Fim do ciclo de alta da Selic, mas juros altos por longo tempo: qual o impacto para as ações?

Estrategistas de bancos apontam que pode ser cedo para apostar em recuperação de empresas de consumo doméstico, mas reduzem exposição a algumas commodities

Lara Rizério

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O ciclo de alta nas taxas de juros está chegando ao fim no Brasil, com essa ideia sendo reforçada pela ata do Comitê de Política Monetária (Copom) e pelos dados de inflação (ou melhor, de deflação) de julho, divulgados nesta terça-feira (9). A avaliação é de que a Selic termine o seu ciclo de alta a 13,75% ao ano e, ainda que haja uma nova alta de juros em setembro, ela deve ser marginal, da ordem de 0,25 ponto.

Com essa visão, que ganhou destaque para o mercado desde a semana passada após a decisão de política monetária do Banco Central, os ativos das chamadas companhias de crescimento (que possuem alto potencial de expansão, mas com perspectiva de lucro apenas a longo prazo) e cíclicas (o que também engloba construtoras), que se beneficiam de um cenário de juros mais baixos, tiveram uma forte disparada.

Porém, há ceticismo entre os analistas de mercado sobre se este é o momento para investir em ações do setor, notoriamente de e-commerce, como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas (AMER3). Na semana passada, entre quarta e quinta-feira (sessão pré e pós-Copom), MGLU3 saltou 23%, VIIA3 25% e AMER3 10%. Construtoras como MRV (MRVE3) saltaram 22% nestas duas sessões.

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Contudo, o JPMorgan avalia que pode ser prematuro ficar muito de olho nas ações cíclicas por três razões: 1) as taxas permanecerão altas por muito tempo; 2) as expectativas de inflação ainda estão longe de serem ancoradas e continuarão causando volatilidade na curva de juros; 3) os economistas do banco esperam uma grande desaceleração do crescimento, embora o momento seja agora mais incerto devido ao recente estímulo fiscal (com o Auxilio Brasil 30% maior entrando em ação).

De um modo geral, os estrategistas do JP têm exposição overweight (acima da média) no mercado acionário do Brasil, vendo um valuation barato. “Acreditamos que as idiossincrasias locais vão pesar sobre os preços e os mercados permanecerão de lado nos próximos meses, mas vemos o Ibovespa voltando às máximas do primeiro trimestre (125 mil pontos) no final do ano”, segundo os especialistas. Mas a preferência é pelos setores de petróleo, materiais básicos, financeiro, utilities e produtos básicos.

Os estrategistas avaliam que, historicamente, as ações apresentam desempenho negativo nos meses seguintes ao fim da alta de juros. Olhando para o Ibovespa, verifica-se que o desempenho só traz retornos positivos seis meses após o fim das altas, quando normalmente o ciclo de flexibilização real começa.

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“Assim, embora a vertente de ações domésticas do mercado tenha respondido positivamente ao fim do ciclo de alta de juros, parece que pode não ser duradouro. Historicamente, o avanço acontece quando a flexibilização começa e não quando a alta termina. Outra possibilidade é que os mercados realmente antecipem o fim do ciclo, de modo que quando ele venha, será notícia velha”, aponta. Cabe destacar que, na sessão desta terça, papéis das companhias de e-commerce caem entre 5% e 6%.

Antes mesmo da decisão do Copom, o Bradesco BBI já havia alertado, no final de julho, que não via uma recuperação consistente para muitos nomes do varejo por conta do fim do ciclo de alta dos juros, destacando que os papéis tendem a acompanhar a queda das taxas de juros, ao invés de antecipar o movimento. Já nesta terça, após a ata do Copom, os economistas do Bradesco BBI destacaram a visão de que as taxas de juros só começarão a ser cortadas em meados de 2023, “mas há riscos de ambos os lados para a inflação, que podem mudar o ponto de partida dessa queda”.

Também para o JP, o ciclo de flexibilização levará muito tempo para começar. Os economistas do banco acreditam que as taxas vão permanecer altas por muito tempo porque a atividade econômica ainda está em alta e pode levar mais do que o esperado para desacelerar. As expectativas de inflação devem continuar deteriorar, não só para 2023 (já à frente da meta), mas também para 2024 e haverá incerteza significativa em relação à trajetória da política fiscal até o primeiro semestre de 2023.

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“Assim, não esperamos que as taxas sejam reduzidas até junho de 2023. Nos últimos 20 anos, levou em média 5,6 meses entre o final do ciclo de caminhada e o início da flexibilização. Agora, vai demorar 10 meses, se o último movimento (de agosto) foi o aumento final”, apontam os estrategistas.

Na carteira de estratégia do banco para a América Latina, constam as ações brasileiras de Assaí (ASAI3), Bradesco (BBDC4), Cielo (CIEL3), Eletrobras ON (ELET3), Embraer (EMBR3), Gerdau (GGBR4), Itaúsa (ITSA4), JBS (JBSS3), Renner (LREN3), Petrobras ON (PETR3), Petz (PETZ3), RD (RADL3, ex-RaiaDrogasil), Rede D’Or (RDOR3), TIM (TIMS3), Vale (VALE3) e Vibra (VBBR3).

O Bank of America, dentro do portfólio de América Latina, reiterou também exposição overweight para o mercado brasileiro. Os estrategistas do banco apontam que ainda preferem ações de valor (principalmente bancos em vez de commodities)  e apontam que é muito cedo para voltar totalmente a sua estratégia para ações de crescimento. “Contudo, o pico da Selic torna o Brasil um lugar melhor para começar (ou se posicionar) em relação ao resto do mundo”, avalia o banco, uma vez que outros bancos centrais ainda estão em processo de alta de juros.

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Os grandes bancos continuam a ser o setor com maior exposição. Porém, eles também começam a incluir na lista alguns nomes de crescimento no Brasil, com os estrategistas ficando mais confortáveis dado o pico das taxas/inflação. “Continuamos também gostando de proxies de títulos (como shoppings e utilities, nomes mais sensíveis ao comportamento da curva longa de juros)”, apontam.

Por outro lado, os estrategistas do BofA estão underweight (exposição abaixo da média) para minério de ferro com a Vale (VALE3) e para o consumo de alta renda, com saída de Soma (SOMA3), tema em que tinham alta exposição há um ano. Por outro lado, os estrategistas mantiveram Arezzo (ARZZ3) em sua carteira (provável adição do Ibovespa em setembro, conforme primeira prévia oficial da B3).

JBS (JBSS3), Totvs (TOTS3) e Rede D’or (RDOR3) foram as inclusões em sua lista. No setor de petróleo e combustíveis em geral, a Petrobras segue marketweight (exposição em linha), com analistas vendo preocupações com a governança corporativa podendo limitar o upside, enquanto PetroRio (PRIO3), Vibra (VBBR3) e Raízen ([ativo=RAI4]) foram mantidas. Os estrategistas seguem com uma visão construtiva sobre os preços de petróleo, esperando uma média para o brent de US$ 100 o barril em 2023, apesar do crescimento global mais lento.

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O Morgan Stanley, por sua vez, avalia que o prêmio em Petrobras e Vale no segundo trimestre agora “desapareceu” e aponta uma inclinação para “ações sensíveis a taxas de juros orientadas para o mercado doméstico”, citando também a tendência de que haja um ciclo de flexibilização monetária em 2023.

Quando os juros caírem, onde estarão as oportunidades?

Em relatórios específicos sobre o setor financeiro, Itaú BBA e Bank of America destacaram que algumas fintechs podem se tornar interessantes com o início da queda de juros.

“As empresas de crescimento que os analistas cobrem têm recebido menos atenção por diversas razões, como, por exemplo, resultados trimestrais desanimadores e efeitos negativos de juros altos nos preços justos. Um cenário menos dominado por altas de taxas de juros no Brasil ou reduções mais antecipadas poderia resultar em uma troca de foco e uma vista grossa a resultados de curto prazo mais fracos. Adicionando a recente queda de retornos de longa duration nos EUA, talvez até investidores internacionais estejam dispostos a se aventurar”, avaliam.

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Dito isso, os analistas ponderam não acreditar que uma mudança fosse acompanhada por uma completa desconsideração dos resultados trimestrais ou que investidores estariam rapidamente dispostos a se arriscar em papéis não líquidos, uma vez que as eleições neste segundo semestre podem ser um fator a “remoldar” a curva.

“Desta forma, por enquanto, sugerimos histórias de longa duration que também produzem resultados de curto prazo. Esse filtro exclui o Nubank NU da lista, por enquanto, e nossas sugestões preferidas são PagSeguro PAGS34) e o Banco Inter (INBR31), ambos com recomendação de compra. Também destacamos a B3 (B3SA3, com recomendação neutra – desempenho na média do mercado) e o BTG (BPAC11, que também possui recomendação de compra)”, avaliam.

Já o BofA destacou que os investidores já começaram a última temporada de balanços interessados mais em “evidências de uma inflexão do ciclo de juros, do que uma evolução dos resultados bimestrais”. O banco cita ações que podem ganhar nesse processo, citando B3, XP (XPBR31), Stone (STOC31), PagSeguro, Inter e Nubank.

“Notamos que ações de crescimento no setor financeiro estão sendo negociadas com grandes descontos em relação à avaliação média, enquanto suas capitalizações de mercado estão abaixo dos níveis recentes de oferta pública inicial”, avaliou.

No setor de construção e incorporação, o Credit Suisse apontou que, com o BC sinalizando o fim do ciclo de aperto, está ficando mais construtivo. Os analistas ressaltam que as ações de construtoras têm uma correlação de 85% com as taxas de longo prazo; uma vez que as taxas comecem a cair, as ações provavelmente entrarão em uma forte tendência de alta, como aconteceu em 2019 (de setembro de 2018 a novembro de 2019, os preços das ações subiram cerca de 150%).

Desse modo, mesmo com a microdinâmica desafiadora do setor (inflação, estoques, precificação, etc.) ainda inclinado para o lado negativo dos resultados das empresas, o mercado pode ignorar essas condições em caso de uma inflexão macro.

Os analistas Pedro Hajnal e Vanessa Quiroga apontam que, embora as ações de média e alta renda tenham registrado um desempenho melhor do que as de baixa renda nas inflexões anteriores, continuam a preferir o segmento de baixa renda.

“O principal retrocesso para as construtoras de baixa renda foi o efeito da inflação nas margens e a dinâmica macroeconômica negativa. No entanto, os ajustes recentes do programa CVA [Casa Verde e Amarela] mitigaram esse risco e sinalizaram uma oportunidade de recuperação que, em conjunto com o alivio macro, pode trazer um potencial de valorização para os ativos”, apontam.

Com relação ao setor, no começo do mês, os estrategistas do Itaú BBA incluíram em sua carteira “Brazil Buy List” as ações de MRV, além da companhia do atacarejo Assaí, no lugar de Totvs e Suzano (SUZB3), por serem “duas empresas domésticas que negociam a múltiplos atrativos”.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.