Finanças

É preciso olhar além da eleição, diz Luis Stuhlberger

Há muitas novidades interessantes na economia brasileira. O investidor que ficar preso à questão eleitoral pode perder oportunidades

“O Brasil passou por um período de surpresas positivas neste ano, que perduraram até o meteoro dos precatórios. Apesar do negacionismo do presidente e do trabalho ruim do governo no combate à pandemia, que causaram muitas hospitalizações e mortes desnecessárias, o Brasil acabou se tornando um dos melhores países no processo vacinal.

Com a compra de bons imunizantes e com a vacinação em massa — mérito da eficiente estrutura de aplicação de doses que existe no país —, conseguimos uma taxa de vacinação muito boa, superior à de muitos países desenvolvidos, onde parte da população se recusa a tomar vacinas.

É uma situação bastante positiva, que permite a retomada da atividade econômica. Outra boa notícia é o fato de o PIB acumulado de 2020 e 2021 estar no terreno positivo. Houve uma retração de 4,1% no ano passado e a projeção para este ano é de uma expansão de cerca de 5%. Além disso, a relação dívida-PIB surpreendeu positivamente.

Em janeiro de 2020, antes do início da pandemia, a estimativa era que essa relação ficasse em 79% no fim de 2021. A previsão chegou a aumentar para 100%, e agora espera-se que a dívida feche o ano em torno de 80% do PIB.

É verdade que a inflação maior ajuda a melhorar esse indicador, já que eleva o PIB nominal e a arrecadação. Mas essa não é a única explicação.

O crescimento da economia tem sido liderado pelo ciclo favorável de commodities e pela indústria, já que, durante a pandemia de covid, as pessoas consumiram mais bens do que serviços. Como os impostos pagos pelo setor industrial são maiores que os de serviços, a arrecadação aumentou.

Um quarto fator positivo é o fato de o presidente ter deixado de fazer ameaças ao processo eleitoral. Com isso, as tensões políticas, que atingiram o pico no feriado de 7 de setembro, gerando uma onda de apreensão muito grande em empresários e investidores, diminuíram.

Não são poucas as notícias positivas, mas elas fazem parte do presente ou do passado. O risco de impactos negativos está no futuro, e o mercado financeiro costuma descontar o futuro.

Um problema é a inflação mais alta do que se imaginava. Esperava-se que o desemprego elevado ajudasse a conter o aumento de preços no setor de serviços, mas não é o que estamos vendo. A inflação se espalhou pela cadeia, obrigando o Banco Central a elevar os juros.

Não acredito que estejamos caminhando para um ambiente de inflação irremediavelmente alta, mas ela não deverá convergir para a meta em 2022 — para que isso ocorresse, o BC teria de provocar uma baita recessão. Deverá se normalizar em 2023 ou 2024.

“O risco de impactos negativos está no futuro, e o mercado financeiro costuma descontar o futuro”

Outro fator bastante negativo é a guinada populista do governo. O problema não é gastar mais do que o previsto em situações emergenciais, como durante uma pandemia. O país estourou o teto de gastos em 600 bilhões de reais em 2020 e ficou tudo bem.

Poderia estourar novamente neste ano para resolver a questão dos precatórios e dar continuidade ao auxílio emergencial, porque há muitas pessoas precisando de ajuda. O problema é jogar isso na perpetuidade, sem um plano para atingir o equilíbrio fiscal.

O que muitos políticos não entendem, ou fingem não entender, é que o populismo eleitoral tem consequências terríveis para a economia. Quando o governo gasta mais do que arrecada de forma perene, gera a necessidade de aumento de juros, o que eleva a despesa do próprio governo com o pagamento do serviço da dívida.

Além disso, taxas mais altas reduzem o lucro das empresas. Fazendo a conta, cada real que o governo gasta com medidas populistas gera uma perda quatro vezes maior para a economia.

Quando as coisas vão mal, o investidor se sente como num trem-fantasma: quando pensa que o terror acabou, aparece mais uma caveira. Muitos se perguntam qual vai ser a última caveira no nosso trem-fantasma. O investidor costuma lidar melhor com a perspectiva do final horroroso do que com o horror sem fim.

COMO MELHORAR

O Brasil precisa de reformas para sair da situação ruim em que está. Uma das mais importantes é a administrativa, que, se bem-feita, poderá reduzir os gastos públicos e aumentar muito a produtividade do setor público.

Não é possível que o governo tenha de arrecadar 35% do PIB para pagar seus gastos. São 2,8 trilhões de reais. É fundamental que sobrem recursos para investimentos. Mas há outras mudanças mais simples de ser feitas e que podem melhorar bastante o cenário para o país.

Existem alguns low-hanging fruits para ser colhidos com pouco esforço. Um deles diz respeito à educação pública. A pandemia prejudicou muito a escola pública, mas inseriu a tecnologia no ambiente educacional.

Os benefícios da tecnologia aplicada à educação pública deverão ser imensos. Já vemos melhoras no estado de São Paulo e em alguns estados do Nordeste, e há uma experiência positiva acontecendo no Paraná. A tecnologia também pode trazer eficiência à saúde pública. Além disso, existe espaço para aprimorar a infraestrutura urbana, que pode ser um motor de desenvolvimento.

“O que muitos políticos não entendem, ou fingem não entender, é que o populismo eleitoral tem consequências terríveis para a economia”

Um dos erros da esquerda é acreditar que a solução para os problemas do país é aumentar o salário mínimo e a cadeia de salários: assim, as pessoas consomem mais, e os empresários ganham dinheiro e investem. Isso gera efeitos positivos para a economia por um período, mas está provado que não funciona de maneira sustentável.

O tripé que funciona nos países que deram certo é aumentar a produtividade do trabalhador — o que leva tempo, mas produz ganhos mais duradouros de renda — e melhorar a saúde e a educação públicas.

O CENÁRIO PARA OS INVESTIMENTOS

Os juros baixos levaram muitos brasileiros a sair da renda fixa e investir em ações, fundos imobiliários, fundos de private equity e alternativas de maior risco. Com a queda dos preços dos ativos, estão ocorrendo resgates mais significativos.

Há investidores que compram uma ação por 100 reais e ficam felizes quando o preço cai para 80 reais — se era uma boa opção por 100 reais, ficou melhor ainda com o preço mais baixo. Mas existem aqueles que entram em pânico e vendem. Hoje, estamos vendo uma onda de resgates, em parte motivada pelo trem-fantasma.

Os fundamentos do país são ruins, mas não são uma calamidade. Ainda assim, esse lado técnico dos resgates está fazendo a bolsa cair. A bolsa brasileira não está de graça como estava quando o ex-presidente Lula foi eleito pela primeira vez, em 2002. Mas o preço das ações já embute muita coisa ruim.

O risco para o investidor é ficar preso à questão eleitoral e não ver as oportunidades que surgem independentemente do que acontece em Brasília. Há muitas novidades interessantes em diferentes campos da economia, principalmente graças à tecnologia, que podem fazer o Brasil melhorar.

Um exemplo é o desenvolvimento de fintechs, com recursos de fundos de venture capital. Essas startups produzem ganhos significativos para a economia. Ao aumentar a concorrência, geram deflação. Além disso, ampliam o acesso de pequenas e médias empresas a serviços financeiros, reduzindo a mortalidade dessas firmas.

Vale lembrar, no entanto, que muitas das grandes invenções da humanidade deram prejuízo a quem investiu nelas. Aconteceu com as ferrovias no século 19: elas levaram os Estados Unidos a um progresso sem precedentes, mas muitos investidores perderam dinheiro com elas.

Também ocorreu com as empresas de internet em 2000, quando estourou a bolha na bolsa americana. Não é fácil investir em inovação. É preciso saber distinguir o benefício gerado por uma nova tecnologia disruptiva do que já está no preço.

FESTA PERTO DO FIM

Tenho convicção de que, em algum momento, as pessoas vão se convencer de que o experimento monetário de estímulos dos bancos centrais é muito ruim para as finanças mundiais. O ambiente de juros reais negativos provoca comportamentos errados.

As pessoas tendem a comprar bens e ativos de maior risco porque, se deixarem dinheiro em caixa, terão prejuízo. Não pode ser assim. Sempre que o ser humano faz coisas que contrariam a lógica e o bom senso, sofre as consequências.

Atualmente existem pressões inflacionárias no mundo todo. Os preços dos imóveis sobem de forma acelerada e a bolsa continua a valorizar, seguindo a expansão de lucro das empresas.

Acompanho com cautela esse cenário em que muitos investidores estão ganhando dinheiro há um bom tempo investindo no exterior, porém ainda não é claro se essa festa pode estar perto do fim. Quando tudo já subiu muito, é ainda mais necessário escolher com muito critério quais são as boas empresas para investir. O que se sabe é que o capitalismo não é fácil.”