‘Jogo do Tigre’: prisões, vício e perdas milionárias – quais são os riscos desse tipo de aposta?

Modalidade, no momento, é classificada como contravenção penal no Brasil

Jamille Niero

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Nos últimos dias ganharam destaque na mídia operações da polícia contra grupos que divulgavam e comercializavam o famoso ‘Fortune Tiger’, também conhecido como “Jogo do Tigre” no Brasil. Operações no Paraná e no Maranhão chegaram a envolver até influenciadores digitais, além de prender três homens e apreender carros e motos de luxo, dinheiro, celulares e armas de fogo.

O ‘Fortune Tiger’ é considerado um “jogo de fortuna” ou “jogo de slot”, que funciona no ambiente on-line, simulando as máquinas de “caça-níquel”. É formado por três bobinas e um número limitado de linhas de pagamento que, em teoria, pagam um prêmio ao apostador que conseguir acertar a combinação dessas bobinas — geralmente são símbolos como frutas, barras e sinos.

Atualmente, esse tipo de jogo é classificado como uma contravenção penal, que são os crimes considerados de menor potencial lesivo. É uma atividade não regulamentada no Brasil, mas já há discussões para isso, como o projeto de lei em tramitação no Congresso, o PL 3626/2023, com votação prevista para acontecer no Senado nos próximos dias, que pleiteia a regulamentação das apostas esportivas – as famosas BETs, além do mercado dos cassinos on-line. Dentro dessa categoria estão jogos como o ‘Fortune Tiger’.

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De acordo com Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados e mestre em Direito de Jogos, o problema desses jogos no Brasil é que, justamente por não haver regulação, eles são operados por empresas que não são do meio e muitas vezes o marketing comercial é realizado por influência, “sem o cumprimento de regras de publicidade ou de jogo responsável”. O resultado são os problemas como os divulgados pela mídia – com jogadores chegando a perder milhares de reais nas plataformas.

As pessoas vivem o ‘Jogo do Tigre’ como uma proposta de aumento de rentabilidade, de lucratividade, até como se fosse uma ocupação e na verdade não é. Os jogos, tanto as apostas esportivas, quanto os jogos de fortuna, de cassinos, devem ser vistos como forma de entretenimento, de se divertir, e não uma maneira de ganhar dinheiro”, comenta.

Na análise da psicóloga Shenia Karlsson, entre os riscos do consumo de jogos on-line como esse estão a ilusão com as promessas anunciadas, já que é uma plataforma de fácil acesso, democrática por ser barata e de baixa complexidade, possibilitando que qualquer pessoa, de qualquer faixa etária e qualquer classe social tenha contato. São riscos que podem ser potencializados por algumas tendências humanas, como a sugestionabilidade. “Se tá na boca do povo, a gente pensa: vou aderir também. E a gente também não pode esquecer que muitos desses jogos são anunciados e promovidos, hoje em dia, por influência. Influenciadores são pessoas que constroem uma certa relação com seu público e com os seus seguidores. Então imagina um produto, um jogo, que vira febre nas redes sociais e ainda tem o aval daquela pessoa que você segue diariamente? É muito difícil não aderir”, observa. Segundo ela, o risco nesse sentido aumenta não somente por ser on-line, mas também por envolver relações que são construídas no ambiente on-line.

O advogado explica que uma das propostas do PL é a criação de regras de “jogo responsável”, a exemplo do que já acontece em outros países onde há regulamentação dessa atividade, com algumas limitações de publicidade, por exemplo. “O que seria esse jogo responsável? São um conjunto de políticas, ações e informações para gerar uma boa relação entre jogador e plataforma, exatamente para que o jogador entenda que ele está ali para se divertir, dizendo que ele não pode gastar mais do que deve, e ele tem que ter os períodos de pausa, tem que entender que o jogo não é a única atividade da vida dele”, complementa Senna.

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Shenia explica que toda forma de propagação de informação é fundamental sempre que um advento social toma enormes proporções e causam prejuízos ao cidadão. Cabe ao Estado pensar estratégias para amenizar riscos e prevenir situações-problemas que podem ser evitados – como o comprometimento da saúde financeira de indivíduos e seus familiares por conta do descontrole na utilização das plataformas.

Porque quando a gente decide consumir algo também é de nosso direito saber o risco. E no caso dos jogos de azar, o risco é o endividamento, adquirir uma compulsividade e até a degradação moral. Pessoas viciadas em jogo podem fazer qualquer coisa”, salienta a psicóloga.

O especialista em Direito de Jogos pontua ainda que a proposta em debate no Congresso contempla restrições aos menores de idade, que não podem praticar as atividades de jogo, e também aqueles jogadores compulsivos ou potencialmente patológicos, com a utilização de ferramentas pelas plataformas para monitorar essa utilização.

Fui lesado: o que fazer?

De acordo com Senna, a falta de regulamentação é o que também dificulta a vida dos usuários das plataformas que se sentirem lesados por perdas financeiras pedirem reparação. Isso porque muitas dessas empresas que operam hoje com a modalidade no Brasil estão sediadas em outros países. “Geralmente paraísos fiscais, onde não tem acordo de extradição”, pontua.

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Segundo o advogado, até existe a possibilidade de questionar no Procon e levar a questão na esfera criminal, mas ainda assim é difícil obter algum retorno pelo segmento estar em um “momento de transição”. “Com a regulamentação [as empresas e divulgadores] vão ter que se adequar. Quem não tiver autorização não poderá atuar no país. A regulamentação é importante porque vai muito além da simples arrecadação de impostos, traz regras e parâmetros para o brasileiro consumir de forma mais segura o que já é consumido”, ressalta o advogado.

O jogador deve buscar ajuda ao notar comportamentos como:

Jamille Niero

Jornalista especializada no mercado de seguros, previdência complementar, capitalização e saúde suplementar, com passagem por mídia segmentada e comunicação corporativa.