Racionamento pode favorecer candidato de centro? Grandes bancos passam a olhar para eleição e já começam a traçar cenários

Pleito do próximo ano vem ganhando importância nas discussões de grandes investidores e instituições financeiras; expectativa é de "ansiedade" no mercado

Lara Rizério

(NatanaelGinting/Getty Images)

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SÃO PAULO – Se já não bastasse o cenário externo mais volátil, em meio à crise da Evergrande, de energia na China e com os sinais de redução de estímulos pelo Federal Reserve, um outro ponto ganha mais espaço entre os fatores de risco para a Bolsa brasileira: a proximidade das eleições de 2022 no país.

A disputa eleitoral do próximo ano passou assim a ganhar força na pauta de conversas e levantamentos de alguns grandes bancos e casas de análise com investidores institucionais, entre outros temas de interesse sobre o mercado de ações brasileiro.

O Morgan Stanley aponta que, após discussões com 32 clientes durante visita recente ao Brasil e depois da conferência em Londres, alguns pontos foram de destaque sobre o país, como 1) o cenário de crescimento doméstico, 2) risco de racionamento de energia, 3) valuation e 4) eleição presidencial de 2022.

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Guilherme Paiva, Juan Ayala, Julia Nogueira, estrategistas do Morgan, destacam que estão mais cautelosos com o cenário para as ações locais no curto prazo, baseados nos riscos negativos para a atividade doméstica em 2022. Isso a partir de um prolongado ciclo de aperto monetário, pressões inflacionárias persistentes – que diminuíram o poder de compra da classe média e baixa – além do alto desemprego. O racionamento de eletricidade também é um risco (vendo um risco de hidrologia maior que o consenso).

Recentemente, cabe ressaltar, o Morgan elevou as suas projeções para a inflação medida pelo IPCA em 2021 (de 7,8% para 8,6%) e para 2022 (de 4% para 4,4%).

Os economistas do banco ainda revisaram para baixo a projeção para a economia. “O crescimento do PIB deve enfraquecer materialmente em 2022, pois esperamos que o consumo diminua como resultado da erosão do poder de compra em meio a níveis de endividamento, enquanto a formação bruta de capital fixo deve experimentar os efeitos negativos do aumento do risco fiscal e político em um contexto de uma política de aperto monetário”. Assim, revisaram a projeção para o PIB de 2021 de alta de 5,5% para 5,2% e para 2022 de 2,5% para 1,2%.

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Os estrategistas destacam que as ações brasileiras atualmente são negociadas a um múltiplo de 7,6 vezes o preço sobre o lucro futuro e a um prêmio de risco implícito de 8,2% – ambos mostrando números mais baixos do que as suas médias históricas de 10 anos (ou seja, mostrando uma Bolsa mais barata, a rigor). Contudo, essas medidas de valuation atrativas estão ancoradas em estimativas de lucro futuras do consenso, que estão sujeitas a revisões para baixo, na avaliação dos estrategistas.

Eles apontam que a maioria dos investidores concorda que fatores macro e políticos domésticos devem desempenhar um papel mais importante nas perspectivas de crescimento para 2022 do que até mesmo a evolução da pandemia Covid-19, que continua a desacelerar constantemente nos últimos três meses.

Já sobre o racionamento, os estrategistas do Morgan apontam que os investidores locais estão menos preocupados em relação aos estrangeiros.

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“O cenário atual sugere que o racionamento de energia não deve ser necessário em 2021. No entanto, analistas do setor acreditam que apagões (ou seja, incapacidade de atender à demanda de pico durante o dia) são uma possibilidade no quarto trimestre porque os níveis dos reservatórios hidrelétricos devem atingir seu nível mais baixo em novembro, pouco antes do início do período chuvoso sazonal de dezembro a março”, destacam.

Eleições presidenciais: pode haver uma surpresa?

O Morgan destaca que houve muito debate entre os investidores sobre a eleição presidencial do Brasil no ano que vem, apontando que a discussão eleitoral começou cedo e provavelmente será um fator chave para os ativos brasileiros de agora em diante. A maioria dos clientes vê riscos crescentes de deterioração fiscal e incerteza da política macro como resultado do ciclo eleitoral.

O cenário base é a continuação da polarização entre o presidente Jair Bolsonaro na direita do espectro político e o ex-presidente Lula na esquerda. No entanto, alguns clientes do banco ainda veem a possibilidade de um candidato do centro do espectro político emergir no início de 2022 e concorrer à corrida presidencial.

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“Acreditamos que, paradoxalmente, o racionamento de eletricidade pode ser um fator positivo para os ativos brasileiros no médio e longo prazo (um a cinco anos)”, avalia o Morgan.

Para os estrategistas, na ausência de racionamento de eletricidade, o status quo deve levar à eleição de um candidato presidencial de um lado extremo do espectro político, com capital político limitado e políticas macroeconômicas incertas. “O resultado provavelmente seria uma ausência de reformas estruturais que aumentem a produtividade e uma pressão adicional de gastos fiscais durante o período entre 2023-2026”, avaliam.

Alternativamente, se houver racionamento de eletricidade, a popularidade do governo atual deve enfraquecer ainda mais (em 2001, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso perdeu 12 pontos de aprovação, lembram os estrategistas), o que aumentaria a probabilidade de uma candidatura presidencial bem-sucedida por um candidato do centro do espectro político, avaliam.

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“Um candidato do centro político – se conseguir passar para um provável segundo turno – poderia ganhar tendo mais capital político e provavelmente com políticas macroeconômicas ortodoxas mais claras. O resultado levaria a um novo conjunto de reformas estruturais que aumentam a produtividade e a menos pressão sobre os gastos fiscais durante o período 2023-2026”, apontam.

Cenário político cada vez mais no radar

Além do Morgan, recentemente outras casas de análise destacaram uma maior preocupação de investidores com a eleição presidencial.

Em publicação de meados de setembro, o Bank of America ressaltou em pesquisa com gestores que as eleições são o segundo maior risco, ficando atrás apenas do temor com o descontrole fiscal.

Cabe destacar que, apesar de relativamente endereçada na última semana, a questão fiscal, tendo em particular o efeito da despesa com precatórios na sustentação do teto de gastos, afetaram o desempenho do Ibovespa e dos mercados brasileiros em setembro.

De acordo com o levantamento do BofA, apenas 16% dos gestores esperavam que o Ibovespa voltasse a ficar acima de 130 mil pontos no fim de 2021. Em agosto, 49% dos gestores acreditavam na recuperação da bolsa até esse patamar, máxima histórica registrada em 7 de junho deste ano.

Também para os gestores, a pandemia  já não é mais o principal fator de preocupação do mercado, sendo que agora a política na América Latina é apontada como principal fator de risco para 61% dos consultados.

Já levantamento feito pela XP na semana passada em que consultou 77 investidores institucionais, além de considerações sobre o Ibovespa, câmbio e outros indicadores de mercado, também perguntou sobre o cenário eleitoral para o ano que vem.

Na avaliação dos gestores consultados pela casa, o ex-presidente Lula (PT) possui 46% de possibilidade de vencer as eleições presidenciais de 2022, enquanto Jair Bolsonaro (sem partido) tem 32%. Um terceiro candidato, por sua vez, teria 19% de chance, de acordo com o levantamento.

Com 64% dos votos, os investidores institucionais passaram a ver Eduardo Leite (PSDB) como o terceiro nome com mais chance de vencer Lula e Bolsonaro. O número representa um aumento em relação aos 45% da pesquisa de agosto. Na sequência, aparece João Doria (PSDB), com 14% dos votos (em linha com os 12% registrados anteriormente), e o ex-juiz Sergio Moro, com 4% – abaixo dos 20% de agosto.

Já em relatório da primeira quinzena de setembro, o UBS BB traçou um cenário preliminar sobre as eleições de 2022 e o seu possível impacto nos mercados. Fabio Ramos e Alexandre de Azara, economistas do banco, apostaram como mais provável um segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O cenário para eles é de uma maior ansiedade do mercado daqui para frente, provavelmente devido ao aumento dos riscos fiscais. “A estrutura a termo [da curva de juros] mostra que as expectativas de inflação estão em alta para o longo prazo. Atribuímos isso aos riscos fiscais potenciais associados às incertezas eleitorais”, ressaltaram os economistas. Isso porque não está claro como os principais candidatos lidariam com a alta dívida pública e as regras fiscais (principalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Teto de Gastos)”, avaliaram na ocasião.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.