Como as criptomoedas repetiram a crise financeira de 2008

Em pouco mais de uma década, o mercado cripto recriou o mesmo tipo de crise financeira que foi projetado para evitar

CoinDesk

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*Por David Z. Morris

Nos últimos dois meses, uma série de pilares aparentemente robustos da indústria cripto ruíram. Eles caíram como dominós e, ao atingirem o chão, se despedaçaram. Nossos pilares, ao que parece, eram feitos de vidro.

Uma aposta equivocada destruiu o balanço de um “hedge fund” cripto que se esqueceu de fazer hedge. Chamadas de margem foram acionadas para plataforma de empréstimos de criptomoedas, que, por sua vez, congelaram os saldos dos clientes. Títulos ilíquidos de longa data deixaram quase todo mundo na mão. Contrapartes não conseguiram honrar com empréstimos gigantescos.

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E, assim, centenas de bilhões de dólares se foram.

Em 6 de julho, o fundador e CEO da exchange FTX, Sam Bankman-Fried, declarou que esse catastrófico desenrolar da indústria cripto estava quase no fim. Mesmo que isso seja verdade, o trabalho de entender o que realmente aconteceu mal começou.

Graças à infraestrutura desse mercado, a rede de relacionamentos entre as partes é um pouco mais visíveis do nos mercados tradicionais. Mas ainda há muitos detalhes a serem descobertos.

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Em linhas gerais, sabemos exatamente o que aconteceu: alavancagem, dívida e outras relações comerciais baseadas em apostas alavancadas. O setor cripto encolheu dois terços, mas foi a alavancagem que transformou essa queda em uma sentença de morte para algumas empresas e para os saldos de seus clientes.

É tudo tão cansativo. Tudo tão familiar. Tudo muito parecido com a crise financeira de 2008, que, a propósito, foi justamente o que alimentou o interesse generalizado em criptomoedas.

A ironia é que algumas das entidades falidas até receberam uma espécie de “resgate”, na forma de linhas privadas de crédito e compras – assim como os bancos americanos resgatados pelo governo.

Uma das premissas de criptomoedas como o Bitcoin (BTC) era a eliminação ou redução da alavancagem no novo sistema financeiro. E aí entra em cena o aperto monetário promovido por boa parte das grandes economias, que planejam aumentar as taxas de juros ao mesmo tempo.

O “aperto das criptomoedas” mostrou que mesmo um título ao portador sem contraparte, ideal para prevenir tais crises, pode e será subvertido por engenharia financeira. Por mais que pensemos que aprendemos, a fragilidade humana ainda tende à ganância, à imprudência e, no final, ao caos.

Ainda há muito que não sabemos sobre o aperto dos criptoativos. Mas aqui está a tentativa de um primeiro rascunho da história.

Crise Financeira 1.0

Primeiro, algum contexto.

O entusiasmo em torno do Bitcoin tem muito a ver com o timing em que o projeto foi lançado – o primeiro bloco da criptomoeda foi minerado no início de 2009. Satoshi Nakamoto, o pseudônimo por trás da moeda, lançou sua invenção na esteira da crise financeira global de 2008. Na época, a desvalorização de um pequeno conjunto de ativos causou falhas em cascata entre instituições financeiras fortemente ligadas por dívidas compartilhadas.

Essas relações entrelaçadas colocaram todo o mundo financeiro e bancário em uma espiral quando todos faliram de uma vez, derrubando grandes instituições – como o banco de investimento Lehman Brothers e o conglomerado de seguros AIG – e deixando outras à beira da morte. Por sua vez, o aperto de crédito resultante levou a uma recessão, e todos nós tivemos que segurar o tranco por causa das decisões irresponsáveis de alguns.

A raiva resultante da crise estava presente desde os primeiros dias do Bitcoin. O white paper (manual) da criptomoeda é seco e técnico, mas as discussões de pré-lançamento entre os desenvolvedores nem tanto. Quando a blockchain do BTC foi lançada, as críticas aos bancos se tornaram quase uma doutrina: o primeiro bloco do Bitcoin continha uma referência aos resgates bancários do Reino Unido.

Treze anos depois, no entanto, alguns integrantes da indústria gerada pela ideia de Nakamoto ficaram parecidos com os mesmos inimigos de antes. Uma onda de colapsos atingiu “bancos de criptomoedas” que usavam dinheiro de clientes para fazer investimentos alavancados. Os fundos de investimento exploraram a falta de transparência de seus balanços para esconder seus perfis de risco e colher empréstimos que deixaram os clientes na mão.

Algumas dessas empresas, como a plataforma de empréstimos cripto BlockFi, até receberam “resgates” na forma de gigantes empréstimos privados, geralmente na forma de aquisições de parte das empresas. Elas, no entanto, não apresentam o mesmo risco que os resgates de players do mercado financeiro em 2008, financiados pelos contribuintes. O capital que salva o mercado cripto vem de investidores privados (sobretudo, a FTX de Sam Bankman-Fried).

A criptomoeda que colapsou

As finanças são, em última análise, uma maneira de transformar promessas sobre o futuro em dinheiro. É uma maneira de ser pago agora com base em algo que pode (ou não) acontecer em dois, cinco ou 10 anos. Isso é especialmente verdadeiro para as criptomoedas, que têm valores e patrimônios muitas vezes dependentes da enorme visão de alguém sobre uma revolução tecnológica distante.

Poucas visões do futuro desapareceram tão rapidamente e de forma tão vergonhosa quanto a de Do Kwon, fundador da “stablecoin” algorítmica TerraUSD (UST) e de sua cripto irmã Terra (LUNA). O projeto acabou se revelando, em essência, um esquema Ponzi, sustentado por juros insustentáveis pagos sobre depósitos em um “pseudo-banco” chamado Anchor.

Na narrativa do Great Unwind, a Luna é a maior culpada de toda a história. Outros ativos que enfraqueceram as instituições cripto causaram problemas de liquidez, mas LUNA e UST foram os únicos criptoativos que simplesmente entraram em colapso e caíram para zero graças a um tokenomics (conceito para se referir à economia do projeto) com design ruim. É bastante impressionante – você realmente tem que trabalhar duro para fazer um token perder todo o seu valor.

Como a maioria desses golpes, o esquema ponzi do ecossistema Luna só funcionou enquanto os mercados tendiam para cima. No momento em que esses mercados começaram a reverter no final de 2021, a situação mudou. Quando o projeto implodiu totalmente em maio, destruiu US$ 68 bilhões em questão de dias – um dos eventos de destruição de riqueza mais vertiginosos da história.

Esse colapso já teria sido ruim o suficiente se fosse isolado. As histórias de usuários individuais que perderam suas economias no protocolo Anchor são sombrias. Mas alguns gerentes de alto perfil (supostamente inteligentes) também falharam nesse teste de QI financeiro – e foi aí que o verdadeiro problema começou.

O trio do apocalipse cripto

Se o colapso da LUNA foi a faísca que desencadeou o Great Unwind, o fundo hedge de cripto Three Arrows Capital foi a fábrica de dinamite onde a faísca caiu. E havia muita dinamite por lá.

Com US$ 18 bilhões em ativos sob gestão em seu pico, o Three Arrows, também conhecido como 3AC, era uma mistura de fundo de risco e fundo de hedge. Foi alegado que também operava secretamente como um serviço de corretagem de primeira linha, permitindo que parceiros amigáveis negociassem em suas contas.

Os cofundadores do 3AC, Su Zhu e Kyle Davies, foram os queridinhos do mundo cripto por anos, e acreditava-se que o fundo estava trabalhando inteiramente com seu próprio dinheiro – quando uma empresa atua dessa forma, é chamada de “prop shop” no mercado financeiro.

Mas à medida que suas várias apostas deram errado, ficou cada vez mais claro que o 3AC estava envolvido em uma variedade de fraudes graves. Mais descaradamente, o fundo parece ter emprestado grandes quantias de uma variedade de contrapartes que desconheciam os níveis de dívida total da empresa.

Agora, o Three Arrows está em liquidação e o paradeiro de Zhu e Davies é descrito como “desconhecido” nos registros de sua própria equipe jurídica – embora Zhu tenha quebrado um longo silêncio no Twitter na manhã de 12 de junho.

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Esses empréstimos “imorais” e nada transparentes são semelhantes aos movimentos que levaram o Lehman Brothers ao cemitério em 2008. Também são parecidos com aqueles que geraram o colapso do fundo de hedge Long Term Capital Management em 1998 e, mais recentemente, do Archegos, do investidor americano Bill Hwang.

Durante a crise de 2008, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central do EUA), Ben Bernanke, teria visto o Lehman como o mais imprudente dos grandes bancos de investimento expostos a títulos lastreados em hipotecas e CDS (credit default swap). Nos relatos da época, há uma forte sensação de que o CEO do Lehman, Dick Fuld, era tão arrogante pessoalmente quanto em seus negócios financeiros.

Isso também aconteceu com o Three Arrows. As posições do fundo, assim como a posição imobiliária do Lehman, tinham muita alavancagem, grande parte no preço do Bitcoin (BTC). Zhu Su articulou uma teoria do “superciclo do BTC”, que faria a criptomoeda bater em US$ 100.000 ou mais. Então, quando o mercado mais amplo começou a cair em novembro de 2021, o 3AC já era um homem morto andando. A seguinte enxurrada de chamadas de margem e avisos de resgate simplesmente expôs suas falhas.

E o fundo fez apostas de risco ainda mais altas do que as posições alavancadas em BTC. O Three Arrows teria investido US$ 200 milhões na criptomoeda LUNA em fevereiro. Essa participação cresceu para até US$ 600 milhões, já que a LUNA passou por uma grande alta. Agora o ativo vale zero.

O ecossistema Luna, no entanto, foi apenas uma das três feridas mortais que mataram o 3AC. Os outros dois não eram fraudes, mas títulos ilíquidos que o fundo não conseguia vender quando precisava de dinheiro para cobrir seus empréstimos: o Lido staked ETH (stETH) e o fundo Grayscale Bitcoin Trust (GBTC).

Em janeiro de 2021, o 3AC anunciou uma posição de US$ 1,2 bilhão no GBTC, da gestora de ativos digitais Grayscale. O GBTC, essencialmente uma solução legal para instituições que desejam exposição ao BTC, não pode ser facilmente trocado por Bitcoin. Isso não é um grande problema em períodos de alta – quando o 3AC comprou o GBTC, ele estava sendo negociado com um prêmio de quase 20% acima do BTC, provavelmente porque tinha poucos concorrentes para acesso institucional.

Mas logo que o Three Arrows se expôs ao fundo, os detentores de GBTC começaram a tirar lucros desse prêmio, e os concorrentes chegaram na forma de ETFs (fundos negociados em bolsa) canadenses de Bitcoin. Em agosto de 2021, a negociação com prêmio deu lugar à negociação com desconto de aproximadamente 15%. Na prática, isso significava que o Three Arrows estava profundamente submerso em sua enorme posição ao GBTC.

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O desconto do GBTC agora aumentou para mais de 30%, uma oportunidade de compra potencialmente insana para touros de BTC (que acreditam na alta da moeda) de longo prazo com dinheiro em mãos. Mas Matt Walsh, fundador da empresa de capital de risco Castle Island, especula que a desconexão do GBTC foi o primeiro acontecimento a abalar o Three Arrows, que se viu preso em uma posição de GBTC degradada e assumiu riscos cada vez maiores – inclusive em LUNA – enquanto tentava desesperadamente preencher o buraco.

Então, seguindo essa praga de gafanhotos, veio o stETH. O stETH é um token emitido em troca de Ether mantido no protocolo de staking (método de renda passiva) Lido. Esse ativo será convertido em Ether em uma data futura incerta quando a atualização “Merge” do Ethereum, que transformará o mecanismo da rede em prova de participação (proof-of-stake, ou PoS), for concluída.

Isso torna o token essencialmente um título ETH tokenizado com vencimento desconhecido. O StETH pode ser comprado e vendido, mas não pode ser usado no Ethereum, por isso é bastante natural que seja negociado com desconto em relação ao Ether.

A venda aparentemente forçada de stETH do 3AC ocorreu quando esse desconto estava em torno de 10%, um corte potencialmente devastador – mesmo ignorando a própria queda do ETH (a cripto caiu cerca de dois terços em 2022) – em comparação com os retornos se o 3AC fosse líquido o suficiente para aguardar a atualização do projeto.

A queda do 3AC

Entre essas apostas nada líquidas, a falha do ecossistema Luna e o declínio macro impulsionado pelo Bitcoin, o 3AC enfrentou uma onda intransponível de chamadas de margem das exchanges onde havia negociado. Também tinha grandes empréstimos, às vezes sem garantia.

Parece agora que, apesar de um tuite enigmático de Su Zhu em 12 de junho, o 3AC não estava de fato “comprometido em resolver isso” com sua série de credores. Em vez disso, tem exchanges fantasmas e outras contrapartes.

A plataforma Genesis Trading teve um prejuízo de “centenas de milhões de dólares”, enquanto outras corretoras conseguiram vender e saíram mais ou menos intactas – a BitMEX, por exemplo, diz que o 3AC ainda deve US$ 6 milhões.

A plataforma de empréstimos cripto Voyager Digital, em uma demonstração de quão confiável o Three Arrows era, deu ao fundo US$ 650 milhões em empréstimos não garantidos – ou seja, empréstimos sem garantias que poderiam ser resgatados se as coisas dessem errado.

A Voyager declarou falência nesta semana em grande parte porque, com o 3AC agora em liquidação, não está claro se ou quando receberá uma parte desses fundos de volta. Parece que os depositantes de varejo da Voyager não devem receber todo o seu dinheiro de volta.

Os credores e as exchanges não foram as únicas entidades que levaram rasteira do Three Arrows. Um porta-voz de um protocolo em que o 3AC investiu afirmou que o fundo também administrou o tesouro do projeto, que agora está tão perdido quanto todo o restante do dinheiro.

Além disso, de acordo com a mesma fonte, o 3AC atraiu projetos oferecendo 8% de juros. Essa alta taxa fixa sugere que isso pode ter sido menos um serviço generoso e mais uma maneira de Zhu e Davies obter “fichas” para jogar.

Esses e outros comportamentos levaram pelo menos alguns a concluir que o Three Arrows não era simplesmente um fundo de hedge falido, mas uma farsa total. Walsh, da Castle Island, no podcast “On the Brink”, condenou veementemente as supostas ações da empresa.

“Isso não é apenas um investimento ruim”, disse ele. “Com base no que estamos começando a aprender sobre o 3AC, isso é uma grande fraude. É uma fraude ao estilo de Bernie Madoff (norte-americano responsável pelo maior golpe financeiro dos EUA). São pessoas más”.

Sem bancos, mas nem tanto

As travessuras do 3AC terão efeitos de longo prazo, já que os credores e startups que perderam fundos ficaram completamente sem dinheiro. Mas outros fatores também ajudaram a transformar os mesmos erros especulativos em dor para investidores de varejo iniciantes em criptomoedas.

“Plataformas de empréstimo” sem transparência e centralizadas, incluindo Celsius e Babel Finance, foram expostas ao 3AC, Luna, stETH e outros riscos, principalmente porque estavam buscando retornos altos e assumindo grandes riscos para entregá-los.

O empréstimo não garantido de US$ 650 milhões da Voyager para o Three Arrows também pode ter sido uma busca de rendimento e, em retrospecto, parece o equivalente a pular de um avião sem paraquedas. Em meio a tudo isso, outra plataforma de empréstimos, a BlockFi, conseguiu aniquilar US$ 1 bilhão em fundos de investidores. Então parabéns para eles, eu acho.

Esses riscos foram escondidos dos depositantes, para quem o discurso de venda do protocolo Celsius – “Unbank Yourself” (Desbancarize-se, em tradução livre) – acabou sendo terrivelmente preciso.

O enorme empréstimo não garantido da Voyager para o Three Arrows pode ser a transação mais estúpida do desenrolar do mercado de criptomoedas em 2022. Mas o caso das plataformas de empréstimo é um pouco mais sutil e interessante.

É bom entender a diferença entre Celsius e as finanças descentralizadas, ou DeFi, uma categoria na qual os credores geralmente se afiliam de maneira enganosa. No nível mais alto, os protocolos DeFi são executados inteiramente na blockchain, enquanto Celsius, BlockFi, Babel e similares eram entidades financeiras centralizadas tradicionais que colocariam seu dinheiro em DeFi e outros investimentos e colheriam lucros em seu nome.

Eles se venderam como uma alternativa aos bancos tradicionais, aumentando muito os eventuais danos infligidos. É por isso que às vezes são chamados pejorativamente de “CeFi” – lobos centralizados em pele de ovelha descentralizada.

Porque nos bastidores eles estavam mais perto de ser algum tipo de fundo de hedge de retorno fixo, engajados em constantes apostas de alto risco com o dinheiro dos depositantes. E, mais uma vez, esses fundos de hedge se esqueceram de fazer hedge.

Por outro lado, os protocolos de negociação financeira descentralizada, stablecoins e empréstimos, incluindo MakerDAO, Compound (COMP) e Curve, ficaram basicamente ilesos nessa crise. Eles perderam muitos usuários e volume, mas não ficaram endividados porque não puderam aproveitar a alavancagem.

Em vez disso, todos os empréstimos deles são supercolateralizados – ou seja, você precisa lançar algo como US$ 2.000 em ETH para emprestar US$ 1.000 em outra coisa, e você será liquidado automaticamente se sua garantia cair abaixo ou perto do seu empréstimo.

Essas regras não poderiam ser quebradas. Teria sido completamente impossível para o 3AC tirar um enorme empréstimo sem garantia do Compound, e é por isso que o protocolo ainda está em execução e a Voyager Digital está na estrada da morte.

Então, por mais louco que possa parecer usar um banco ou exchange de ativos sem proprietários, essa falta de um backstop (apólice de seguro) forçou os sistemas a terem premissas financeiras extremamente conservadoras. Os humanos, ao que parece, sempre foram os perigosos.

E talvez nenhum credor humano fosse mais perigoso do que o CEO da Celsius, Alex Mashinsky, que igualou ou superou Do Kwon com fanfarrice e más ideias, até o dia em que a operação de seu protocolo implodir sob seus pés.

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A Celsius foi fundada com a premissa de que aceitaria depósitos de criptomoedas no varejo e depois emprestaria esses tokens a traders institucionais a taxas altas. Por um tempo, havia demanda de empréstimos suficiente para fazer isso funcionar. Mas, eventualmente, a plataforma começou a se envolver em um comportamento muito mais arriscado, pois buscava altos rendimentos para todos os US$ 12 bilhões sob sua gestão.

A mudança para estratégias mais arriscadas provavelmente ocorreu por causa do aumento dos depósitos em resposta às suas ofertas de alto rendimento, combinadas com o declínio do interesse institucional graças ao esfriamento do mercado cripto, iniciado no final de 2021.

A Celsius começou fazendo empréstimos garantidos principalmente para traders institucionais, embora eles deturparam isso, mesmo no início. A partir daí, eles eventualmente progrediram para se envolver em yield farming (um outro método de rendimento) apostando fundos de clientes em todos os protocolos DeFi.

Essa foi uma estratégia de risco muito maior que, assim como no caso de um hack de US$ 50 milhões da BadgerDAO envolvendo o protocolo, explodiu na cara da Celsius.

Em outro caso, Alex Mashinsky teve uma sorte ridícula. A plataforma supostamente começou a depositar no sistema Anchor da Luna em dezembro, onde teria coletado algo como 20% de rendimento nominal – mais do que suficiente para cobrir seus pagamentos aos depositantes, com um pouco mais de dinheiro.

Mas o protocolo mal conseguiu sacar US$ 500 milhões antes que o sistema derretesse completamente em maio. No caso, assumiu riscos imensos para retornos modestamente acima da média. Fez isso com o dinheiro de outras pessoas.

Se você joga jogos estúpidos, eventualmente ganha prêmios estúpidos. Mas se suas afirmações de que o protocolo é seguro e estável forem consideradas enganosas para os depositantes, Mashinsky pode acabar com o mesmo prêmio já concedido a Yaron Shalem, ex-diretor financeiro da plataforma preso por envolvimento com lavagem de dinheiro: um par de algemas.

Contágio

Embora inevitavelmente tenhamos deixado de fora alguns detalhes, esse é o esboço básico do Great Crypto Unwind. Mas seus impactos foram sentidos por muitos outros além daqueles que foram diretamente expostos a entidades como 3AC, Celsius ou Voyager Digital. Pela mesma razão que um mercado imobiliário em deflação bloqueou toda a economia em 2008, problemas em algumas entidades cripto ecoaram por toda parte.

A maneira mais fácil de ver isso é simplesmente no preço dos criptoativos blue chips, como Bitcoin e Ethereum. É verdade que esses ativos começaram a cair constantemente a partir de novembro de 2021 por causa das condições macroeconômicas, e essas pressões continuaram em paralelo com o impacto do desaquecimento do crédito.

Mas se você olhar para datas específicas, não é difícil apontar quedas abruptas e repentinas de preços por causa de fraudes perpetradas por CEOs e altas apostas imorais.

O caso da stablecoin UST tornou-se publicamente óbvio entre 9 e 12 de maio deste ano, enquanto o BTC caiu impressionantes 27% entre os dias 5 e 11 do mesmo mês. Embora o descolamento da UST e da LUNA não tenha envolvido diretamente o BTC, criou muita pressão de venda da cripto por aqueles que precisavam cobrir as perdas com o ecossistema Luna. Também, mais obviamente, criou uma espécie de contágio de confiança, já que muitos novos entrantes em criptomoedas pareciam não entender a distinção entre a cripto LUNA e outros ativos.

Pouco mais de um mês depois, os problemas do Three Arrows tornaram-se públicos, exatamente no dia 14 de junho. Isso coincidiu com outro gigantesco despejo macro, visto que o BTC caiu mais 26% entre 12 e 17 de junho. Novamente, isso envolveu uma vaga perda de confiança, e sabemos que o 3AC estava no processo de várias estratégias de liquidação, então neste caso houve provavelmente alguma pressão de venda direta.

Em ambos os episódios, você notará que as quedas começaram pouco antes das más notícias chegarem a sites públicos como o CoinDesk. Isso aponta para uma verdade difícil sobre o setor cripto e sobre os mercados financeiros em geral – os insiders geralmente sabem o que está acontecendo primeiro graças a redes de sussurros que meros plebeus não têm acesso.

Muita alavancagem

É um pouco cedo para aprender lições dessa bagunça, porque outros players ainda podem cair – entidades que estão superalavancadas ou fizeram empréstimos imprudentes para os superalavancados, mas conseguiram aguentar por algumas semanas ou meses sem revelar seus erros.

Um insight importante para aqueles que tentam evitar perdas é o seguinte: as empresas que entraram tardiamente no jogo cripto são muito mais propensas a fazer apostas alavancadas enquanto tentam alcançar players mais estabelecidos. Uma razão pela qual a Alameda Research está em posição de resgatar parceiros em dificuldades é que ela foi fundada em 2017 e aparentemente dependeu principalmente do crescimento orgânico.

No longo prazo, recomendo arquivar os nomes dos culpados individuais e guardar a lista para referência futura. Caráter e julgamento obviamente contam quando as pessoas estão pedindo para administrar seu dinheiro, e figuras como Do Kwon, Alex Mashinsky, Su Zhu e Kyle Davies claramente falharam em uma ou ambas as medidas. Eles merecem ser banidos do setor financeiro pelo resto de suas vidas. Pelo menos em alguns casos, isso vai acontecer – aposto que é difícil administrar um banco paralelo da prisão.

Mas as questões mais importantes são sistêmicas. Obviamente, havia muitos empréstimos em andamento, e indivíduos amplamente confiáveis parecem ter mentido sobre suas dívidas. Isso é teoricamente uma questão regulatória. Mas mesmo que fosse universalmente desejado, um regime regulatório global de criptomoedas não parece muito plausível agora.

Há muito mais potencial em soluções pontuais que retomam a ideia original de autocustódia das criptomoedas. Lembre-se, os depositantes da Celsius realmente enviaram seus Bitcoins para um cara na internet, e é por isso que eles não os têm agora. Por um token semelhante, uma porcentagem de usuários foi enganada ao aceitar receber “rendimentos” em uma moeda corporativa da plataforma, chamada CEL.

Muitas vítimas de varejo ficarão longe por um longo tempo, se não permanentemente. Isso é um dano à visão que viemos buscar aqui, e serão necessários operadores de princípios para reconstruir a confiança geral. Por outro lado, para muitas pessoas, não há melhor lição do que ser roubado. Temos que esperar que eles passem algum tempo pensando sobre onde exatamente erraram e ajudem a educar outras pessoas a respeito do mercado cripto.

Isso foi uma grande parte das consequências dos ciclos cripto anteriores. Mas a verdade é que, graças à alavancagem e a alguns players centralizados, essa crise provavelmente dói muito mais do que o brutal inverno cripto de 2018-2019. Pelo menos quando sua shitcoin (termo usado para identificar criptos inúteis) do boom de 2017 perdeu valor, você conseguiu mantê-las e pensar vagamente: “bem, talvez algum dia [elas possam valer algo]!”

Mas graças a figuras malignas e incompetentes como Alex Mashinsky e Do Kwon, muitos potenciais convertidos ao mercado de criptomoedas ficaram sem nada.

*David Z. Morris é colunista chefe da página Insights do CoinDesk.

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