Ibovespa: os três eventos políticos que podem “destravar” o mercado brasileiro nos próximos meses, segundo o JPMorgan

Próximos meses estarão movimentados e estrategistas do banco esperam por reforma tributária, escolha dos diretores do BC e arcabouço fiscal

Lara Rizério

(Getty Images)

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Há uma máxima que diz que “o ano só começa depois do Carnaval”. Ao olhar para o desempenho do Ibovespa, com queda de 0,50% no acumulado de 2023 até o fechamento da última sexta-feira (17) antes do feriado prolongado, essa expressão poderia até ganhar mais força, dado o desempenho tímido do mercado doméstico até então.

Contudo, apesar do desempenho, a caminhada da Bolsa até aqui foi repleta de altos e baixos, com turbulência política em destaque (sendo a última rusga a disputa entre Banco Central e governo sobre a meta de inflação), além do cenário externo bastante conturbado com as constantes mudanças de percepção sobre até quando e em que patamar os países desenvolvidos vão subir os juros (especialmente os EUA com o Federal Reserve).

Em relatório da última semana, o JPMorgan traçou um paralelo do mercado brasileiro com o Chile – onde vê os fatores de tensão como mais dissipados após a rejeição da proposta de nova constituição, em setembro de 2022 – e destacou alguns fatores que podem levar os ativos de risco do Brasil a operarem com base nas mesmas sinalizações.

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A estrategista do JP Emy Shayo e equipe avaliam que o mercado já está “precificado para o pior” e qualquer desdobramento que não se materialize leva a um potencial de ganhos. “A nosso ver, as fontes do baixo desempenho do Brasil no acumulado do ano estão relacionados às discussões envolvendo o BC (sobre independência e meta de inflação) e à deterioração do mercado de crédito”, apontam.

Para eles, contudo, as discussões sobre políticas (monetária, fiscal) não vão acabar e os investidores precisarão se acostumar com a “verborragia” dos agentes públicos e não “digerir cada declaração ao pé da letra”. Assim, apontam possíveis caminhos sobre o que pode dar certo no case de investimentos no Brasil.

Neste sentido, são citados três eventos macroeconômicos que podem levar a uma desalavancagem política considerável nos próximos meses, especialmente em relação a desatar os nós do relacionamento complicado entre política fiscal e monetária.

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O primeiro deles é a nomeação de dois diretores do Banco Central, cujos mandatos terminam em 28 de fevereiro. Cabe
ao presidente Lula indicar os substitutos e ao Senado aprová-los. Em segundo lugar, está o avanço da reforma tributária, com a expectativa de criação do IVA, trazendo a unificação dos tributos sobre o consumo em um único imposto de valor agregado. O IVA é visto pelo JP como um avanço estrutural chave, ainda que deva impactar as empresas.

Por fim, em terceiro lugar, está a apresentação do novo arcabouço fiscal, agora previsto para março em vez de abril, conforme destaca pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad na semana passada. O simples anúncio da antecipação do arcabouço impulsionou o mercado no último dia 15, fazendo o Ibovespa avançar 1,62% naquela sessão.

“Se tudo correr moderadamente bem, há uma chance de que se possa olhar além do ruído político recente e reduzir o prêmio que está agora na curva de juros, abrindo caminho para cortes nas taxas, um fator importante para o desempenho das ações”, avalia a equipe de estrategistas.

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Para o banco, os investidores precisam ter boa visibilidade de ganhos para que a visão de um valuation barato para a Bolsa seja justificada. “O medo que se tem hoje é que, enquanto o Brasil estiver barato, corre-se o risco de que os lucros sejam revisados para baixo, o que seria um caso de armadilha de valor. Acreditamos que os números devem se estabilizar após os resultados das empresas do quarto trimestre, com expectativas mais realistas para os setores domésticos”, ressaltam.

Além desse ponto, há outros que podem levar a um caminho menos nebuloso para a Bolsa brasileira. Dentre eles, a inflação em desaceleração, segundo aponta o JP.

“Embora as últimas leituras da inflação na América Latina tenham decepcionado, os dados foram bons no Brasil e temos uma visão melhor do que o consenso sobre os preços. A ideia aqui é que já estamos vendo os preços dos serviços caírem e  a desinflação global nos preços de bens também deve aparecer por aqui. Não só isso, mas vemos uma forte desaceleração nos preços do núcleo”. Assim, uma inflação mais baixa junto com um PIB em desaceleração são as condições ideais para taxas mais baixas.

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O Congresso também pode ser um importante suporte para as sinalizações do governo consideradas mais controversas. “Por exemplo, é bem possível que a reversão de reformas não seja bem-vinda, visto que foi o próprio Congresso que as tornou possíveis. O presidente da Câmara, Arthur Lira, já elogiou a independência do BC por ser reconhecida internacionalmente como um marco chave”, afirmam.

O banco também reforça que alguns programas sociais começam a ser anunciados, em um cenário de desaceleração da economia: no dia 14 de fevereiro, foi lançado o novo Minha Casa Minha Vida, enquanto o Desenrola (que visa desalavancar a população de baixa renda) está prestes a ser anunciado.

Já sobre o câmbio, o banco aponta que o real é “medalhista de ouro” com o carry trade ( quando um investidor pega dinheiro emprestado em um país com juros baixos, como um desenvolvido, e aplica o montante em outro país com juros mais altos, como o Brasil, e ganha com a diferença). A operação deve permitir que a moeda fique relativamente estável, mas pondera que não é algo a ser levado como certo em momentos de dúvidas sobre a política. Contudo, os estrategistas de câmbio da casa veem o real negociando na faixa entre R$ 5 e R$ 5,30.

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Assim, os estrategistas apontam estarem “escalando o muro da preocupação no Brasil”, mas permanecendo overweight (exposição acima da média do mercado, equivalente à compra) no país.

Para os estrategistas, os catalisadores globais estão maduros e, assim, a desalavancagem política acabará levando a taxas mais baixas localmente. Cabe ressaltar, contudo, que os últimos dias, mais tranquilos relativamente no noticiário político local, têm sido guiados pelo exterior, com a visão de que os países desenvolvidos terão que subir mais os juros para conter a inflação.

O JP vê que há muito prêmio na ponta curta da curva de juros do Brasil e sua normalização, mesmo que um pouco, levaria a um movimento positivo para as ações. As recomendações do JP para o Brasil são ações proxies de títulos (concessões, serviços públicos, shoppings, alguns varejistas) e financeiro, mantendo exposição em commodities devido à reabertura chinesa.

Mais do que simples mudanças

O Goldman Sachs, por sua vez, em relatório chamado “como encontrar oportunidades do Brasil”, ressaltou que os ativos do país estiveram entre os de melhor desempenho em todo o mundo em 2022, com o Ibovespa subindo 6% (comparado com -20% para MSCI All Country World), movimento que não persistiu neste ano.

“A rotação do mercado é comum em um novo ano, mas o baixo desempenho no Brasil provavelmente está ligado a mais do que mudanças sazonais”, avalia, citando também a turbulência política no país.

“Há muitos ‘episódios idiossincráticos’ nos quais os ativos brasileiros apresentam variações significativas em relação aos fatores macroeconômicos globais”, diz o Goldman, citando na memória recente os ciclos eleitorais e de liderança (como o impeachment de 2016, a eleição de 2018 e a eleição de 2022).

Ao olhar diversos desses casos, os analistas do banco concluíram que as ações ‘cíclicas domésticas’ e as taxas de juros oferecem atualmente prêmios de risco semelhantes aos de períodos passados de volatilidade política, sendo que câmbio e oferta de crédito oferecem muito menos [prêmios].

Já o Morgan Stanley segue com a sua visão cautelosa para o Brasil e também traçou paralelos com outros períodos de maior ruído político (como 2011-2016) para traçar algumas conclusões.

Em seu portfólio para o Brasil, gosta de três temas diferentes. O primeiro é a reabertura econômica da China, tendo exposição às ações de Vale (VALE3), Gerdau (GGBR4), 3R Petroleum (RRRP3) e PRIO (PRIO3). O segundo é o cenário de altas taxas de juros por mais tempo, com exposição a Itaú (ITUB4), Porto (PSSA3) e BB Seguridade (BBSE3). Por fim, estão as ações de empresas de modelos de negócios defensivos domésticos, como Assaí (ASAI3), Hypera (HYPE3), Equatorial (EQTL3) e Vibra (VBBR3).

“Acreditamos que é muito cedo para retornar a ações de alta qualidade sensíveis às taxas de juros, como Localiza (RENT3) e Renner (LREN3); devemos ter um ponto de entrada melhor no segundo trimestre, quando o Congresso discutir a reforma tributária e a nova estrutura fiscal de longo prazo para o país”, apontam os estrategistas.

Ao traçar um paralelo com o governo Dilma Rousseff, em que houve deterioração do crescimento, com o período entre 2011 e 2026 sendo caracterizado pelo aumento da pressão fiscal e pela piora das perspectivas macroeconômicas para o país.

Naquele período, aponta, 1) a deterioração das variáveis macro foi gradual e estendeu-se por cinco anos e meio; 2) entre as ações domésticas, o grupo defensivo superou seus pares cíclicos. No entanto, os setores que sofreram intervenção do governo (caso de utilities, como energia e saneamento) tiveram desempenho ruim e 3) em commodities, o grupo teve um desempenho inferior devido ao cenário global (ou seja, preços mais baixos das commodities) e doméstico (ou seja, intervenção do governo). Os estrategistas acreditam que o atual ciclo econômico global deve ser mais favorável para commodities.

Em quarto lugar, os analistas apontam que as ações brasileiras estão em um múltiplo de preço sobre lucro de 6,6 vezes, o que parece atrativo. No entanto, a avaliação precisa se ajustar ao custo de capital mais alto e à provável rodada de revisões de lucros para baixo.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.