Como a Tembici se tornou a sobrevivente entre as bicicletas compartilhadas – e captou mais R$ 420 milhões

Startup de micromobilidade urbana fez nova rodada para investir em bicicletas elétricas, expansão e atendimento a entregadores

Mariana Fonseca

Tomás Martins e Maurício Villar, da Tembici (Divulgação)

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SÃO PAULO – Quem andava pelas ruas das principais metrópoles brasileiras antes da pandemia do novo coronavírus provavelmente se lembra das bicicletas e patinetes compartilhadas. Essa moda da micromobilidade urbana individual refletia tendências americanas e chinesas. E, assim como nesses países, poucos negócios do tipo sobraram para contar sua história no Brasil.

Um deles é a Tembici, responsável pelas bicicletas compartilhadas que estampam a marca Itaú Unibanco. A startup não apenas sobreviveu à concorrência e à pandemia, mas construiu um modelo de negócios que resultou em um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) positivo. Agora, de olho no fim dos lockdowns, a Tembici captou uma nova injeção de capital.

A Tembici anunciou nesta quinta-feira (30) a captação de R$ 420 milhões (US$80 milhões). Os recursos vieram de venda de participação no negócio (equity) e de financiamentos. A Tembici não abre quanto foi captado em cada frente.

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Em equity, a série C foi liderada pela Crescera Capital, gestora de private equity e venture capital que tem no portfólio negócios como Convenia, EasyCrédito, Grupo Zelo e Oba Hortifruti. Outros fundos que participaram da rodada são Endeavor Catalyst, Igah Ventures, IFC, Pipo Capital, Redpoint eventures e Valor Capital Group. Já nos financiamentos, a startup captou recursos com Itaú e Santander em linhas específicas para negócios ESG (movimento que une conceitos como preocupação com meio ambiente, governança corporativa e responsabilidade social).

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, entrevistou Tomás Martins. O cofundador da Tembici explicou como a startup de micromobilidade urbana construiu seu modelo de negócio e como usará os novos recursos. Martins também compartilhou as projeções financeiras para 2021, que incluem uma receita anualizada de R$ 180 milhões.

“Saímos desse momento de pandemia praticamente sozinhos no mercado de bicicletas compartilhadas da América Latina. Ao mesmo tempo, muitas pessoas querem usar essas bikes. Decidimos acelerar nossa captação para capturar o momento.”

Na pandemia, entregadores e bikes elétricas

A Tembici vinha em crescimento forte – até a primeira quinzena de março de 2020. As viagens de deslocamento a trabalho caíram na primeira onda da pandemia, mas outros dois perfis ficaram em evidência: profissionais de linha de frente e entregadores.

O resultado: o uso das bicicletas compartilhadas apenas por profissionais no ramo de última milha cresceu dez vezes entre março de 2020 e setembro de 2021. Hoje, as viagens nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro com o perfil de entregas já representam 21% da base da Tembici.

Os entregadores usam as bicicletas de quatro a seis horas por dia para diversas viagens, enquanto os usuários de mobilidade as usam por cerca de 40 minutos ao longo de duas viagens diárias. A Tembici criou um plano específico para os profissionais de última milha em setembro de 2020. Chamado “Profissional”, o plano custa R$ 12,90 semanalmente e permite até quatro horas de uso duas vezes por dia.

A partir do segundo semestre de 2020, que teve uma baixa nos índices de isolamento social, a bicicleta compartilhada também voltou a ganhar consideração entre os usuários de mobilidade. O meio era visto como alternativa para parte do trajeto por transporte público – especialmente com a chegada das bicicletas elétricas, também em setembro de 2020. Elas permitem percorrer distâncias mais longas ou mais íngremes com menor cansaço.

Em outubro de 2020, a Tembici registrou o mesmo patamar de viagens visto no começo do mesmo ano. Na virada para 2021, atingiu um Ebitda positivo.

O movimento foi aumentando progressivamente desde então. O número de viagens cresceu 33% entre janeiro e junho de 2021. Martins afirma que os meses de agosto e setembro de 2021 foram os melhores meses da Tembici em termos de utilização e receita.

Assim, a startup decidiu fazer uma nova rodada apenas nove meses depois de sua série B. “Vimos um cenário favorável para ampliar nossos investimentos e expandir agressivamente.”

As séries de investimento

A Tembici foi criada pelos empreendedores Tomás Martins e Maurício Villar em 2010. No início, a empresa focou em projetos para a iniciativa privada (condomínios residenciais e comerciais). O negócio ganhou escala em 2017, quando a Tembici adquiriu uma concorrente que era quase 10 vezes o seu tamanho, a Samba Transportes, e passou a operar o serviço de aluguel de bicicletas do Itaú Unibanco.

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A série A de US$ 15 milhões da Tembici foi usada para provar que a receita poderia vir não apenas de patrocínio de marcas, mas da mensalidade cobrada dos usuários. Hoje, a receita está dividida igualmente entre as frentes B2B e B2C – a divisão era de 80% e 20% em 2017, respectivamente.

Já sua série B de US$ 47 milhões, captada em 2020, está sendo aplicada em contratações; tecnologia para as próprias bicicletas elétricas e para a coleta de mais dados de comportamento do usuário; e marketing.

O foco da atual série C está exclusivamente em crescimento. A Tembici usará os R$ 420 milhões captados para aprofundar as apostas mais recentes, como e-bikes e atendimento aos entregadores de última milha.

A Tembici tem 16 mil bicicletas hoje, mil delas elétricas. O plano é acrescentar mais 10 mil bicicletas, “a maioria delas elétricas”. A startup também irá ampliar a presença nas cidades atuais e chegará até Brasília. A Tembici está hoje em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina).

Martins afirma que ainda existe muito espaço para as bicicletas na América Latina. O empreendedor estima uma média de 300 mil bicicletas na região até 2026, a partir de médias de bicicletas em estações fixas nas cidades de maior porte dos Estados Unidos e na Europa. “Para compararmos duas cidades grandes: enquanto Nova York tem 15 mil bicicletas, São Paulo tem apenas 3 mil. Vemos um espaço para penetração muito grande, e principalmente com as bicicletas elétricas.”

Os problemas das bikes compartilhadas

O InfoMoney já explicou a ascensão e a queda das startups de bicicletas e patinetes compartilhadas em uma matéria anterior sobre a Tembici.

Bicicletas e patinetes elétricas fizeram sucesso na China há alguns anos, mas isso não se refletiu em rentabilidade para suas principais empresas. A Ofo, uma das maiores chinesas no setor, foi criada em 2014 e captou US$ 2,2 bilhões com fundos de investimento. Mas, no final de 2018, a Ofo considerou a falência e enfrentou protestos de usuários que queriam seu dinheiro de volta. Outras startups chinesas de bicicletas compartilhadas, como Mobike e Bluegogo, também enfrentaram dificuldades financeiras.

A oferta superdimensionada levou a “cemitérios de bicicletas” espalhados pela China, espaços onde os equipamentos eram empilhados e abandonados. Segundo reportagem feita na época pela revista britânica The Economist, é justamente a captação junto aos fundos de investimento que sustentou a expansão de negócios como a Ofo durante tanto tempo. Agora, a companhia investe em uma vertical de comércio eletrônico.

A Grow, que recebeu um financiamento adicional de US$ 150 milhões após a união entre a startup brasileira das bicicletas Yellow e a startup mexicana das patinetes Grin, fez uma reestruturação que inclusive encerrou o uso de bicicletas em janeiro de 2020. A empresa acabou pedindo recuperação judicial em julho do mesmo ano.

Martins defende que o Ebitda positivo da Tembici vem de três componentes de seu modelo de negócios: estações fixas, investimento na qualidade das bicicletas e comunicação com entidades públicas e privadas. Mas também foi ajudado por uma revisão de indicadores financeiros e investimentos em eficiência operacional e tecnologia ao longo da pandemia.

“Enquanto a receita cresceu 50% desde março de 2020, a margem bruta triplicou”, diz Martins. A margem bruta, capacidade de a empresa transformar sua receita em lucro bruto, está em cerca de 60% atualmente.

Para ampliação de receita com eficiência operacional, a Tembici afirma que mais pessoas usam as mesmas bicicletas, justamente porque os perfis são diferentes entre os usuários de mobilidade e os entregadores. A startup fez um estudo de precificação de cada perfil, que gerou o plano específico para os profissionais de última milha. Além do próprio investimento nas bicicletas elétricas, outro exemplo em tecnologia foi aplicar a internet das coisas aos equipamentos: um sistema corta o motor e aciona o alarme da e-bike assim que um padrão incomum é detectado.

A Tembici busca chegar a mais de 25 milhões de corridas anuais neste ano. Também projeta um faturamento anualizado (receita de dezembro multiplicada por 12) superior a R$ 180 milhões em 2021. Em 2020, o faturamento foi de R$ 100 milhões.

O momento pede dinheiro para crescimento – mas Martins ressalta ser cauteloso para não acabar como a concorrência.

“Estamos focando bastante nas oportunidades de expansão, mas vamos continuar mantendo a saúde financeira – até porque cada nova bicicleta colocada na rua traz um retorno sobre o investimento interessante. Entendemos que a sustentabilidade das contas é fundamental para realizar nosso potencial, inclusive ambiental e social. Só por conta dessa sustentabilidade passamos por turbulências que foram desde a competição até a pandemia”, diz o cofundador.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.