Os setores da Bolsa que podem se beneficiar com a melhora da economia brasileira

Previsões apontam para PIB mais alto que o esperado, aumentando a preferência por ações de setores domésticos

Mitchel Diniz

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O último dia 1 de setembro marcou uma guinada no sentimento do mercado financeiro sobre a economia brasileira. Nessa data, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o Produto Interno Bruto (PIB) do país tinha avançado 1,2% no segundo trimestre do ano, comparando com os três primeiros meses de 2022. Além de ter vindo acima do esperado, o número representou o quarto crescimento trimestral consecutivo da economia brasileira. No primeiro semestre, o PIB avançou 2,5% em relação ao mesmo período do ano passado e ficou 3% acima do patamar pré-pandemia.

Não demorou muito para que os bancos e casas de análises revisassem para cima suas projeções de crescimento da economia, tanto para 2022 quanto para o ano que vem. No relatório Focus do Banco Central, os economistas têm, a cada semana, aumentado suas apostas para o PIB em ambos os períodos. No boletim da última segunda-feira (12), a projeção de alta do PIB para 2022 subiu de 2,26% para 2,39% e de 0,47% para 0,50% em 2023.

Desde que o desempenho da economia brasileira no segundo trimestre foi divulgado, o Ibovespa acumula alta de cerca de 3,5% até a véspera. Mas isso não quer dizer que o índice, necessariamente, respondeu à melhora nas expectativas para o PIB. Os papéis de maior peso da Bolsa, como Petrobras (PETR3;PETR4) e Vale (VALE3) são de segmentos com alta exposição ao setor externo, que não se saiu tão bem na foto. De acordo com o dado do IBGE, as exportações brasileiras recuaram 2,5% entre abril e junho deste ano, na comparação trimestral. A guerra na Ucrânia e restrições chinesas, com lockdowns para conter os casos de Covid-19, impactaram o desempenho.

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Já as atividades que mais surpreenderam positivamente no cálculo do PIB do segundo trimestre têm pouca ou nenhuma representatividade na Bolsa brasileira. O crescimento do consumo das famílias está diretamente relacionado a uma demanda por serviços, setor que cresceu 1,3% no período e que, segundo os economistas, deve ser um dos principais suportes ao desempenho da economia na segunda metade do ano. “É um setor extremamente pulverizado no Brasil. Você não vê grandes representantes na nossa Bolsa”, afirma Flávio Conde, analista da Levante Ideia de Investimentos.

Mas ainda que a composição do mercado acionário brasileiro não reflita o PIB, o indicador também passou a guiar decisões de investimento desde que as perspectivas para a economia melhoraram.

“A história macroeconômica que guiava a Bolsa, até então, era a possibilidade de queda de juros. Mas o PIB veio e mostrou componentes melhores que o esperado, como investimentos e consumo das famílias. Aí gerou uma discussão sobre portfólios mais adequados a uma retomada mais rápida que o esperado da economia”, diz Jorge Oliveira, gestor de renda variável da BlueLine.

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Menos commodities, mais setor doméstico

Na Levante, um movimento que começou em agosto se intensificou. As carteiras recomendadas pela casa passaram a contemplar mais empresas ligadas à economia doméstica. Por outro lado, companhias ligadas ao comércio exterior reduziram de forma relevante suas participações nos portfólios. “A gente diminuiu e até zerou posição em empresas ligadas a commodities e China”, explica Flávio Conde. “Temos um pouco de Vale, porque [a ação] ficou muito barata e reduzimos Petrobras para o nível médio do mercado [market weight] após a distribuição de dividendos”, complementa.

Para Conde, os bancos são a “aposta mais segura e tranquila para se ganhar com o PIB mais forte”. O valuation das instituições financeiras está 20% abaixo da média histórica, explica o analista, o que torna os papéis atrativos. E com a economia crescendo mais, a inadimplência no setor tende a se menor.

Oliveira, da BlueLine, também acredita que a melhora da renda do brasileiro traz “um alento” aos bancos. Além disso, olhando para a melhora do consumo das famílias no PIB do segundo trimestre, o gestor vê potencialidades em segmentos que tendem a ser beneficiar com uma demanda que estava represada, por conta das restrições da pandemia.

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“O mercado já estava com viés de olhar mais para empesas voltadas à economia doméstica e a melhora de serviços do PIB trouxe mais convicção de que elas vão ter uma performance melhor não só em 2022, mas no ano que vem também”, afirmou.

Setores sensíveis ao consumo das famílias

Dentre as empresas que tendem a se beneficiar com esse movimento, Oliveira cita as do setor de saúde, como Hapvida (HAPV3) e Rede D’Or (RDOR3). Mesmo sendo um segmento que ganhou evidência ao longo da pandemia, operadores de convênios médicos e prestadores de serviços finais do setor privado, como hospitais e laboratórios, sofreram o impacto do aumento da sinistralidade, da queda no número de beneficiários e a suspensão de procedimentos eletivos.

“O que perdeu espaço pode ganhar de volta. Alguns itens específicos, como moda, vestuário, aluguel de veículos, são bem sensíveis ao consumo das famílias”, explica o gestor. As aéreas também entram nessa lista, assim como empresas ligadas ao setor de turismo. A CVC (CVCB3) é uma das top picks da Blackbird Investimentos.  “A empresa tem mostrado sinais fortes de recuperação e vemos um potencial bem expressivo de valorização para o papel”, afirma Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da casa.

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E não é só o transporte aéreo que tende a se beneficiar com a melhora da economia. O PIB mais forte também costuma ser sinônimo de maior tráfego em rodovias, fluxo de cargas e demanda em pedágios, motivo pelo qual Ecorodovias (ECOR3) e CCR (CCRO3) também estão entre as ações preferidas da Blackbird.

Na Levante Ideia de Investimentos, Flávio Conde e sua equipe têm colocado mais varejistas em suas carteiras. “Sinceramente, todo o varejo está barato. Não é só Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas (AMER3), mas também supermercados, ainda que a inflação de alimentos não tenha melhorado ainda”, diz o analista. GPA (PCAR3) é uma das principais recomendações da Levante no segmento, assim como Lojas Renner (LREN3). “É uma empresa que atende a um público que está ‘no meio’ – nem baixa, nem alta renda – tem um caixa grande, dívida controlada e, historicamente, nunca esteve tão barata”, afirma Conde.

A Levante não mostra o mesmo entusiasmo com as construtoras. “As taxas de juros ainda estão muito altas e há um excesso de lançamentos, sobretudo na cidade de São Paulo. Isso deve provocar um enorme aumento de estoque”, diz o analista. A BlackBird tem visão diferente. Harada ressalta que o setor de construção tem sido responsável por uma fatia relevante da geração de novos empregos e elege Cyrela (CYRE3) como uma das preferidas. “Tanto por uma questão de caixa, como lançamentos e a capacidade de repassar custos de material para a parcela das vendas”, diz ele.

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Apenas uma foto bonita?

Com o terceiro trimestre próximo do fim, os indicadores mais recentes continuam surpreendendo positivamente. Em julho, o setor de serviços confirmou sua robustez, avançando 1,1% na comparação com junho, batendo o consenso do mercado, que projetava alta de 0,5%. Mas ainda que as previsões para a economia em 2022 e 2023 estejam melhorando, a expectativa é que o crescimento não tenha o mesmo fôlego visto até aqui.

“Em nossa visão, apesar da forte leitura em julho, é provável que o setor de serviços desacelere no segundo semestre, devido à diminuição da renda disponível, uma desaceleração dos outros setores e um efeito cada vez menor da reabertura, afetando especialmente os serviços prestados às famílias”, diz análise do Itaú. Ou seja, um dos principais motores do PIB pelo lado da oferta tende a recuar em agosto, nos cálculos do banco.

Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, ainda que a atividade desacelere no terceiro trimestre, como reflexo da política de alta de juros, o ritmo deve diminuir de forma mais lenta e gradual do que se pensava semanas atrás, antes do PIB do segundo trimestre ser divulgado. “A resiliência segue suportada por um mercado de trabalho aquecido e por efeitos prolongados da reabertura da economia”, afirmou Mercadante.

De qualquer forma, para que o otimismo com a economia se mantenha, os próximos indicadores vão precisar fazer jus às projeções de um PIB mais alto. “Precisamos esperar outros números de atividade para confirmar que essa é uma tendência e não um ‘voo de galinha’, de um trimestre só. Não pode ser apenas uma foto bonita. Se a historia continuar acontecendo, vai ser bom pra ações domésticas”, conclui Jorge Oliveira, da BlueLine.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados