Startup por trás das bikes do Itaú mostra como bicicletas compartilhadas sobrevivem à pandemia

Como a Tembici se destacou em meio à crise que deixou para trás concorrentes como a Grow, dona da extinta bike Yellow

Mariana Fonseca

Tomás Martins, CEO da Tembici (Divulgação)

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SÃO PAULO – Para a Tembici, uma das poucas sobreviventes do mercado de bicicletas compartilhadas na América Latina, o último ano serviu para focar na sustentabilidade ambiental e financeira do negócio.

O negócio amargou meses difíceis no ápice da pandemia do novo coronavírus. No acumulado de 2020, apesar de uma queda anual no número de corridas, a Tembici conquistou métricas financeiras importantes e lançou a frente de bicicletas elétricas, que promete atrair um novo público para a startup de bike sharing.

O InfoMoney conversou com Tomás Martins, CEO da Tembici, sobre os resultados do negócio em 2020, os objetivos para 2021 e o mercado de bicicletas compartilhadas. A startup está por trás dos programas de bicicletas compartilhadas Bike Sampa e Bike Rio, por exemplo, além de iniciativas em Buenos Aires (Argentina) e Santiago (Chile). No último ano, a Tembici alcançou a marca de 50 milhões de corridas pela parceria Bike Itaú.

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Bicicletas compartilhadas na pandemia

Martins afirma que a Tembici vinha em crescimento forte até a primeira quinzena de março de 2020. Na virada para abril, a startup ofereceu gratuidade para quem nunca tinha usado seu sistema de bicicletas compartilhadas.

“Mesmo assim, tivemos uma queda forte em utilização no segundo trimestre de 2020. As viagens de deslocamento a trabalho caíram muito e dois perfis foram os principais: profissionais de linha de frente e entregadores”, diz Martins.

O CEO afirma que a Tembici usou esse momento para melhorias que elevaram rentabilidade. “Desenvolvemos uma tecnologia de internet das coisas para as bicicletas, por exemplo. O monitoramento remoto, inclusive com acionamento de alarme e desligamento do motor no caso das bicicletas elétricas, diminuiu nossos índices de perda”, diz.

A margem bruta da Tembici, capacidade de a empresa transformar sua receita em lucro bruto, quadruplicou na comparação entre 2019 e 2020, alcançando cerca de 60%.

No segundo semestre, houve queda no isolamento e a bicicleta compartilhada passou a ser mais considerada como alternativa ao transporte público – já que permite a locomoção individual ao ar livre. A pandemia trouxe novos usuários para experimentar as bicicletas, segundo Martins. Em outubro, a Tembici registrou o mesmo patamar de viagens visto no começo de 2020.

O negócio fechou o ano passado com mais de 15 milhões de corridas. Em 2019, foram 20 milhões. Apesar da queda no número de viagens, atribuída ao isolamento social, outros indicadores da Tembici melhoraram.

Na comparação entre 2019 e 2020, a Tembici registrou um crescimento de 70% na receita por usuário. A porcentagem de retenção expandiu de 67% para mais de 80% dos usuários. A Tembici também registrou pela primeira vez um EBITDA positivo (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). “Por fim, tivemos 15% de aumento na receita total na comparação entre o último trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020. Considerando que um percentual da nossa base ainda nem voltou ao deslocamento pela cidade, estamos otimistas para o futuro”, diz Martins.

A receita da Tembici vem tanto de patrocínios quanto dos próprios usuários. Em patrocínios, a parceria mais conhecida é com o Itaú (ITUB4). Em 2017, a startup assumiu as operações de bicicletas compartilhadas do banco nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Entre 2017 e 2019, expandiu o número de corridas em dez vezes. Em setembro de 2020, a Tembici também lançou um projeto-piloto de bicicletas elétricas em parceria com o Itaú e o iFood. São 1.000 e-bikes no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Na frente de usuários, a estratégia da Tembici é colocar um preço que se aproxime do visto no transporte público. Por exemplo, o plano básico do Bike Sampa custa R$ 29,90 por mês e permite quatro viagens diárias. No caso das bicicletas elétricas, há uma cobrança adicional de R$ 4 a cada 15 minutos de viagem.

Bicicletas compartilhadas do Itaú, com gestão pela Tembici (Divulgação)
Bicicletas compartilhadas do Itaú, com gestão pela Tembici (Divulgação)

Bikes compartilhadas: contas difíceis de fechar

Bicicletas e patinetes elétricas fizeram sucesso na China há alguns anos, mas isso não se refletiu em rentabilidade para suas principais empresas. A Ofo, uma das maiores chinesas no setor, foi criada em 2014 e captou US$ 2,2 bilhões com fundos de investimento. Mas, no final de 2018, a Ofo considerou a falência e enfrentou protestos de usuários que queriam seu dinheiro de volta.

Outras startups chinesas de bicicletas compartilhadas, como Mobike e Bluegogo, também enfrentaram dificuldades financeiras. A oferta superdimensionada levou a “cemitérios de bicicletas” espalhados pela China, espaços onde os equipamentos eram empilhados e abandonados.

Segundo reportagem feita na época pela revista britânica The Economist, é justamente a captação junto aos fundos de investimento que sustentou a expansão de negócios como a Ofo durante tanto tempo. Agora, a companhia investe em uma vertical de comércio eletrônico.

Em terras brasileiras, a Grow, que recebeu um aporte de US$ 150 milhões após a união entre a brasileira das bicicletas Yellow e a mexicana das patinetes Grin, fez uma reestruturação que inclusive encerrou o uso de bicicletas em janeiro de 2020. A empresa pediu recuperação judicial em julho do mesmo ano. As dívidas da Grow totalizam R$ 40 milhões.

“Entendemos que o nosso negócio é de médio a longo prazo. Não precisamos sair queimando dinheiro como estratégia de crescimento. Capturamos bem isso em 2020”, afirma Martins.

Entre as explicações dadas pelo CEO para o EBITDA positivo da Tembici, estão o modelo de estações fixas, o investimento na qualidade das bicicletas e a comunicação com entidades públicas e privadas. “Apostamos na qualidade do produto e do serviço. Esse esforço traz garantia de receita: as pessoas confiam que terão uma bicicleta em diversas estações e que ela estará em bom estado. Também traz redução de despesas, porque o custo de manutenção é menor em uma bicicleta de maior qualidade e que não está solta na rua. Também temos parcerias fortes com as prefeituras, desenhando onde colocar as estações, e com patrocinadores.”

Além da sustentabilidade financeira, a sustentabilidade ambiental, social e de governança ganhou força ao longo do último ano – movimento resumido na sigla ESG (environmental, social and governance, em inglês). Segundo Martins, a Tembici ajudou a reduzir a emissão de CO² em mais de 4 mil toneladas.

“A pauta de ESG também dá muito impulso ao nosso mercado. Não é sobre fazer dinheiro, mas saber como você o faz. Nosso usuário já tinha essa preocupação, além da análise de custo-benefício. Agora, vemos como o ESG permeia a cadeia de investidores e passa a educá-los sobre negócios que também geram benefícios diretos ou indiretos para a sociedade”, diz Martins.

A Tembici captou no último ano um aporte de US$ 47 milhões. O aporte foi liderado pelos fundos Redpoint eventures e Valor Capital Group, e completado pelo IFC (braço financeiro do Banco Mundial) e Joá Investimentos (hoje parte da Igah Ventures).

Tembici em 2021

A Tembici busca chegar a mais de 25 milhões de corridas anuais e aumentar a receita em 60% em 2021, na comparação com 2020. “O primeiro semestre ainda terá um nível razoável de isolamento, que deve cair no segundo semestre. A bicicleta elétrica também atrairá novos usuários, focados em distâncias longas, relevos diferentes e menos esforço no trajeto.”

A startup afirma deter 70% de participação no mercado latino-americano de bicicletas em estações fixas. Esse mercado deve chegar a mais de 300 mil bicicletas até 2026. Hoje, a Tembici tem 16 mil bicicletas. “Estimamos que nosso negócio ainda pode crescer cerca de 15 vezes”, diz Martins.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.