IPCA-15 e choque de preços pressionam BC a levar a Selic acima de 12,75% mesmo com queda do dólar, avaliam economistas

Inflação ficou de novo acima do esperado, e talvez o BC não esteja elevando os juros o suficiente para enfrentar a alta persistente dos preços

Lucas Sampaio

(Pedro França/Agência Senado)

Publicidade

O IPCA-15 de março e o choque de preços das commodities, intensificado pela guerra entre Rússia e Ucrânia, elevam a pressão sobre o Banco Central para que a Selic suba acima de 12,75% ao ano, apesar de a autoridade monetária ter deixado claro na ata do Copom e no RTI (Relatório Trimestral de Inflação) que pretende encerrar o ciclo de alta de juros na próxima reunião, em maio. Essa é a análise da maioria dos especialistas consultados pelo InfoMoney.

A alta de 0,95% no IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15), a prévia da inflação oficial do país, ficou acima da expectativa do mercado (0,85%) e foi a maior variação para março desde 2015 (quando subiu 1,24%). E talvez o BC não esteja elevando os juros o suficiente para enfrentar a alta persistente dos preços.

O Credit Suisse passou a projetar a Selic a 14% ao ano no fim de 2022 após o indicador (se chegar a esse nível, será o maior patamar desde outubro de 2016). “Acreditamos que a autoridade monetária precisará revisar seu cenário para a inflação e a Selic, provavelmente tendo que elevar os juros nominais para compensar o aumento esperado da inflação nos próximos meses”, disse o banco em nota.

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

O IPCA foi revisado de 7% a 7,8% neste ano, devido ao forte aumento no preço dos alimentos e à expectativa de que os preços de combustíveis continuarão subindo, e de 4% para 4,3% em 2023, considerando o impacto inercial da inflação deste ano — patamares muito acima da meta do BC.

Análise do Goldman Sachs sobre o IPCA-15 diz que “a inflação está agora não só muito alta como também altamente disseminada”. Tatiana Nogueira, economista da XP, afirma que, “após a divulgação de hoje, nossa projeção para o IPCA de março (atualmente em 0,97%) está em revisão”. “A projeção tem viés de alta, principalmente por conta dos preços dos combustíveis e cuidados pessoais”.

Leia também:

Continua depois da publicidade

Queda insuficiente do dólar

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, destacou que nem a queda recente do dólar, que atingiu o menor patamar dos últimos dois anos, deve ajudar a arrefecer a inflação. “Os bens comercializáveis, que estão sujeitos à variação cambial e à inflação internacional, passaram de 0,92% em fevereiro para 1,43% em março”.

“Esse movimento mostra que a inflação está chegando até o consumidor final e que a apreciação da real frente o dólar não se mostra suficiente para frear as altas consecutivas das commodities”, afirma Argenta. “O IPCA-15 de março traz mais pressão para o Banco Central, que tem adotado tom ‘dovish’ para a condução da política monetária”.

A economista-chefe da CM Capital destaca que “todas as medidas subjacentes mostram que a pressão inflacionária segue elevada” e que “alguns movimentos podem trazer mais problemas para o Banco Central, como a aceleração do grupo de alimentação no domicílio em período que sazonalmente deveria apresentar contribuições inflacionárias cada vez menores”.

Ata do Copom e RTI ficaram ‘velhos’?

O IPCA-15 foi divulgado um dia após o RTI (Relatório Trimestral de Inflação) e dois dias após a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), dois importantes documentos do Banco Central para comunicar a análise da instituição sobre o cenário atual e os próximos passos em relação à Selic (taxa básica de juros da economia brasileira).

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, “esses dois documentos já nasceram mortos”, “com uma visão muito diferente da realidade”. “O Banco Central reluta em ajustar o cenário para a realidade atual. A realidade de hoje é essa inflação muito maior”.

Agostini destaca que a meta para a inflação de 2023 (3,25%) é menor do que deste ano, que o BC já “abandonou” (a autoridade monetária projeta que o IPCA vai ficar em 7,1% em 2022, contra uma meta de 3,5%, e que pelo segundo ano consecutivo não conseguir cumpri-la). “A meta é menor daqui pra frente e as condições inflacionárias estão piorando”.

Projeção do BC x expectativa do mercado

Tanto na ata do Copom quanto no relatório de inflação, o BC prevê elevar a Selic em mais 1 ponto percentual em maio e encerrar o ciclo de alta dos juros em 12,75%. Para isso, trabalha com dois cenários (e, em ambos os casos, a Selic termina o ano em 12,75% e cai para 8,75% até o fim de 2023):

Mas o Relatório Focus, que reúne semanalmente as projeções de mais de 100 instituições financeiras, já aponta uma Selic mais alta (13% no fim deste ano e 9% em 2023) – e que, mesmo assim, o IPCA vai fechar 2023 em 3,75% (acima dos dois cenários do BC e do centro da meta definido pela autoridade monetária).

Alexandre Schwartsman, economista, consultor e colunista do InfoMoney, o Banco Central “corre um risco concreto de passar a imagem para o mercado de que tem um teto para taxa de juros [de 12,75% ao ano]”. “Quando você tem um teto pra taxa de juros, a inflação não tem mais teto”, alerta o economista, que foi diretor do BC. “Quando ele [o BC] coloca um teto para o juro ele tira o teto da inflação”.

Schwartsman pondera que “alguma desinflação está acontecendo, mas não na velocidade que estava previsto”. “A questão principal para o Banco Central é que ele está ‘brigando’ pela inflação de 2023. E ele tem de mostrar que está atrás desta meta. Tem 9 meses para acabar 2022 e mais 12 meses de 2023 e o mercado está dizendo que não acredita na capacidade de o Banco Central trazer a inflação para meta. É tempo pra caramba”.

BC vai ter de prolongar a alta de juros?

Agostini, da Austin Rating, diz que o BC “se viu em uma alta muito forte do choque de commodities” e a “a inflação está muito mais persistente”, por isso avalia que a autoridade monetária errou na última reunião do Copom. “Ela deveria ter aumentado em 1,5 ponto percentual agora e mais 1,5 em maio [levando a Selic para 13,75% ao ano]”.

“Mas não fez e desacelerou [o ciclo de alta, para 1 ponto percentual]. O BC só pode desacelerar a alta quando a inflação está convergindo para os seus indicadores, mas não é isso que estava acontecendo. Há uma desconexão entre o que está acontecendo e o que o BC está fazendo”, afirma Agostini.

Para o economista-chefe da Austin Rating, como a autoridade monetária desacelerou o ritmo de alta da Selic, agora terá de prolongá-lo por mais tempo. “Para corrigir esse erro de cenário vai ter de prolongar o ciclo de alta. Agora vai ter de dar mais uma ou duas altas de um ponto. Você tem de combater choque de preços com choque de juros”.

Mirella Hirakawa, economista-sênior da AZ Quest, mantém a previsão de que o ciclo de alta de juros vai terminar na próxima reunião do Copom, com a Selic a 12,75%, e pondera que que as projeções do BC já são piores que a do mercado para a inflação (IPCA de 7,1% no cenário de referência, contra uma estimativa de 6,59% no Focus; no cenário mais provável, no entanto, a autoridade monetária prevê uma inflação de 6,3%, abaixo do mercado).

A economista destaca que, no RTI, o Banco Central apontou que o choque causado pela guerra na Ucrânia “tem duas mãos”: o choque de commodities causa inflação, mas também desacelera a economia. “O outro lado da moeda, do efeito secundário, é a atividade mais fraca. Ele [o BC] está trazendo para o mercado que o mercado pode estar se esquecendo desse choque na atividade”.

Porta aberta para mais altas

Apesar de sinalizar que pretende encerrar o ciclo de alta da Selic em maio, o Banco Central deixou uma porta aberta, tanto na ata do Copom quanto no RTI, para continuar aumentando os juros se a situação se deteriorar.

Nesta sexta, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, reforçou essa possibilidade. Ele afirmou que o pico da inflação brasileira deve ocorrer em abril, tocando 11% no acumulado em 12 meses, mas pode haver um ajuste adicional da Selic em junho, se a crise causada pela guerra na Ucrânia se agravar (ou se houver alguma mudança brusca e não prevista).

“Nós deixamos a porta aberta para a reunião de junho exatamente porque sabemos que há uma incerteza muito elevada sobre a extensão da crise”, afirmou Campos Neto, ponderando que esse cenário de um eventual ajuste adicional não é o mais provável.

Procurando uma boa oportunidade de compra? Estrategista da XP revela 6 ações baratas para comprar hoje.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.