“Jogo do aviãozinho”: o que são as apostas de cassino e como PL aprovado pode legalizar prática?

Após sanção presidencial, brasileiros poderão apostar em cassino online; veja riscos

Giovanna Sutto

(Getty Images)

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A casa de apostas “Blaze” está no alvo de uma investigação policial, bem como um grupo de influenciadores que divulgaram a plataforma, após relatos de jogadores que disseram não ter recebido valores ganhos em jogos da empresa, conforme reportagem recente do Fantástico. A Blaze ficou conhecida pelo seu jogo chamado “Crash”, ou como popularmente ficou conhecido: “jogo do aviãozinho”.

No jogo, o apostador deve clicar para o avião começar a voar e precisa parar o voo antes de aparecer a palavra “crash”. Se conseguir, o valor que apostou é multiplicado pelo número que aparece na tela. Mas, se a palavra “crash” aparecer antes dele parar o voo, o apostador perde o dinheiro.

Esse tipo de aposta é conhecido como “cassino online” ou “jogo de fortuna”, da mesma categoria do “Jogo do Tigre”, também envolvido em uma polêmica recente.

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Esse formato de aposta é proibido no Brasil, com base na Lei de Contravenções Penais (nº 3.688/1941 art. 50) — quando a prática tem potencial ofensivo menor. A lei define penas para quem “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”. Segundo a lei, “jogos de azar” são aqueles que, entre outros pontos, “o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”.

Porém, nesta sexta-feira (22), a Câmara dos Deputados aprovou o PL nº 3626, de 2023, que regulamenta as apostas esportivas, conhecidas também como apostas de cotas fixas, e voltou a incluir as apostas de cassino no texto. O Senado tinha retirado desse projeto de lei os jogos de cassino online. Agora, o texto aguarda sanção presidencial.

O InfoMoney entrou em contato com advogados especialistas em direito de jogos e do setor para responder 8 principais dúvidas sobre essa categoria de aposta — a de cassinos online. Confira:

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1. Quais as diferenças entre apostas esportivas e apostas de cassino?

A principal diferença entre as modalidades é o tipo de evento no qual cada uma se baseia, já que em ambos os casos o apostador conta com a sorte (mesmo que em maior ou menor nível).

No caso das apostas esportivas, uma pessoa aposta em um resultado de uma partida de futebol, por exemplo, ou na chance de um jogador fazer um gol, entre outras possibilidades.

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“Elas são baseadas em um evento esportivo real, ou seja, que acontece na vida real independentemente da aposta. Além disso, o apostador sabe exatamente quais serão os ganhos, se acertar o resultado”, explica Filipe Senna, advogado especialista em Direito de Jogos e sócio do Jantalia. Assim, se você aposta que o Neymar fará um gol em um jogo da seleção brasileira, sabe exatamente quanto vai ganhar se o gol sair, sabe que não ganha nada a mais se o Neymar fizer dois ou dez gols e também sabe que vai perder se o gol não acontecer.

Já nos jogos de cassino, as apostas acontecem sobre um “evento aleatório emulado”, ou seja, criado para o jogo, sem qualquer relação com a vida real. “O computador define o ganhador. É aleatório e depende exclusivamente da sorte. O jogador sabe quanto pode ganhar, mas o valor varia muito a depender da combinação de resultados”, pontua o especialista. Jogo do avião, do Tigre, caça-níquel, bingo, entre outros, se enquadram nesta categoria.

No jogo do “aviãozinho” da Blaze, por exemplo, o apostador tem ideia de quanto vai ganhar porque sabe quanto proveu para começar a jogar, mas o valor final pode ser completamente diferente da expectativa inicial, já que ele pode sobreviver mais ou menos no jogo até parar de jogar ou receber o “crash” e eventualmente perder tudo o que apostou.

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“Os jogos de cassino têm o chamado fator randômico ou RNG. A cada clique existe um ‘spin’ aleatório que faz o jogo acontecer. Esse fator pode ser fiscalizado ou auditado, como acontece no exterior, por exemplo, para garantir que o jogo seja aleatório, sem riscos de manipulação. Depende da seriedade da empresa que opera e da regulamentação”, ressalta Leonardo Baptista, CEO da Pay4Fun, plataforma de pagamentos de apostas.

2. Apostas de cassino são ilegais?

Diferentemente das apostas esportivas, que foram legalizadas em 2018 — por meio da Lei nº 13.756 no governo Temer —, as apostas de cassino não tiveram nenhuma emenda extra ou atualização desde a lei das Contravenções Penais, nº 3.688/1941 — até a aprovação do PL nº 3626/2023 nesta sexta.

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“A legislação brasileira proíbe a prática de apostas de cassino em território nacional. A Lei 3.688/41, em seu artigo 50, estabelece que a exploração dessa modalidade de aposta se enquadre em contravenção penal (infração legal de menor potencial ofensivo)”, explica Raphaell Marden, advogado de direito do consumidor do Goulart Penteado.

Por isso, o entendimento jurídico dos especialistas é de que esses jogos são proibidos até a sanção oficial da Presidência. “Isso porque o presidente pode vetar alguma parte do PL”, detalha Marden.

Enquanto a sanção não acontece, segundo o advogado, para a empresa em território nacional que ofertar esse serviço, a lei prevê para quem oferece jogos de cassino pena de prisão, de três meses a um ano, e multa sem prejuízo de outros enquadramentos legais, se constatada eventual fraude.

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Apesar disso, tão logo a lei entre em vigor, com a publicação após a sanção presidencial, a prática de cassinos online será permitida.

3. Quais são as regras para as casas de apostas no Brasil?

As casas de apostas funcionam no Brasil porque não possuem sede em território nacional.

Segundo Marden, não há qualquer impedimento para que as casas de apostas disponibilizem esses jogos de cassino, ainda que considerados proibidos justamente porque não estão sob o perímetro brasileiro.

“A legislação brasileira proíbe o funcionamento de cassinos físicos em território nacional, bem como os virtuais aqui hospedados. No entanto, não há proibição para funcionamento das casas de apostas hospedadas no exterior, desde que o jogo seja legalizado naquele país, como é o caso da Blaze”, explica Marden.

Segundo Baptista, CEO da Pay4Fun, as empresas geralmente têm sede em países como Inglaterra, Malta, Curaçao – como a Blaze -, entre outros. “Nesses locais, há legislação e regulamentação para o funcionamento do setor de apostas”, diz.

Na visão dele, as empresas do setor terem um CNPJ no Brasil é importante para que o governo brasileiro possa fiscalizar as atividades e garantir que a prestação de serviço será idônea, o que pode ajudar a proteger os consumidores e evitar problemas como o não recebimento de valores ganhos — um dos motivos pelos quais a Blaze está sendo investigada, conforme a reportagem do Fantástico.

“Boa parte dessas empresas têm sede em paraísos fiscais, ou seja, não compartilham dados com o Brasil, como informações societárias, arrecadação de tributos, movimentações financeiras, entre outros. Assim, o governo brasileiro fica de mãos atadas para fazer uma fiscalização eficiente ou mesmo punir culpados em eventuais infrações”, acrescenta Senna, do escritório Jantalia.

Com a sanção do PL nº 3626, de 2023, as casas de apostas precisarão ter sede no Brasil, além da necessidade de um sócio brasileiro com, no mínimo, 20% de capital social, ressalta Marden.

4. Um apostador que ganha dinheiro com essa categoria de jogo pode ser punido?

Caso a sanção do PL ocorra, a prática ficará liberada.

Mas enquanto o texto da lei não for sancionado pelo presidente, Marden afirma que o apostador também não enfrentará problemas. “Se a aposta de cassino é realizada em site hospedado em país estrangeiro, onde a prática é legalizada, o usuário não enfrentará quaisquer problemas, haja vista que a legislação brasileira não abarca essa extensão”, avalia Marden.

Apesar disso, o parágrafo 2 do art. 50 da Lei de Contravenções Penais prevê multa em dinheiro para apostadores, que pode ir de R$ 2 mil a R$ 200 mil. Porém, como até então não havia regulamentação, a fiscalização sempre foi limitada. “O governo não tem como fiscalizar casa por casa do país para saber quem está jogando jogos de cassino e barrar a atividade. Fica difícil ter controle”, explica Senna.

5. Jogador ganha em aposta e não recebe o valor da empresa: o que deve fazer?

Sem a regulamentação, a situação nesses casos poderia ficar complicada justamente porque as empresas não estão sediadas no Brasil.

“Se uma pessoa se sente lesada e abre um processo contra uma casa de aposta que não tem CNPJ local, o poder judiciário não pode citar a empresa nominalmente, o que dificulta muito o andamento do processo. Se a empresa não tem ativos no Brasil, fica muito difícil recuperar qualquer valor”, explica Senna, advogado especialista em direito de jogos.

Ele ressalta que há casos em que apostadores processam a plataforma e os influenciadores que fazem publicidade, alegando uma cadeia de consumo, já que a promoção da plataforma vem dos dois lados. “Mesmo assim, há muita dificuldade de levar os casos para frente sem uma regulamentação sobre o tema”, diz o advogado do Jantalia.

Com uma regulamentação definida e aprovada, a expectativa é que o consumidor tenha mais proteção e suporte em casos de problemas com as casas de apostas. “As empresas poderão ser responsabilizadas pelas operações aqui”, ressalta Leonardo Baptista, da Pay4Fun.

6. Quais os riscos da aposta de cassino?

Os riscos não são diferentes de qualquer outro tipo de aposta. Os jogadores podem ter um consumo excessivo e lidarem com problemas financeiros ou passarem mais tempo que o necessário nas plataformas podendo desenvolver patologias mais sérias em decorrência do vício.

“Aposta é entretenimento. Não deve ser vista como fonte de receita ou ganho. O principal ponto é jogar com responsabilidade. Isso inclui o apostador, mas também o influenciador que oferta um ‘aposte e ganhe’, sendo que não existe essa garantia”, afirma Baptista, da Pay4Fun.

7. Quais os cuidados que o jogador interessado deve tomar?

8. Com o PL aprovado, quais as taxas envolvidas para os apostadores?

O texto aprovado define a cobrança de 15% de Imposto de Renda para pessoas físicas sobre o valor líquido dos prêmios obtidos. No primeiro texto aprovado pelos deputados, o valor era de 30%. A cobrança será feita pelo total de apostas por ano, sobre o valor que exceder R$ 2.112, primeira faixa do IR.

9. Com o PL aprovado, quais as taxas envolvidas para as empresas?

Já as empresas serão tributadas em 12% sobre a receita bruta dos jogos subtraídos dos prêmios pagos aos apostadores, o chamado GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), conforme proposto pelos senadores. A Câmara havia sugerido, inicialmente, alíquota de 18%.

Além disso, as empresas interessadas deverão desembolsar até R$ 30 milhões pelo direito de exploração de até três marcas comerciais por até cinco anos.

Os deputados também derrubaram um artigo incluído pelo Senado que igualava a cobrança de imposto sobre o lucro das empresas dos chamados fantasy sports (jogos de fantasia) às outras apostas online — nesses casos, o resultado do jogos depende de resultados da vida real. Pelo texto aprovado, essa modalidade vai continuar pagando 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e não os 12% sugeridos pelos senadores.

10. Quanto o governo pode arrecadar com a regulação do setor de apostas?

Inicialmente, a equipe econômica previa arrecadar algo em torno de R$ 700 milhões em 2024 com a medida, mas a inclusão dos cassinos virtuais deve aumentar esse valor. As estimativas chegam a R$ 12 bilhões em um mercado totalmente regulado.

*Com Estadão Conteúdo e Agência Câmara.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.