Com Bolsa em baixa, juros e dólar em alta, mercado sente impacto do drible no teto de gastos: o que esperar para os ativos?

Economistas têm elevado previsões para Selic e já veem alta de 1,5 ponto percentual na reunião do Copom semana que vem; PIB deve ser afetado

Lara Rizério Mariana Zonta d'Ávila

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SÃO PAULO – Os últimos dias têm sido particularmente conturbados para o Ibovespa em meio ao debate sobre como financiar o novo Auxílio Brasil e a saída de secretários do ministério da Economia, com o benchmark da Bolsa no pior patamar em 11 meses, na casa dos 107 mil pontos, o dólar flertando com os R$ 5,70 e os juros em disparada.

As notícias recentes e a considerada “manobra” para elevar o teto de gastos e manejar espaço para conseguir financiar o programa têm estressado a curva de juros e levado equipes econômicas de bancos e casas de análise a revisarem para baixo a projeção para o PIB e para cima a projeção para a Selic, com os DIs já sinalizando um juro de 11% no ano que vem e com o Comitê de Política Monetária (Copom) podendo elevar os juros em até 1,50 ponto percentual na decisão de semana que vem, com a Selic podendo ir de 6,25% para 7,75% ao ano.

Nesta semana, o risco fiscal se agravou fortemente: o governo anunciou um Auxílio Brasil de R$ 400 que seria parcialmente bancado com recursos fora do teto de gastos sendo que, na quarta-feira, Paulo Guedes (ministro da Economia), pediu “licença” (ou o waiver) para furar o teto, o que impactou fortemente o mercado.

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A “solução” que foi encontrada foi a revisão do teto de gastos, para conseguir acomodar o Auxílio. A mudança das regras é referente à troca do período em que será calculada a inflação (pelo IPCA), de junho a julho para janeiro a dezembro, retrativo a 2016, liberando assim uma folga fiscal adicional de R$ 39 bilhões, além de mais R$ 40 a R$ 50 bilhões que surgirão com os precatórios, sendo um total estimado em torno de R$ 83 bilhões.

A saída chegou a ser até bem recebida por alguns investidores, com o Ibovespa amenizando as quedas, para cerca de 3%, após baixa de 4,5% na mínima do dia, que foi desencadeada também após a fala de Jair Bolsonaro de um auxílio para caminhoneiros autônomos. O índice fechou o pregão com queda de 2,75%.

Como um descontrole das contas públicas implica em inflação mais alta e juros maiores, os contratos DI também vêm apresentando altas expressivas nos últimos dias. Na véspera, nas máximas do dia, alguns vencimentos chegaram a avançar 90 pontos-base. Amenizaram os ganhos, mas ainda assim tiveram alta de dois dígitos nos principais contratos. O DI para janeiro de 2023 subiu 32 pontos-base, a 10,48%; DI para janeiro de 2025 subiu 35 pontos-base a 11,49%; e o DI para janeiro de 2027 registrou alta de 32 pontos-base, a 11,80%.

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A curva de juros passou a precificar altas acima de 1 ponto para as reuniões do Copom de dezembro e fevereiro, com possibilidade de a Selic chegar aos dois dígitos ainda no primeiro trimestre de 2022.

Revisões de projeções: juros mais altos, PIB mais baixo

Com o cenário de incerteza fiscal no Brasil, associado também a um ambiente externo mais conturbado, com aumentos dos juros nos EUA, menor crescimento da China e uma crise na cadeia de suprimentos, diversas casas passaram a revisar nesta semana as suas estimativas para a economia.

O Bradesco BBI reduziu, de 1,6% para 1,2% a projeção de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) para 2022. “Embora deva estar claro que ventos contrários globais serão visíveis e presentes no futuro, as principais razões para nossa projeção ficar em torno de 1% são essencialmente domésticas”, escreve o time de economistas, em relatório.

Também houve revisão para cima na taxa básica de juros, a Selic, de 9,25% para 9,50% no início de 2022. A estimativa para o fim deste ano, contudo, foi mantida em 8,25% ao ano.

Para o fim do próximo ano, o Bradesco BBI vê a Selic chegando a 8,50%, ante projeção anterior de 8,00%.

Com relação ao câmbio, as estimativas do banco apontam agora para dólar negociado a R$ 5,50, ao fim de 2021, e a R$ 5,70, em dezembro de 2022.

“Focando nos números cruciais de 2022, vemos o ano como um todo ainda complicado, com questões fiscais pendentes, principalmente com relação à execução desse orçamento dentro do calendário de 2022”, escrevem os economistas.

Na avaliação do time, que foi feita antes do anúncio de ontem da revisão do teto, mesmo com a pouca clareza do cenário fiscal, um impulso fiscal extremo e a revogação oficial do teto de gastos não sendo prováveis, a abordagem de estratégias não convencionais poderia acabar colocando em risco a credibilidade da execução fiscal.

“Isso é um erro quando a dívida pública já está muito alta e o serviço da dívida sobe, com a alta necessária da Selic para conter as pressões inflacionárias. Esse ruído fiscal mais recente se transforma em um sinal negativo (ou seja, para o risco-país e para os prêmios da taxa de juros) na hora errada”, completa o Bradesco BBI.

Nesse contexto, o JPMorgan também revisou as suas projeções para a economia. Na quinta-feira, Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, economistas do banco, destacaram a piora das projeções fiscais, além do cenário mais desafiador.

Com isso, elevaram a 125 pontos-base sua projeção de aumento da taxa Selic pelo Banco Central nas próximas duas reuniões do Copom, com o BC forçado a acelerar o ritmo de aperto monetário devido à deterioração do balanço de riscos para a inflação.

O banco elevou para 9% a estimativa para a inflação medida pelo IPCA este ano, citando ainda pressões de preços locais e globais “mais persistentes”.

Para os economistas, a estimativa é de que o BC vá elevar a Selic em 1,25 ponto percentual ao fim do encontro do Copom dos dias 26 e 27 de outubro e também na mesma magnitude no término da reunião de 7 a 8 de dezembro. Para a primeira reunião de 2022, o aumento seria de 1 ponto percentual, saindo dos atuais 6,25% para um patamar terminal de 9,75% – ante 9% estimados até então pelo banco.

“Acreditamos que o Banco Central deve e vai reagir à deterioração acelerando o ritmo de aperto”, apontaram. “O risco de piora nas perspectivas fiscais até o término do ano e o ambiente global mais desafiador ainda exigem cautela, e não descartamos um movimento ainda mais agressivo pelo Banco Central, seja antecipando o movimento com um aumento de 150 pontos-base na próxima semana ou prolongando ainda mais o ciclo em direção a uma taxa terminal mais alta no próximo ano”, completaram.

Para o JP, as condições financeiras mais apertadas vão pesar sobre o crescimento de 2022, e, por isso, enxergam mais riscos de baixa ao prognóstico do JPMorgan de expansão de 0,9% do PIB no ano que vem.

À Reuters, Caio Megale, economista-chefe da XP, destacou que a chance de Selic acima de 10% cresceu, “a inflação (de 2022) não será mais de 3,9%, e o câmbio não será o de R$ 5,10”, afirmou, citando as atuais projeções da casa, que vê a taxa de juros terminal, por ora, em 9,25%.

“A gente agora está discutindo se vai ser 125 pontos-base ou 150 pontos-base”, disse Megale, sobre a alta da Selic na reunião do Copom da próxima semana.

A Legacy Capital espera que o Banco Central suba a taxa básica de juros em 150 pontos-base nas próximas reuniões do Copom e leve a Selic até 11%, em meio a uma “trajetória perversa” de revisões inflacionárias, disse Gustavo Pessoa, um dos sócio fundadores da gestora.

O modelo de inflação do BC deve subir de 3,70% para 4,30% em 2022, afirmou à Bloomberg, apontando que o teto dos gastos está sendo rompido “da pior forma possível”.

“O furo no teto para o ano que vem já está se aproximando de R$ 100 bilhões. A trajetória de dívida dificilmente convergirá com a recessão que devemos ter em 2022 e com o novo patamar de juros reais com o qual iremos trabalhar”, aponta Pessoa.

O UBS BB também revisou as suas projeções, elevando a estimativa de aumento da Selic em outubro de 1 ponto para 1,5 ponto. A projeção para a Selic no fim de 2021 subiu de 8,25% para 9,25%, enquanto a projeção no fim do ciclo foi de 9,25% para 10,25%. Já a projeção para o IPCA em 2022 foi elevada de 3,5% para 4%.

O que esperar para o mercado

Na véspera, a manobra para acomodar o programa ao teto de gastos recebeu uma forte reação de analistas do mercado.

Gustavo Taborda, economista e assessor da PHI Investimentos, destacou que já se esperava uma quinta-feira bem difícil após a fala de Guedes de uma “licença” para furar o teto.

“O teto de gastos foi criado com a intenção de limitar esse tipo de despesa, para o governo manter o controle fiscal do país. Vai totalmente contra a proposta inicial de um ajuste fiscal um pouco mais forte. Ele está fazendo exatamente o contrário disso. Com a expectativa de que esse furo do teto de gastos seja agregado à PEC dos precatórios, abrindo um espaço fiscal de cerca de R$ 80 bilhões, o grande problema que o mercado vê é que a regra não está sendo cumprida. Existe uma regra e o teto de gastos foi criado justamente para evitar situações como essa. Contudo, quando ela surge, o que o governo faz é uma manobra para contorná-la”, aponta.

Ele complementa ainda que, ao mesmo tempo que a inflação sobe muito, as reformas do governo não avançam, com a reforma do Imposto de Renda “presa” no Senado. Assim, o cenário é de cautela e incerteza por essa indefinição.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, aponta para dois complicadores para o mercado, com a perspectiva de utilização do expediente fiscal na eleição e a piora dos indicadores no ano que vem.

“O descalabro fiscal num passado muito recente no Brasil gerou inflação alta e isso pode acontecer novamente. Os investidores não operam proativamente, eles operam reativamente. E o que acontece agora é uma reação às notícias de que não vai ter controle fiscal nem reformas, tudo isso porque o expediente agora, antecipado em um ano, virou a eleição”, apontou Vieira.

“O mercado vê o teto de gasto como o último e talvez principal guardião das contas públicas. Esses movimentos que foram revelados têm sido vistos com maus olhos”, explica Fernando Martin, analista da Levante.

Contudo, ele aponta que a recomendação da equipe de análise da casa para os investidores em Bolsa é manter a calma, ainda que uma revisão de portfólio, como uma maior alocação em NTN-Bs [Tesouro IPCA+] 2026, deva ser considerada.

Mas a equipe de análise da casa avalia que, ainda que o cenário no curto prazo seja desafiador, ainda há boas empresas na Bolsa e boas oportunidades no mercado, cujo desempenho será menos afetado pelo abandono da proposta de austeridade fiscal e por suas temíveis consequências, como o aumento da inflação.

Nesta semana, o Itaú BBA selecionou um portfólio na Bolsa para investir em tempos turbulentos, dada uma menor exposição à economia brasileira, ou então, que se beneficie, de alguma forma, da alta da inflação e de um dólar mais elevado. Compõem a seleção Carrefour (CRFB3), Eneva (ENEV3), Gerdau (GGBR4), JBS (JBSS3) e WEG (WEGE3). Saiba mais clicando aqui. 

No curtíssimo prazo, contudo, a expectativa é de mais volatilidade para os investimentos em renda variável no geral e também no câmbio, principalmente após a notícia, depois do fechamento do mercado, de uma debandada de secretários do ministério da Economia. Dentre eles, o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt. Na véspera, o ETF EWZ caiu cerca de 2% no after market da bolsa americana após a notícia.

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, a questão passa a ser como o ministro Paulo Guedes vai reagir.

“A saída dos secretários mexe no mercado em qual sentido, será que o Paulo Guedes vai continuar aguentando essa corda esticar? Essa vai ser a grande pergunta de sexta-feira no mercado financeiro, que vai ficar bastante agitado”, avaliou.

Nesse ambiente, a projeção é de continuidade da alta do dólar que, na visão do economista, pode bater os R$ 6 em breve se a postura do governo continuar e com o Ibovespa podendo chegar aos 100 mil pontos rapidamente, se o governo continuar “esticando a corda”.

Segundo Agostini, a reversão do cenário pessimista vai depender de uma afirmação de Guedes de que a situação vai ser controlada e que os nomes dos novos secretários tenham o aval do mercado.

“O panorama é de uma preocupação muito grande porque o governo Bolsonaro tem flertado com o populismo. Nós vimos, principalmente no governo Dilma [Rousseff], que o populismo levou em 2015-2016 ao pior momento econômico desde a década de 30, com uma queda acumulada do PIB de mais de 7%. É essa a preocupação do mercado”, avalia.

O economista complementa: “o governo vem flertando com o populismo, que pode levar o país a ter uma situação de recessão em 2022. Essa é a preocupação que afeta investimentos, juros, inflação, toda a dinâmica macroeconômica. É um retrocesso em um momento em que o mundo está crescendo, se recuperando – e o Brasil dá um passo atrás”.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.