Fintechs: como separar “pechinchas” de ciladas na Bolsa e encontrar oportunidades em meio à queda das ações

Afinal, as quedas são correções bem-vindas num mercado que havia sido marcado por exageros? Ou criaram oportunidades de compra?

Lara Rizério Humberto Maia Junior

(Shutterstock)
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As ações das fintechs brasileiras passaram por altos e baixos marcantes no último ano. Depois de muitos papéis iniciarem 2021 em alta, houve uma queda generalizada no segundo semestre e a baixa continuou em 2022, após a divulgação da ata do Federal Reserve, o banco central americano, que sinalizou que o ciclo de aumento dos juros nos EUA deverá começar mais cedo do que se pensava, o que tem impactos relevantes no setor.

As units do Inter (BIDI11), que fecharam perto de R$ 85 em 21 de julho, bateram R$ 24,44 em 10 de janeiro, uma queda de 71%.

As ações de Stone e PagSeguro, negociadas em bolsas americanas, têm baixa, respectivamente, de 75% e 58% desde o início do segundo semestre. Já os papéis da XP Inc., negociados na Nasdaq, caíram 36,65% desde o início de julho.

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Os papéis do Nubank, que estrearam nas bolsas americana e brasileira no início de dezembro, fecharam o dia 10 de janeiro a US$ 9 na Nyse, exato valor precificado na abertura de capital. Porém, desde a sua máxima alcançada em 10 de dezembro, já caíram 24%.

Afinal, as quedas são correções bem-vindas num mercado que havia sido marcado por exageros? Ou criaram oportunidades de compra?

O InfoMoney ouviu especialistas e compilou relatórios para responder a essas perguntas. Confira:

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Por que as ações caíram

A correção de preços pode ser explicada por um motivo macroeconômico e por fatores específicos a cada uma delas, como riscos de mercado e mudanças regulatórias.

O motivo macro está ligado à situação da economia mundial após a quarentena. Quando as empresas tentaram retomar a atividade, bateram na falta de matéria-prima e na capacidade de atender a demanda. Resultado: inflação.

Para conter a alta de preços, bancos centrais de diversos países têm aumentado os juros – e sinalizado mais aperto monetário pela frente. É o caso do Fed e do BC brasileiro, que elevou a taxa Selic para 9,25% ao ano na última reunião de 2021 – projeções coletadas pelo BC junto ao mercado financeiro e divulgadas por meio do Relatório Focus indicam que os juros podem chegar a 11,75% em 2022.

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Aumentos de juros afetam as perspectivas de diversas empresas, mas o impacto é maior nas de tecnologia, incluindo as fintechs.

Fintechs são classificadas como “empresas de crescimento”: isso significa que a atratividade delas não está nos lucros obtidos no presente (como ocorre com companhias consolidadas), mas na perspectiva de crescimento futuro.

Quem compra ações de uma fintech está apostando no seu crescimento nos próximos anos. E essa projeção leva em conta a expectativa dos juros, que é usada como taxa de desconto (um cálculo que se aplica sobre um valor futuro para determinar a sua equivalência no presente).

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Para Carlos Macedo, analista especializado em bancos da Ohmresearch, a queda de muitas dessas ações se deve à mudança da percepção de risco: o otimismo com a recuperação da economia global deu lugar ao temor gerado pelo prolongamento da Covid e pela persistência da inflação. Além disso, no cenário doméstico, as eleições também deixam os investidores mais conservadores. “Isso, combinado a uma economia mais fraca, leva a uma expectativa de resultados também mais fracos, o que faz essas ações a caírem.”

“Além disso, é natural que essas empresas, que estão em fase de crescimento, demandem mais capital para continuar no movimento ascendente. E no cenário de juros subindo e humor do mercado não tão bom, investidores e analistas questionam se elas vão ter o capital que precisam”, diz Rafael Ragazi, sócio da Nord Research.

Desafios no setor de cartões

Embora o cenário esteja complexo para todas as fintechs, é preciso fazer uma análise individual de cada empresa para entender os riscos e as oportunidades.

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A queda das ações de empresas de adquirência, no setor de cartões, como Stone e PagSeguro, decorre não apenas da piora macroeconômica, mas de questões de negócio e mudanças regulatórias.

A Pagseguro caiu 11,5% somente no dia 11 de outubro de 2021, quando o Banco Central abriu consulta pública para limitar em 0,5% a tarifa de intercâmbio, que é cobrada em transações com cartões pré-pagos – um terço da média praticada, 1,5%. No pregão anterior, a fintech tinha caído 19% – e acumula queda de 58% apenas na segunda metade de 2021 até o fechamento da véspera.

Enquanto isso, no segundo trimestre de 2021, a Stone parou as concessões de crédito após as falhas do registro de recebíveis (valores que os comerciantes têm a receber), um dos pilares para o funcionamento pleno dos produtos, o que afetou a confiança dos investidores e levou a uma queda de ações. No final de agosto, a Stone divulgou prejuízo de R$ 150,5 milhões por conta das dificuldades apresentadas com a nova central de recebíveis.

Já no pregão do dia 17 de novembro, suas ações desvalorizaram cerca de 35% por conta dos maus resultados no terceiro trimestre. O lucro líquido ajustado no período, R$ 152,7 milhões, representou uma queda de 54% em um ano.

O resultado dessa piora foi a revisão por diversas casas de recomendações de ações das duas adquirentes – e consequente queda no preço-alvo. No final de novembro, o Bradesco BBI cortou a recomendação da PagSeguro de outperform (desempenho acima da média) para market perform (equivalente à neutra), e a da Stone de neutra para underperform (desempenho abaixo da média).

Em 16 de dezembro, foi a vez do Itaú BBA rebaixar as duas empresas de outperform para neutra e rever o preço-alvo das ações da PagSeguro de US$ 70 para US$ 29 em 2022 (ontem, a ação fechou em US$ 25,50); no caso da Stone, o preço-alvo foi reduzido de US$ 65 para US$ 18 (a ação fechou a última segunda-feira a US$ 16,38).

“Em nossa opinião, um ambiente de aumento dos custos de financiamento, mudanças regulatórias, aumento do CAC (custo de aquisição de cliente) e concorrência mais feroz trará tempos difíceis para as empresas de pagamento que cobrimos”, afirmaram os analistas do Itaú BBA no relatório.

O Credit Suisse também rebaixou, no final do ano passado, a ação da Stone para equivalente à neutra, reduzindo o preço-alvo de US$ 100 para US$ 22 para incorporar: um custo de capital maior, uma contribuição menor de seu produto de crédito e um aumento acentuado nas despesas financeiras.

Para a PagSeguro, a recomendação outperform foi mantida, mas o preço-alvo foi cortado de US$ 50 para US$ 40 para incorporar margens líquidas mais baixas.

As oportunidades

Por outro lado, aponta Macedo, outras fintechs cujas ações caíram bastante não mudaram muito a sua operação.

“Esse é o sintoma de um mercado que ainda está com um grau bem alto de indefinição, ninguém sabe como vai se dar o avanço das fintechs, que parte do mercado elas vão tomar e quando isso vai acontecer. É natural esse tipo de incerteza, mas, num mercado volátil, gera altos e baixos para as ações”, avalia.

“Isso quer dizer que esse preço vai ficar baixo para sempre? Não se não houver nada material adverso para as empresas. A expectativa é de que, à medida que o apetite ao risco volte, elas se recuperem. Mas é uma análise caso a caso.”

Para os especialistas, em segmentos do mercado de fintechs além do de cartões, a queda das ações gerou oportunidades. Um deles é o de corretoras e bancos digitais.

De acordo com um relatório de novembro da Nord, esses “novos bancos possuem o melhor dos mundos: crescimento de fintech e ROE de bancões”. O texto cita a XP Investimentos (XPBR31), que apresenta retorno sobre equity (ROE) na casa dos 23%, acima do patamar de grandes bancos como Itaú (ITUB4; ROE de 20%), Bradesco (BBDC4; ROE de 15%), Santander (SANB11); ROE de 15%) e Banco do Brasil (BBAS3; ROE de 13%).

Relatório do banco Morgan Stanley do dia 10 de dezembro diz que a XP está “construindo um grande e lucrativo negócio de banco e crédito”. A velocidade do crescimento da concessão de crédito em 12 meses encerrados em setembro, de zero a R$ 10 bilhões, coloca a XP entre as maiores fintechs de crédito do país.

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Ao comentar a recente queda no valuation da empresa, o Morgan diz que o mercado está “subestimando” a XP. E aumentou o preço-alvo, de US$ 62 para US$ 71, para dezembro de 2022 – atualmente, as ações estão cotadas a US$ 27,72. O Credit Suisse, por sua vez, tem recomendação neutra para os ativos, com preço-alvo de US$ 37.

Entre os 11 analistas que acompanham a XP, seis recomendam compra e cinco, manutenção, segundo compilação de recomendações de casas de análise feita pela Refinitiv, que fornece dados do mercado financeiro.

Sobre a XP, os investidores também repercutiram recentemente um importante anúncio: em 7 de janeiro, a companhia anunciou a compra do Banco Modal (MODL11), fazendo as units da MODL11 dispararem cerca de 45% no pregão daquela data. A aquisição do Modal se dará com até 19,5 milhões de novas ações “Classe A” da XP.

Para analistas de mercado, a operação é positiva para ambas as companhias.

“É uma compra oportuna para a XP, eles se complementam; a XP é forte na área de fundos, distribuição, mas o negócio de banco de investimentos ainda está começando. Assim, trazer a força do Modal e tirar a concorrência do Modalmais faz sentido”, avalia Macedo, ressaltando que uma questão a ser monitorada é a aprovação do Banco Central.

Para o Morgan Stanley, embora relativamente pequena, a transação acelera a investida do XP no setor bancário e de crédito e contribui com o negócio de corretagem online. Segundo o time de analistas, o valuation do negócio parece razoável em relação aos múltiplos atuais da XP.

Antes disso, em relatório de meados de dezembro, o BBA havia apontado o Inter como principal escolha entre os bancos digitais de sua cobertura, reiterando recomendação equivalente à compra para o ativo, com preço-alvo de R$ 77 – cerca de três vezes o preço atual.

“As vantagens do Inter em termos de financiamento, crédito e fluxos de receita provavelmente o distinguirão e fortalecerão contra outros bancos digitais que entrarão em um 2022 mais desafiador”, afirma o relatório.

No mesmo documento, os analistas da casa reduziram a recomendação para o Banco Pan (BPAN4) de compra para neutra, com preço-alvo de R$ 18, destacando que continuam a ver a instituição como uma vencedora na corrida de bancos digitais, mas o cenário de custo de captação e alta da inadimplência mudou muito rapidamente. Para eles, o pior momento para resultados e os indicadores de performance (KPIs) devem pesar nos múltiplos do banco.

Já para o Inter, os analistas do BBA esperam um aumento na capacidade de monetização dos clientes e projetam aumento de receitas de R$ 1,4 bilhão em 2020 para R$ 2,5 bilhões em 2021 e cerca de R$ 8 bilhões em 2023.

Dos oito analistas que cobrem o Inter, sete recomendam compra e um, manutenção, segundo a Refinitiv.

Relatório da Nord destaca ainda o crescimento da base de clientes – alta de 94% no terceiro trimestre deste ano, frente ao mesmo período de 2021 – e aumento de receitas de 133%.

“Mais impressionante ainda é o fato de que o Inter vem entregando todo esse crescimento mantendo o custo de aquisição de cada cliente (CAC) praticamente estável”, escreveu Ragazi, no relatório.

“Os R$ 30,74 que o Inter gasta para adquirir cada cliente atualmente é um dos CACs mais baixos do mundo.”

Ragazi diz que o potencial de valorização do Inter pode ser percebido pela diferença no valuation com o Nubank. “Com o Nubank sendo negociado a quase 60 vezes a receita, não faz sentido o Inter ser precificado a 12 vezes”, diz.

Atualmente, o Nubank é o banco mais valioso da América Latina. O valor de mercado de US$ 26,1 bilhões o colocou à frente do Itaú, então maior banco da região.

No início de 2022, diversas casas iniciaram cobertura para as ações do Nubank. Ainda que vários deles tenham perspectiva positiva para os ativos, os riscos também são destacados.

O Morgan Stanley é o mais otimista, possuindo recomendação equivalente à compra, com preço-alvo de US$ 16 para os ativos, que ontem fecharam em US$ 9. O banco destaca que, com base no uso de tecnologia, foco obsessivo no cliente, baixos custos e marca valiosa, o Nubank tem a oportunidade de construir a maior e mais lucrativa franquia bancária da América Latina.

Citi, Goldman e UBS BB também têm recomendação de compra para os ativos, com preços-alvo que variam de US$ 12 a US$ 15. O HSBC atribui recomendação neutra e preço-alvo de US$ 10 para os papéis negociados nos EUA.

Já o Itaú BBA iniciou a cobertura de Nubank com recomendação underperform (desempenho abaixo da média do mercado) – ou equivalente à venda – e preço-alvo de US$ 8 para o final de 2022.

Na avaliação dos analistas, o Nubank “tem muitas conquistas e potencial de crescimento, mas seu valuation não deixa espaço para contratempos”, com um “desafio estrutural para seu potencial de monetização de clientes no Brasil”.

“Esperamos que o próximo ciclo de inadimplência no sistema seja difícil para a base de clientes recém-formada da empresa. Acreditamos que isso provavelmente desencadeará uma correção e diminuirá a percepção do mercado sobre o potencial de lucro por cliente do banco”, avaliam os analistas.

Confira as recomendações para os ativos das fintechs, segundo compilação feita pela Refinitiv:

Empresa  Ticker Recomendações de compra Recomendações neutras Recomendações de venda Preço-alvo médio Potencial de valorização*
Inter¹ BIDI11 7 1 0 R$ 59,88 145,00%
XP² XP 6 5 0 US$ 47,73 72,20%
PagSeguro³ PAGS 14 4 0 US$ 47,46 104,80%
Nubank³ NU 8 2 1 US$ 12,23 36,00%
Modal¹ MODL11 1 2 0 R$ 19,50 64,10%
Stone² STNE 7 8 2 US$ 33,76 106,10%
1 – Negociada na B3
2 – Negociadas na Nasdaq
3 – Negociada na NYSE
*com base na cotação de fechamento da sessão de segunda-feira (10)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.