Relator incorpora mudança no teto de gastos e abre espaço de R$ 83 bilhões para Orçamento de 2022

Texto é visto como fundamental para abrir espaço para novo programa social que deverá substituir o Bolsa Família

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Os integrantes da comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios (PEC 23/2021) reúnem-se nesta quinta-feira (21) para analisar o novo parecer apresentado pelo relator Hugo Motta (Republicanos-PB). O texto abre espaço de cerca de R$ 83 bilhões no Orçamento de 2022, com uma trava para o pagamento das dívidas judiciais do governo e mudança na metodologia do teto de gastos. Acompanhe a sessão ao vivo pelo vídeo acima.

A PEC busca limitar os recursos destinados ao pagamento de precatórios ‒ que são dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de recurso ‒ mas também modifica a regra do teto de gastos, liberando recursos no Orçamento do ano que vem e facilitando a execução de políticas públicas de interesse do governo federal.

No caso dos precatórios, a ideia, segundo defensores da medida, é conferir previsibilidade às despesas e condicioná-la às regras fiscais que incidem sobre outras rubricas da peça orçamentária. O texto é visto como fundamental para garantir a criação do Auxílio Brasil ‒ novo programa de transferência de renda que o governo pretende tirar do papel para substituir o Bolsa Família.

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A expectativa inicial era que o parecer fosse votado pela comissão na terça-feira (19), mas uma disputa entre a ala política e a equipe econômica do governo federal inviabilizou a definição do desenho para o Auxílio Brasil e provocou o adiamento da análise da PEC pelo colegiado. Uma nova sessão chegou a ser marcada para o dia seguinte, mas foi novamente cancelada.

O Palácio do Planalto marcou, na terça-feira, uma cerimônia para anunciar a criação do programa, com repasse médio mensal de R$ 400,00 às famílias contempladas ‒ valor 33% superior ao anteriormente debatido no governo. A equipe econômica indicava haver espaço orçamentário para os R$ 300,00 que vinham sendo pagos com o auxílio emergencial neste ano.

Os R$ 100,00 restantes seriam cobertos com recursos fora do teto de gastos, somando um impacto estimado em R$ 30 bilhões adicionais às contas públicas até dezembro de 2022. A percepção de maior risco fiscal pesou nos mercados, derrubando o Ibovespa e provocando alta do dólar e dos contratos de juros futuros.

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Ontem, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou que o pagamento do Auxílio Emergencial seria de R$ 400,00 e reiterou que respeitaria o teto de gastos, embora não tenha indicado a fonte de recursos para o programa.

Durante a tarde, o ministro João Roma (Cidadania) anunciou o reajuste permanente de 20% em todas as faixas do Bolsa Família e que o novo programa começaria a ser pago em novembro. O número de famílias beneficiárias saltaria de 14,7 milhões para algo próximo a 17 milhões.   Roma também reforçou que nenhuma família receberia menos de R$ 400,00 até dezembro de 2022. Para alcançar esse valor, uma parte do pagamento seria feita na forma de “benefício transitório”.

Poucas horas depois, o ministro Paulo Guedes (Economia) sinalizou que, para viabilizar o benefício, o governo pode pedir uma licença (“waiver”) para gastar R$ 30 bilhões fora do teto de gastos ou antecipar a revisão do indexador da regra fiscal, prevista inicialmente para 2026 (quando a regra completa dez anos de vigência). A fala foi muito mal recebida por investidores.

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Após idas e vindas, o governo chegou a um acordo de antecipar a revisão da metodologia do teto de gastos, inicialmente prevista para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência, conforme determina a Constituição Federal. Hoje, a regra permite a atualização dos gastos públicos pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

A ideia é passar o período para janeiro a dezembro, atualizando retroativamente os valores do teto desde 2016. Na prática, isso faria com que o teto de gastos para o ano que vem saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões), considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação. Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%.

Considerando as projeções do último Relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 8,69% no acumulado do ano, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 46,83 bilhões no teto de gastos.

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Agentes econômicos têm observado a movimentação com incômodo, como uma saída conveniente e injustificável para se modificar a metodologia da âncora fiscal do país. A medida abre espaço para mais gastos do governo federal no ano em que o presidente Jair Bolsonaro disputará a reeleição.

As mudanças no teto de gastos foram incorporados ao relatório do deputado Hugo Motta para a PEC dos Precatórios, aproveitando a tramitação da matéria no Congresso Nacional.

Além do espaço aberto com a mudança no teto de gastos, o relator estima que as mudanças nas regras para o pagamento dos precatórios permita um respiro adicional entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões para o governo federal. Nos seus cálculos, todas as mudanças deverão abrir espaço de R$ 83 bilhões para o governo no ano que vem.

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“Temos mais de 300 pessoas que estão morrendo, nossa economia não se recuperou, a inflação está alta – e não é só aqui, é no mundo todo. O dólar com valor alto – isso incide diretamente no preço da alimentação, dos combustíveis, do nosso custo de vida. Nós não podemos negar isso. E nossa disposição de poder trazer para o nosso texto essa saída foi, justamente, para que continuássemos a obedecer esse teto de gastos e mudássemos apenas [o período], não o indexador”, justificou o deputado.

“Como é reajustado o salário mínimo? De janeiro a dezembro. Como são reajustados os pisos nacionais que temos de professor e todas as categorias? De janeiro a dezembro. Estamos trazendo a correção do teto de gastos de janeiro a dezembro de cada ano, para que possamos, com isso, encontrar a saída do espaço fiscal necessário para cuidarmos de quem mais precisa”, disse.

“Além dos R$ 40, 50 bilhões que surgirão com a nova modelagem do pagamento de precatórios, estamos, com esse movimento, tendo para 2022 o surgimento de um espaço fiscal de mais de R$ 39 bilhões. Quando isso se soma aos precatórios, estamos falando de algo na casa de R$ 83 bilhões de espaço fiscal que serão abertos para o ano que vem”, complementou.

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E os precatórios?

A PEC dos Precatórios, além de abrir espaço orçamentário, deve realizar as adequações necessárias no texto constitucional para que o benefício comece a ser pago ainda em 2021. O Auxílio Brasil tem sido tratado no mundo político como uma espécie de “bala de prata” do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em seu projeto de reeleição.

Integrantes do governo argumentam que as despesas com precatórios deverão sofrer um crescimento real (ou seja, acima da inflação) de 102% de 2018 a 2022, caso os valores apontados pelo Poder Judiciário sejam seguidos para o ano que vem. As despesas sairiam, em um intervalo de 12 anos, do patamar de 11% de todos os gastos discricionários do governo para 90%. Ou seja, sobraria pouca margem de manobra para os gestores alocarem recursos.

Os gastos oriundos de sentenças judiciais estão estimados em R$ 89,1 bilhões no ano que vem, um salto de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021 ‒ montante que consumiria quase toda a “sobra” projetada para o teto de gastos por conta do descasamento de indexadores inflacionários. O que levou o ministro Paulo Guedes (Economia) a chamar de “meteoro” para as contas públicas.

Desde que foi informado sobre o montante projetado para 2022, o governo vem estudando alternativas para restringir o impacto da explosão dos precatórios sobre o orçamento público. É nesse contexto que foi apresentada a PEC 23/2021, que inicialmente abria novas possibilidades de parcelamento dessas dívidas judiciais, para além do que já consta da Constituição Federal.

Tal encaminhamento, contudo, sofreu modificações com o avanço das discussões no Congresso Nacional. O parecer protocolado pelo relator Hugo Motta não reproduz as regras de parcelamento de precatórios propostas pelo governo.

Pelo texto original, precatórios com valor superior a 1.000 vezes o montante definido como de pequeno valor (ou seja, que ultrapassem o valor de 60 salários mínimos) ou a 15% do total de novas dívidas com decisão judicial definitiva lançados até 1º de julho poderiam ser parcelados.

A regra estabelecia que 15% fossem pagos até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos nove exercícios subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária, equivalentes à taxa Selic – hoje em 6,25% ao ano.

Mas o parecer caminha em outra direção, limitando os pagamentos de sentenças transitadas em julgado ao valor pago em 2016 – ano em que foi criada a regra do teto de gastos – corrigido para os dias de hoje, justamente como a regra fiscal incide sobre outras despesas. Ou seja, se aprovado, o texto limitaria o pagamento para R$ 39,9 bilhões em 2022, abrindo espaço de cerca de R$ 50 bilhões no período.

O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.

O novo texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.

Os credores que não forem contemplados poderão optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma será regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O desenho vai em linha com acordo construído entre o ministro Paulo Guedes (Economia) e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no sentido de estabelecer um “subteto” na casa dos R$ 39,9 bilhões para 2022 – o restante poderia ser negociado ou seria adiado para o exercício seguinte.

Outra inovação introduzida pelo relator é a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.

O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:

I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária.

O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.

Também estão previstas novas rodadas de refinanciamento de dívidas previdenciárias dos municípios, com prazo máximo de 240 meses, mediante autorização em lei municipal específica, e desde que comprovem ter alterado a legislação do regime próprio de previdência social para atendimento de determinadas condições. A formalização dos parcelamentos será até 30 de junho de 2022 e fica condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para fins de adimplemento das prestações.

Entre as contrapartidas exigidas, o texto lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.

O substitutivo, por outro lado, não aborda temas como a possível prorrogação do auxílio emergencial, que chegou a ser fortemente especulada nos bastidores do Congresso Nacional e mesmo entre ministros da chamada “ala política” do governo.

Também ficou de fora do texto o polêmico Fundo de Liquidação de Passivos da União, cujos recursos poderiam ser utilizados para pagamento da dívida pública federal interna e externa e o pagamento antecipado de precatórios parcelados – houve discussões no Palácio do Planalto sobre a inclusão do pagamento de “dividendos sociais” na lista.

O fundo, que ficaria fora da regra do teto de gastos, teria seis fontes de receita:

1) Alienação de imóveis da União;

2) Alienação de participação societária de empresas;

3) Dividendos recebidos de empresas estatais deduzidas as despesas de empresas estatais dependentes;

4) Outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial;

5) Antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo; e

6) Arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários.

Outro ponto excluído do parecer protocolado previa a possibilidade de realização de receitas de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital em casos autorizados pela Lei Orçamentária Anual (LOA).

O dispositivo era visto por especialistas em contas públicas como uma pá de cal sobre a regra de ouro, que já pode ser atravessada por créditos suplementares ou especiais, desde que autorizados pelo Congresso Nacional.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.