Bolsonaro em pé de guerra com o Congresso: atos pró-governo preocupam especialistas

Manifestações marcadas para domingo dividem a própria base do governo. Atos podem aprofundar choque entre os Poderes

Marcos Mortari

O presidente da República, Jair Bolsonaro (Crédito: Fotos Públicas)

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SÃO PAULO – Após a semana de maior turbulência de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) adotou, na última segunda-feira (20), discurso errático com relação ao parlamento, com críticas aos políticos e “grupos corporativistas” e um tom conciliador com os congressistas ao falar sobre a reforma da Previdência. O comportamento é monitorado com atenção pelos agentes econômicos, à luz dos atos convocados por apoiadores do pesselista para o próximo domingo (26).

Os próximos dias serão decisivos para Bolsonaro no Congresso Nacional. De um lado, nove medidas provisórias correm o risco de caducar, dentre elas o texto que permite 100% de capital estrangeiro em empresas de aviação (MP 863/2018), a proposta que trata do marco regulatório do saneamento (MP 868/2018) e a mais simbólica delas, a que reorganiza a estrutura administrativa do Poder Executivo (MP 870/2019). Também está ameaçada a medida que tem por objetivo reduzir fraudes na aposentadoria rural (MP 871/2019).

Do outro lado, as movimentações do parlamento por maior autonomia em relação ao governo também podem dar indicações sobre o futuro das deterioradas relações entre os Poderes. No auge do tensionamento, o termo “impeachment” começou precocemente a ganhar mais espaço nas rodas de conversa em Brasília. O desfecho, por ora, ainda é considerado improvável por analistas políticos, mas um ganho de protagonismo do Legislativo e uma espécie de “semipresidencialismo” ou “parlamentarismo branco” já começa a ser discutido.

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Apesar das incertezas políticas que envolvem o governo, investidores têm observado um cenário mais favorável para a aprovação de reformas econômicas, como a reforma previdenciária. “Acreditamos que o governo será capaz de aprovar a reforma”, disse a gestora SPX, em sua carta mensal. “Não por mérito próprio, mas porque boa parte dos congressistas sabe que sem a reforma o país caminharia para uma crise fiscal permanente”, segundo a gestora. No ganho de protagonismo recente, o parlamento também tem avançado, por iniciativa própria, com a agenda de reforma tributária.

A despeito das avaliações otimistas, as articulações em torno das manifestações a favor do governo no domingo seguem chamando atenção. O movimento de empresários Brasil 200, que possui agenda pró-governo, por exemplo, não vai apoiar os protestos por discordar de parte da pauta, que passa por ataques ao Congresso e ao STF. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o grupo entende que é um erro jogar a população contra o Congresso e descredibilizar a política.

Possíveis desdobramentos

O clima de hostilidade entre governo e parlamento aponta para um quadro preocupante ao mercado. “A consequência do não relacionamento com o Congresso é o crescente desejo dos parlamentares de atuar de forma independente da agenda do governo. Partem do princípio de que o Legislativo é tão Poder e tão eleito quanto o Poder Executivo e que têm competências e atribuições que podem ser usadas na formulação de políticas públicas”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.

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Para os especialistas, as expectativas são de que os próximos meses marquem uma afirmação do parlamento frente ao governo, com a aprovação de temas próprios, além de obstrução a pautas de interesse do Palácio do Planalto. O quadro pode se agravar com a insistência nas manifestações pró-governo marcadas para o próximo domingo. O tema tem dividido movimentos de direita.

“O recurso ao apelo às manifestações para pressionar o Congresso foi usado por João Goulart, presidente deposto em 1964. Não funcionou. Assim como não funcionou a tentativa de Jânio Quadros. Bolsonaro corre o risco de as manifestações não terem a dimensão esperada e, caso contrário, acirrar os ânimos com o Congresso que já estaria em rota de colisão com o Executivo”, completam os analistas da Arko Advice.

Na avaliação da consultoria, há três cenários possíveis com as manifestações. O pior deles seria o de uma “guerra institucional”, em que os parlamentares trabalhariam para ampliar sua autonomia, em uma espécie de “parlamentarismo branco”. Neste caso, discute-se até mesmo a limitação da quantidade de Medidas Provisórias que o governo pode editar por ano. O segundo cenário seria de avanço truncado das propostas de interesse do governo. O terceiro seria de armistício entre Bolsonaro e o Congresso, improvável no curto prazo.

Avaliação similar tem o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. Para ele, a rápida dissolução do capital político do governo suscita preocupações quanto aos próximos três anos e meio. “Já se especula sobre a possibilidade de Bolsonaro não completar o primeiro mandato. É uma possibilidade, por enquanto, tão efêmera que nem pode ser levada em conta para a construção de cenários políticos e econômicos. Contudo, um cenário de paralisia decisória é palpável”, afirma.

Conforme pontua o especialista, a espécie de “parlamentarismo branco” que se desenha no horizonte brasileiro não é comum na realidade política do país e implica riscos.

“Esse precário arranjo pode ruir se o ambiente político e econômico, cada vez mais desafiador para o governo, acirrar o lado belicoso do grupo que está no poder. Se a guerra de trincheira de Bolsonaro e seus seguidores mais entusiastas contra o establishment se transformar em conflito aberto nas redes sociais e nas ruas, a precária governabilidade provavelmente irá desandar. É difícil saber o que viria em seguida”, avalia.

O conjunto de riscos implícitos especificamente nos atos marcados para o próximo domingo tem provocado divergências na própria base do governo. Contrária às manifestações, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) acusou os colegas de irresponsabilidade e falta de conexão com a realidade. A parlamentar ameaçou deixar o partido.

A convocação para os atos do próximo domingo começou na sexta-feira, dia em que Bolsonaro espalhou pela redes sociais um texto que diz que o Brasil é ingovernável sem conchavos. Movimentos mais estruturados, como MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem pra Rua têm mantido distância dos atos por criticarem o radicalismo da pauta, que inclui o fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal).

Para tentar ampliar a adesão, organizadores tentam se afastar dos pontos mais polêmicos e centrar os atos no “centrão”, apontado pelo grupo como responsável por paralisar o governo Bolsonaro.

“O que era para ser uma demonstração de potencial de mobilização popular está se transformando em um teste no qual o presidente pode falhar”, pontua a equipe de análise política da XP Investimentos.

As movimentações em torno dos atos são monitorados de perto pelos agentes econômicos.

“O mercado (e a sociedade) está com dúvida sobre as consequências destas manifestações, que poderão ter muitas pessoas ou não (que é nosso cenário base). Manifestações muito fortes a favor do presidente podem atrapalhar o andamento das reformas que agora terão as ‘digitais’ do Congresso. Manifestações fracas deixarão Bolsonaro mais isolado”, avalia José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos.

(com Bloomberg)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.