Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan enviam carta a Lula e alertam para risco fiscal

Economistas que apoiaram Lula contra Bolsonaro dizem que presidente eleito precisa agir e evitar que conta chegue aos mais pobres

Marcos Mortari

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Os economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram, nesta quinta-feira (17), uma carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebatendo críticas recentes do petista à responsabilidade fiscal.

O trio abre o texto, que foi publicado no jornal Folha de S.Paulo, lembrando fala de Lula proferida nesta manhã durante a COP 27, a conferência do clima das Nações Unidas.

Eis um trecho do discurso do presidente eleito: “Não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal, porque a gente tem que começar a pensar em responsabilidade social. O que é um teto de gastos num país? Se um teto de gastos fosse para discutir que a gente não vai pagar a quantidade de juros para o sistema financeiro que a gente paga todo ano, mas que a gente fosse manter as políticas sociais intactas, tudo bem. Mas não. Quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos, tudo que acontece é você tirar dinheiro da saúde, da educação, da ciência e da tecnologia, da cultura… Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não mexe R$ 0,01 do sistema financeiro”.

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Uma semana atrás, Lula já havia questionado as regras fiscais vigentes no país e dito que “as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país”. O discurso proferido a deputados no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do gabinete da equipe de transição de governo em Brasília, gerou preocupação entre agentes econômicos.

Na carta publicada nesta quinta, os três economistas dizem compartilhar das “preocupações sociais e civilizatórias” de Lula, mas ressaltam que “o desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”.

“A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes. O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”, escrevem.

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Agentes econômicos têm manifestado preocupação com o risco de uma onda de gastos desenfreados na nova gestão − o que poderia minar os indicadores fiscais do país e aumentar a percepção de risco, gerando depreciação cambial e maior pressão inflacionária. Com um Banco Central independente, isso poderia ser traduzido em juros altos por mais tempo e mais dificuldades para crescer.

“Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente”, afirmam os três economistas na carta pública.

Fraga, Malan e Bacha vão além: “O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo”.

“Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres! O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos”, prosseguem.

Os três economistas fazem um alerta para os riscos fiscais no país e sustentam que a falta de recursos em áreas de crucial impacto social se dá sobretudo porque, implícita ou explicitamente, elas não são tratadas como prioritárias por tomadores de decisão.

“Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem”, afirmam.

Veja a carta na íntegra:

“Caro presidente eleito Lula,

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan”

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.