Negócios

A revolução das (e nas) fintechs

As startups têm enormes expectativas para o Open Banking e devem ser os motores de grandes mudanças no mercado financeiro – mas não do dia para a noite

Em 1996, Sergey Brin e Larry Page tiveram a ideia de criar uma nova maneira de fazer pesquisas na internet.

Os dois faziam doutorado na Universidade Stanford. O paper que descreveu o funcionamento do algoritmo foi publicado dois anos mais tarde, mesma época em que a empresa, batizada de Google, recebeu os primeiros investimentos e começou a operar comercialmente.

Sete anos separam o surgimento da web e a primeira ferramenta prática e eficiente para fazer pesquisas.

“Se você construir, eles virão”, diz a famosa frase do filme Campo dos Sonhos. As fintechs têm enormes expectativas para o Open Banking e devem ser os motores de grandes mudanças no mercado financeiro. Mas parte delas vai esperar um pouco antes de mergulhar de cabeça.

Em outras palavras: há uma transformação em curso no sistema financeiro, mas ela não deve ocorrer do dia para a noite.

Este ano – quando devem ser concluídas as quatro etapas do Open Banking desenhadas pelo Banco Central (caso não haja atrasos) – deve ser um período de adaptação.

“A analogia com a internet faz todo o sentido. Lá em 1995, o que você entregava para seus usuários era basicamente um site”, afirma Rogério Melfi, coordenador do projeto de Open Banking da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “Acho que veremos grandes inovações, mas o valor vai ficar mais claro em um, dois, três anos.”

Existem algumas explicações para esse otimismo cauteloso por parte das startups. Em primeiro lugar, elas não são obrigadas a entrar no sistema aberto. As regras do BC estabelecem que apenas as maiores instituições do país são obrigadas a participar do Open Banking.

É o caso de 13 bancos: Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Santander, Banco do Brasil, BTG Pactual, Banrisul, Banco do Nordeste, BNDES, Citibank, Credit Suisse, Safra e Votorantim.

A adesão das fintechs é voluntária, e elas podem entrar no sistema desde que cumpram certos requerimentos técnicos e regulatórios do BC.

A compulsoriedade da presença no sistema também varia de acordo com o segmento de atuação da fintech. Neobancos como Nubank, XP Banco e C6, por exemplo, terão de aderir na fase 3, prevista para começar em agosto deste ano (seguindo a regra da reciprocidade).

A XP Inc. vem se preparando para o Open Banking. A companhia não revela detalhes da estratégia, mas afirma que seus clientes podem esperar cadastros mais ágeis e ferramentas de vida financeira.

“Há uma curva de aprendizado por parte das instituições e também por parte dos clientes. Tudo é muito novo para todo mundo”, diz Leonardo Medeiros, head de open banking da XP.

Os neobancos têm estruturas maiores para lidar com os requerimentos regulatórios. Para as fintechs de menor porte, a história é diferente. Os investimentos são significativos, sem mencionar a adoção de políticas de governança.

“Estamos falando de uma sociedade de crédito direto, ou seja, uma instituição financeira”, diz Rafael Pereira, CEO da fintech de crédito Open. “Em termos de regulação, não é algo trivial. Temos de apresentar um plano de negócios, a equipe que vai executá-lo… Isso toma de seis a nove meses de trabalho.”

Depois vem a operação. “Conforme os serviços ficam mais complexos, mais sobe a barra regulatória”, afirma Pereira.

Outro ponto é estratégico. Uma vez plugadas na estrutura do Open Banking, elas estarão submetidas à regra de reciprocidade: poderão receber dados, mas também terão de entregá-los.

Como algumas fintechs já conseguem acessar as informações de seus clientes armazenadas em outras instituições usando tecnologias próprias, não há tanta pressa.

A Fliper, startup que oferece um painel de controle para a visualização de todos os investimentos em um único app, faz mais de 2 milhões de conexões por mês com 18 instituições financeiras.

“Não precisamos do Open Banking para oferecer o valor do Open Banking”, diz Renan Georges, cofundador e COO da Fliper. O app, lançado em 2017, já conta com 350.000 usuários e mapeia R$ 60 bilhões de reais investidos pelos usuários. (A Fliper foi adquirida pela XP, que publica o InfoMoney, em junho do ano passado.)

Georges diz que a empresa não deve entrar no sistema aberto na segunda fase, que começa este mês: “Nossa ideia é observar. Estamos dando tempo ao tempo.”

O Guiabolso, um dos pioneiros desse segmento de aplicativos agregadores, conta com 6 milhões de clientes. Thiago Alvarez, fundador e CEO da startup, diz que deve entrar no sistema ainda este ano.

O interesse do Guiabolso tem menos a ver com o serviço que ele presta hoje para o cliente e mais com uma outra linha de negócios: o serviço B2B.

Inteligência artificial

Conectar-se com a fonte dos dados é a parte “simples” do Open Banking. Um novo tipo de negócio está surgindo para tratar essa torrente de bits e permitir que as instituições de fato façam algo com os dados que irão capturar.

Lucas Moraes, fundador da Olivia, diz que recentemente houve o episódio “Macaé” no escritório da startup. “Puxamos a informação de um extrato, e a descrição dizia apenas Macaé”, afirma Moraes. “Levamos um bom tempo até entender que se tratava de uma loja do Extra na cidade.”

Embora existam especificações que padronizem a forma de enviar e receber os lançamentos em uma conta corrente, cada banco tem sua própria nomenclatura. Um deles pode escrever “pag”, outro “pgto” e um terceiro “pagam”.

“A inteligência está na AI, não na API”, diz Moraes, em referência à sigla em inglês para inteligência artificial. A Olivia tem um serviço de tradução e categorização, batizado de Bob, que já é usado por bancos e fintechs.

Olivia é o nome do aplicativo voltado para o consumidor final (a empresa tem a XP entre seus investidores).

Ingrid Barth, fundadora e COO da Linker
Ingrid Barth, fundadora da Linker: “Falamos muito em taxa de juros, mas o tempo também é essencial” (crédito: Germano Lüders)

“Você pode pedir as informações logo no primeiro dia do Open Banking”, afirma Alvarez. “Mas terá muita dificuldade para fazer alguma coisa com elas.”

Além de tradução e categorização, o Guiabolso também vai oferecer modelos de crédito para fintechs que queiram fazer empréstimos, por exemplo. “Ela vai combinar essas informações com outras fontes, como os birôs de crédito e o cadastro positivo, para ter o seu ‘molho especial’.”

Receita secreta

Fintechs que atendem nichos aguardam com ansiedade a estreia do sistema aberto. A A55 é especializada em oferecer crédito para empresas de base tecnológica que tenham receita recorrente.

O modelo desenvolvido pela startup leva em conta a disponibilidade do site de seus clientes (ou seja, quanto tempo ele fica fora do ar) e as tendências da audiência medidas pelo Google Analytics.

Mas o Open Banking será um marco, diz André Luiz Silva, COO da A55. “Vamos entender o fluxo de caixa dos nossos clientes, saber se eles têm operações de crédito com outras instituições.”

O ingrediente secreto – ou proprietário — da Ahfin, startup catarinense incubada pela Ahgora (que desenvolve sistemas de gestão de recursos humanos) é o histórico profissional dos seus clientes.

O módulo de educação financeira embutido no software da Ahgora atinge 1 milhão de pessoas. A empresa tem acesso a um tipo de cliente que muitas vezes é invisível para os grandes bancos.

A combinação dos dados do sistema aberto com o histórico profissional do cliente é poderosa, diz Gustavo Godoy, diretor executivo da Ahfin. “Casando essas duas fontes de informação, teremos ofertas com juros mais baixos e prazos mais longos.”

André Luiz Silva, COO da A55
André Luiz Silva, COO da A55, fintech especializada em crédito para empresas tech: Open Banking será um marco (crédito: Germano Lüders)

As condições de tomada de empréstimos são importantes, mas não as únicas levadas em conta pelos tomadores, diz Ingrid Barth, fundadora e COO da Linker, um banco digital para pequenas e médias empresas.

“Falamos muito em taxa de juros, mas o tempo também é essencial para a pequena empresa. A disponibilidade do dinheiro no momento certo é um fator importantíssimo.”

A checagem das informações cadastrais pode demorar semanas. Com o open banking, uma vez validadas elas estarão disponíveis – e já verificadas – para todos os participantes do sistema.

A movimentação de bastidores

Os clientes podem demorar um pouco para notar as mudanças, mas nos bastidores a movimentação é intensa. Dentro dos enormes departamentos de tecnologia das fintechs e dos bancos e entre os especialistas em fornecer soluções para as instituições, o trabalho é frenético.

Fundada em 2008, a FCamara oferece dez serviços diferentes para as instituições que precisam adequar sua infraestrutura tecnológica. Depois de um crescimento de 50% no faturamento em 2020, a expectativa é de um salto de 70% neste ano.

A Sinqia (SQIA3), uma das raras companhias de infraestrutura tecnológica com capital aberto, também entende que pode crescer com a chegada do Open Banking.

Segundo os dados mais recentes divulgados ao mercado, no primeiro trimestre deste ano, a base de clientes aumentou 41% em relação ao mesmo período do ano passado. A receita líquida (R$ 68,2 milhões) foi 40,3% superior na comparação com o primeiro trimestre de 2020.

“Acreditamos no potencial de ruptura do open banking”, diz Thiago Saldanha, CTO da Sinqia. O mercado, também. Nos últimos 12 meses, as ações da companhia subiram 9%. [referência: fechamento de 01 de julho de 2021]

Expansão e consolidação

Uma das características da Sinqia é o crescimento por meio de aquisições. Nos últimos dez anos, a empresa comprou 19 negócios. Com a expansão do ecossistema do open banking, a expectativa é que esse movimento também se repita entre as startups que atendem o consumidor.

“O volume sempre faz sentido para negócios de base tecnológica”, diz João André Calvino Pereira, chefe do departamento de regulação do Banco Central.

Pereira não acredita no surgimento de “monopólios naturais”, como o Facebook. Naquele tipo de rede social, existe uma tendência natural de concentração extrema, pois as pessoas querem estar onde estão seus amigos e vice-versa – o chamado efeito de rede.

Ele espera que haja alguns ecossistemas grandes e aponta como exemplo o mercado de transporte, dominado no Brasil por apps como Uber e 99.

Vai demorar até que os vencedores sejam conhecidos — mas a corrida já começou.