Bolsa está barata, mas pode valer menos ainda com política fiscal sinalizada por Lula

Para analistas, governo de transição precisa mostrar postura mais amigável ao mercado para inverter tendência de baixa

Mitchel Diniz

(Victoria Gnatiuk/Getty Images)

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Para um mercado que dizia ter “precificado” a eleição presidencial, a Bolsa e o dólar têm vivido um período de volatilidade acima da média. Os movimentos de forte volatilidade refletem o incômodo dos investidores com as sinalizações de Lula, eleito presidente por uma diferença apertada de votos, e sua equipe de transição sobre a condução da economia nos próximos quatro anos, além das incertezas sobre os nomes para os ministérios.

Até o pregão de ontem (17), o Ibovespa acumulava uma queda de mais de 5% em novembro, mês que começou com a Bolsa emplacando uma sequência de altas, com o índice indo de 116 mil para abaixo dos 110 mil pontos. O dólar, por sua vez, avança 4,5% no mesmo período. Na véspera, após ter chegado a R$ 5,53, a divisa americana amenizou e fechou a R$ 5,40, mas ainda nas máximas desde julho. Os percentuais só não foram maiores porque os investidores repercutiram de forma positiva a saída do ex-ministro Guido Mantega da equipe de transição, alegando “tumulto dos adversários”.

Segundo economistas, Mantega “remete à política econômica que naufragou com a ex-presidente Dilma Rousseff”. Mas a aversão ao risco está longe de cessar, já que o nome mais forte para substituir Paulo Guedes na Economia parece não agradar nem um pouco os agentes do mercado: Fernando Haddad, que concorreu ao governo de São Paulo este ano e já foi ministro de Lula .

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Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, acredita que dificilmente o titular da pasta será um economista renomado. Segundo ela, a indicação tende a ser política para facilitar o trâmite do Executivo com o Congresso.

“Não considero ruim que o ministro seja um nome político, desde que os cargos de secretários sejam preenchidos por técnicos, que tenham condição de desenhar  uma política fiscal”, afirma Argenta.

A economista lembra que a política fiscal do governo Lula só deverá ter efeito a partir de 2024, já que, no próximo ano, ela estará sendo desenhada. Portanto, segundo ela, o mercado está se comportando de forma “exacerbada” diante de perspectivas de curto prazo, ou seja, refletindo incertezas e gestos que surpreenderam negativamente.

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É o caso da PEC da Transição, que propõe retirar R$ 175 bilhões do teto de gastos de forma permanente para financiar programas sociais.

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“É um cenário grave. Do ponto de vista do equilíbrio fiscal, a PEC traz uma sinalização totalmente oposta, de irresponsabilidade”, afirma Andrea Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital.

“Sempre foi sabido que o governo Lula iria colocar ‘o pobre dentro do orçamento’ como ele sempre disse e essa proposta foi a vencedora do pleito em outubro, mas a comunicação deste plano tem se tornado traumática além da conta”, escreveu André Perfeito, economista-chefe da Necton.

Segundo ele, por um lado é positivo que o governo de transição assuma manutenção do teto. “Contudo, sem ter deixado claro outras peças do tabuleiro, a impressão que se dá é que vão construir na lage uma piscina maior que as colunas do edifício aguentam”, afirma.

Expectativa de um governo mais “market friendly” não vingou

Para Marco Noernberg, responsável pela área de renda variável da Manchester Investimentos, a transição não tem sido vista como positiva pois toca nos principais indicadores econômicos. Afinal, aumento de gastos públicos afeta o endividamento do país, podendo deixar a inflação elevada e a Selic por mais tempo no atual patamar.

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“Se o mercado começar a ver que as novas medidas vão convergir para juros mais baixos, inflação mais controlada e déficit fiscal menor, esse movimento [de baixa da Bolsa] tende a acabar”, afirma Noernberg.

Segundo ele, por mais que os investidores tivessem precificado dificuldades na parte fiscal com Lula, a expectativa era de que o presidente eleito fosse mais “market friendly“. “Isso não tem acontecido. O discurso tem sido mais social do que econômico”, afirmou.

“Não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal, porque a gente tem que começar a pensar em responsabilidade social”, disse Lula durante a COP-27, no Egito. A afirmação que pesou negativamente nos negócios de ontem foi motivo de uma carta escrita por Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, economistas que apoiaram Lula.

Mesmo com a Bolsa “barata” em termos históricos, Noernberg acredita que isso não será exatamente um limitador para novas quedas. “O movimento de queda vai continuar até o mercado se achar confortável ou achar que a Bolsa está muito barata mesmo”, disse ele. “Comparando com outros pares, ainda estamos com entrada de fluxo estrangeiro, o que ajuda a cair menos do que cairia”.

Nesse aspecto, André Perfeito, da Necton, avalia a situação pela ótica da metade cheia do copo. “O mercado agora está mais ajustado e se torna extremamente atraente para investidores”, escreveu.

O dólar, por sua vez, ganha tração em um período marcado pela remessa de moeda estrangeira para o exterior. É no final do ano que subsidiárias de empresas gringas no Brasil distribuem lucros para suas matrizes.

No entanto, Noerberg acredita que o real pode continuar se amparando por um cenário macroeconômico superior ao de outros mercados, com crescimento de PIB  na ordem de 3% e inflação abaixo de 6%.

“O fluxo de investimento em emergentes não tem outras diretrizes fora o Brasil, o que nos favorece. Não vejo o dólar explodindo, mesmo em situação de maior stress”, afirma.

Já Renan Mazzo, head de câmbio da SVN Investimentos, acredita que, mesmo com a Bolsa barata, a preocupação fiscal não deve segurar investimentos do exterior no Brasil. Além disso, paralelo à turbulência externa, há também as preocupações com inflação e alta de juros nos Estados Unidos.

“Se a inflação nos EUA continuar pesando, com subindo lá fora, o dólar tende a continuar se valorizando, sim. Mas se o Lula for menos radical em questões fiscais, o dólar pode perder força frente ao real”, afirmou.

Segundo o diretor da Wagner Investimentos, José Faria Jr., é importante que o patamar de R$ 5,50 para o dólar seja respeitado. “Acima de R$ 5,50 deixaria a moeda muito vulnerável, com chance de subir em direção a R$ 5,70 e R$ 5,80”, apontou em relatório da última quinta-feira. Nesta sexta, o dólar registrava queda de cerca de 0,7%, a R$ 5,36.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados