Nord Stream 1 fecha para manutenção e eleva temor na Europa: e se a Rússia não religar o gasoduto?

Cenário-base é de que Rússia religará a operação após parada de manutenção; contudo, ambiente ainda não é tranquilizador para a região

Lara Rizério

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A partir desta segunda-feira (11) e até o dia 21 de julho, a Rússia fecha para manutenção anual o gasoduto Nord Stream 1 – a maior infraestrutura de importação de gás da União Europeia. Apesar de ser uma parada programada, a obra causa temores de mais interrupções no fornecimento de gás que prejudicariam os esforços do bloco europeu para se preparar para o inverno, em um contexto de retaliações em meio às sanções por conta da guerra na Ucrânia.

Apesar de não ser visto como o cenário-base, alguns temem que o Kremlin possa usar obras de manutenção planejadas para fechar as torneiras para sempre, conforme foi destacado em episódio recente do podcast Stock Pickers (veja no vídeo abaixo).

As atividades de manutenção de verão da operação, que vai do Mar Báltico da Rússia à Alemanha, ocorre num momento em que os governos europeus lutam para encher o armazenamento subterrâneo com gás natural, em um esforço para fornecer às famílias combustível suficiente para manter as luzes acesas e as casas aquecidas durante o inverno.

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A União Europeia, que recebe cerca de 40% de seu gás através de gasodutos russos, está tentando reduzir rapidamente sua dependência de hidrocarbonetos russos em resposta ao ataque de meses do presidente Vladimir Putin na Ucrânia.

Para a Eurasia Group, maior consultoria de riscos políticos do mundo, um corte total de gás para 2022 é improvável e contraria a narrativa de Moscou de continuar o fornecimento. Porém, os riscos seguem no radar.

À CNBC, Henning Gloystein, diretor de energia, clima e recursos da Eurasia Group, disse que, se o abastecimento “não voltar após a manutenção porque o presidente russo Vladimir Putin quer atingir a Europa, então o plano de armazenar gás até o final do verão provavelmente não funcionará”.

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Uma das principais preocupações dos formuladores de políticas da União Europeia (UE) e do setor de energia de forma mais ampla é que eles “praticamente não têm ideia do que vai acontecer”, porque a maioria das comunicações com a Gazprom (empresa de gás russa proprietária do gasoduto) agora está interrompida, disse Gloystein.

Os fluxos de gasodutos da Rússia para a Europa estiveram em foco nas últimas semanas. A Rússia reduziu seus fluxos de gás para a Europa em cerca de 60%, e ainda não se sabe quando ou se os fluxos de gás Nord Stream 1 retornarão aos níveis normais. A Gazprom citou, além de sanções, o atraso no retorno de equipamentos atendidos pela Siemens Energy por seus fluxos reduzidos através do gasoduto.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou anteriormente que a Rússia está pronta para fornecer gás à Europa, descrevendo a situação como uma “crise causada pelo homem” (e pela Europa).

Cenário já é negativo

O Goldman Sachs destacou que esta queda do fluxo – uma redução acentuada em relação ao início de junho e abaixo da expectativa do banco de 65% da capacidade antes da parada para manutenção – leva a uma perspectiva ainda mais negativa para a atividade econômica do continente europeu e a uma elevação das expectativas de inflação.

De acordo com a previsão da equipe de commodities do Goldman, em seu cenário-base, agora se espera que os fluxos de gás através do Nord Stream 1 (NS1) permaneçam moderados em 40% da capacidade após o período de manutenção de julho. Portanto, são esperados preços mais altos do gás no futuro e que a demanda industrial por gás caia ainda mais.

“Assim, rebaixamos ainda mais nossas projeções de crescimento [para a zona do euro] para os próximos trimestres e agora projetamos um crescimento não anualizado de apenas 0,1% (versus 0,2% anteriormente) para o terceiro trimestre e de 0,0% (versus 0,3% anteriormente) para o quarto trimestre”, apontam os economistas do Goldman.

Isso reduz a previsão de crescimento em toda a área notavelmente abaixo das expectativas de consenso (que permanecem em 0,5% para o terceiro e quarto trimestres) e reduz a projeção de crescimento para 2023 para 1,1%, contra as expectativas de consenso de 1,9%.

“Desta forma, vemos a zona do euro à beira da recessão no segundo semestre e esperamos uma recessão técnica na Alemanha e na Itália. Também atualizamos nossas projeções de inflação da área do euro para um pico de 10,3% em setembro e média de 8,4% e 5,1% em 2022 e 2023, respectivamente”, avalia o Goldman.

Para os economistas do banco americano, embora uma eventual normalização dos fluxos de gás implique em um crescimento mais alto e uma inflação mais baixa do que sua projeção no cenário-base, os riscos permanecem enviesados ​​para o lado negativo.

“Em particular, estimamos que a zona do euro seria empurrada para uma recessão clara caso os fluxos de gás através do NS1 parem completamente, com um declínio no nível do PIB real de 1,2% a 2,7% no primeiro trimestre, dependendo dos efeitos negativos na confiança do consumidor. Nossa análise sugere que a contração nesse cenário seria particularmente grande na Alemanha (1,7%–3,2%) e na Itália (2,6%–4,1%), devido à forte dependência do gás russo”, avalia a equipe do Goldman.

“A Alemanha se tornou um ponto de atenção para toda a União Europeia”, disse Gloystein, da Eurasia, à CNBC. “A Alemanha é o país com a maior população da Europa, é a maior economia da região, é o maior consumidor de gás, é o maior importador do gás russo e tem nove fronteiras terrestres. Então, o que quer que aconteça na Alemanha se espalha para o resto da Europa.”

Já na Itália, o segundo maior comprador de gás russo da UE, o governo disse no final de junho que estava emprestando à estatal Gestore dei Servizi Energetici 4 bilhões de euros (US$ 4,2 bilhões) para comprar gás para aumentar os estoques.

Alemanha, Itália, Áustria e Holanda também indicaram que usinas a carvão poderiam ser usadas para compensar um corte no fornecimento de gás russo. “Na verdade, é por isso que achamos que a Rússia voltará a fornecer o gás após as paradas”, disse Gloystein. “Eles querem seguir com uma moeda de troca caso os europeus apertem ainda mais as sanções, tendo ainda poder de retaliação.”

Embora o fim dos fluxos de gás russos possa elevar ainda mais a inflação, o impacto ainda é visto como incerto pelos economistas do Goldman, dada uma série de possíveis resultados em torno do repasse dos preços do gás no atacado para os preços no varejo.

Já do ponto de vista da política fiscal, a projeção do Goldman é de mais medidas para amortecer o impacto na renda disponível e apoiar as empresas, especialmente no cenário mais negativo.” Esperamos que o apoio às famílias se concentre mais em transferências do que em mais intervenções de preços, de forma a manter pelo menos algum sinal de escassez por meio de preços altos”.

A projeção do Goldman é de que os integrantes do Banco Central Europeu (BCE) tenham em mente o cenário de interrupções moderadas de gás que pesam no crescimento, mas também no aumento da inflação no segundo semestre. A previsão do banco é de alta da taxa de juros pela autoridade monetária europeia de 25 pontos-base em julho, 50 pontos-base em setembro e outubro, e 25 pontos-base em dezembro.

“Mas agora vemos mais incertezas para o caminho da política monetária”, apontam. Os economistas do banco veem que deve ser difícil que o BCE não suba os juros em julho e setembro mesmo se houver uma parada total dos fluxos de gás, mas aponta que os formulares de política monetária procurariam um ritmo mais lento de altas ou uma taxa terminal mais baixa em caso de um forte golpe na confiança do consumidor.

Assim, o cenário-base é de que não haja uma interrupção total dos fluxos de gás após o período de manutenção do Nord Stream 1, mas nem de longe isso aponta para um cenário tranquilizador para a Europa.

Thomas Rodgers, analista de gás europeu da consultoria de energia ICIS, disse à CNBC não esperar que os fluxos fossem completamente cortados – e lembrou de outros trabalhos de manutenção que foram concluídos no prazo. “Atualmente, não vemos nenhuma solução para os supostos problemas do compressor que empurraram os fluxos do NS1 para esse nível baixo, mas não esperamos uma interrupção completa após a conclusão desse trabalho”, disse ele à CNBC.

“O trabalho recente no gasoduto Turkstream que leva gás russo para o sudeste da Europa através do Mar Negro e da Turquia foi concluído recentemente dentro do cronograma e sem mais interrupções”, avaliou.

Contudo, dado o noticiário recente, há uma grande expectativa para o que vai acontecer no dia 22 de julho, data quando os fluxos de gás do Nord Stream 1 devem ser retomados. Jim Reid, estrategista do Deutsche Bank, inclusive questionou se este não deve ser o dia mais importante do ano para a Europa e para o resto do mundo, apontando que “este deve ser um grande ponto focal para todos nos mercados.”

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.