB, enquanto os esforços iniciais de mitigação poderiam reduzir o impacto para a União Europeia de 0,4-0,6%.

A Europa conseguiu passar com relativa tranquilidade por um dia repleto de acontecimentos importantes, mas os fatores de risco seguem no radar – e devem seguir trazendo impactos no curto prazo para os mercados por lá.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.