Juros (mais) altos por mais tempo: por que a ata do Fomc “azedou” a Bolsa brasileira

O noticiário interno também não ajudou, com o governo piorando a estimativa para o déficit fiscal em 2024

Equipe InfoMoney

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Dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) esperam que a inflação fique elevada por mais tempo nos Estados Unidos do que era previsto na reunião de março. Isso fez com que o Ibovespa perdesse ainda mais força na tarde desta quarta-feira (22) após a divulgação da ata da última reunião de polícia monetária do Fed, que aconteceu em 30 de abril e 1º de maio, e manteve os juros inalterados no país. O benchmark da Bolsa fechou em queda de 1,38%, a 125.650 pontos, com aceleração das perdas após a divulgação da ata, às 15h (horário de Brasília). O noticiário interno também não ajudou, com o governo piorando a estimativa para o déficit fiscal em 2024.

Ainda que a desaceleração da inflação à meta de 2% seja apontada como o cenário mais provável no médio prazo, segundo consta na ata, o documento diz que os dirigentes reconhecem a ausência de progresso na desinflação no primeiro trimestre deste ano, e estão alertas para o avanço nos preços, que segue excessivamente incerto. Eles identificaram avanço no núcleo de serviços, com exceção de moradias, e isto deve mantê-los “muito atentos aos riscos de inflação”.

Mesmo assim, os dirigentes afirmaram ver maior equilíbrio nos riscos entre metas de emprego e de inflação, e vários dirigentes esperam que a inflação de serviços não habitacionais volte a cair à medida que o crescimento dos salários abranda no país.

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No documento, alguns participantes apontaram preocupações com eventos geopolíticos, que podem provocar interrupções na oferta de algumas commodities e acelerar a inflação em determinados setores e pesar sobre o crescimento econômico, que no momento segue avançando a ritmo forte.

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“A ata foi hawk [dura], com clara piora na avaliação sobre a inflação. Apesar de não haver sinais de que próximo movimento de juros poderia voltar a ser de alta, a retirada do trecho que indicava taxa atual no pico e corte de juros ainda este ano sugere que o Fed está mais cauteloso e em dúvida sobre atual nível de restritividade da política monetária”, avalia Andréa Durão, economista da Asa Investments.

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Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, a ata transmitiu bastante firmeza em relação ao processo de convergência para a meta inflacionária de 2%. “A trajetória de desaceleração da inflação não se dá no ritmo desejado pelo FOMC. Além disso, destacam que a atividade e o mercado de trabalho permanecem resilientes. Assim, a avaliação do cenário feita pelo Fed é dura. O balanço de riscos é assimétrico para cima, a diminuição no ritmo de redução do balanço de ativos não tem como objetivo mudar o posicionamento do BC americano e ainda foi considerada expressamente a possibilidade de que os juros voltem a subir caso o cenário não mostre a melhora esperada”, avalia o economista.

Em uma perspectiva mais de longo prazo, o Fed também deu destaque a possibilidade de que o a política monetária tenha menos efeito sobre as variáveis econômicas em virtude de um juro neutro mais elevado.

A Guide Investimentos reforça que o cenário do Fomc seguiu caracterizado pela incerteza elevada, o que levou os dirigentes do BC americano a continuarem com a mensagem de “esperar para ver”. A novidade no trecho que aborda a prescrição futura foi vista pela casa como nada animadora, pois recoloca na mesa de forma implícita a possibilidade de a taxa voltar a subir na principal economia do mundo. “Desta forma, apesar de seguirmos esperando dois cortes esse ano, com o início do movimento em novembro, entendemos que o documento deva gerar ruídos no mercado de juros, principalmente por trazer um tom mais hawkish do que esperávamos”, concluiu.

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Mercadante, da Rio Bravo, ainda aponta que a ata do Fed reforça a posição cautelosa do Copom (do BC brasileiro) frente ao cenário externo. “A postura do BC americano na ata não abre muito espaço para uma discussão de cortes indicando que a pressão externa deve continuar ao longo do ano”, avalia, em um cenário em que diversos economistas já não veem corte de juros pelo BC por aqui em 2024, o que deve desfavorecer o investimento em renda variável.

Falas de Haddad e fiscal também abalaram o mercado

Internamente, também houve movimentos que geraram aversão a risco no mercado, como a participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na sessão da Comissão da Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Ao responder questionamentos de deputados por horas, Haddad tratou de assuntos como a política monetária brasileira, o controle da inflação e o equilíbrio fiscal.

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Profissional ouvido pela Reuters pontuou que, especificamente, comentários de Haddad sobre a meta de inflação trouxeram pressão para os juros futuros, que subiram na sessão. O ministro defendeu que a meta de 3% “é ousada para o histórico do Brasil”, e disse que se o objetivo é perseguir este parâmetro é preciso “abrir este debate”.

Haddad também afirmou que não há “nada desancorando” em relação à inflação no Brasil e disse que a queda dos índices de preços é “mais dramática” do que o Banco Central reconhece. “Se você desconsidera a questão de desoneração de combustível, e verifica a curva de queda da inflação, a queda da inflação é mais dramática que o próprio Banco Central reconhece”, afirmou Haddad. “Eu estou falando isso para estimular o BC a olhar a inflação corrente por este prisma, e verificar que não tem nada desancorando. Não tem”, acrescentou.

Ainda em destaque, os ministérios do Planejamento e da Fazenda projetaram nesta quarta-feira que o governo central fechará 2024 com déficit primário de R$ 14,5 bilhões, equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), dentro da margem de tolerância estabelecida pelo arcabouço fiscal.

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As pastas ainda apontaram que R$ 2,9 bilhões atualmente bloqueados no Orçamento para respeitar regras fiscais poderão ser liberados após a ampliação do limite de despesas para o ano em R$ 15,8 bilhões, medida autorizada pelo arcabouço fiscal.

A estimativa apresentada no relatório bimestral de receitas e despesas para o resultado primário é pior do que a última projeção oficial do governo, feita em março, que apontava para um déficit de R$ 9,3 bilhões. Como proporção do PIB, não houve mudança. A meta fiscal estabelecida para o ano é de déficit zero, com uma banda de tolerância de 0,25% do PIB, ou cerca de R$ 29 bilhões.

(com Estadão Conteúdo e Reuters)