Compra passagens com milhas? Programa da Latam tem falhas e causa transtornos a clientes; veja o que fazer

Com 23 milhões de clientes, Latam Pass migrou de sistema e causou problemas que só serão totalmente resolvidos nos próximos três meses

Giovanna Sutto

(Getty Images)

Na hora de viajar, ninguém quer enfrentar perrengues — sobretudo, nas férias. O objetivo a ser buscado é: praticidade e menos custo. Nesta rota, as milhas (ou pontos) ganham espaço pelas formas de acúmulo e resgate.

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O roteiro de viagem de muita gente, porém, vem enfrentando dificuldades para sair do papel e decolar por falhas em um dos principais programas de milhas existentes no Brasil. As queixas, no momento, estão concentradas no Latam Pass, ofertado pela Latam Airlines a 23 milhões de clientes no país.

Consumidores ouvidos pelo InfoMoney relatam uma série de problemas tanto na emissão como no resgate de milhas. Alexandre Tsunoda, 30, engenheiro de São Paulo, é um deles.

“Queria emitir uma passagem para Europa e não conseguia pelo site da Latam de nenhuma forma. Nem milhas, nem cartões. Indicava erro no meio de pagamento, nada dava certo. Consegui emitir com pontos apenas por telefone horas depois”, conta.

Tsunoda até que conseguiu, após muitas tentativas, uma passagem via milhas. Mas os números mostram que muita gente não teve a mesma sorte. Segundo o ReclameAqui, entre janeiro e junho deste ano, o programa de milhas da Latam foi alvo de 1.080 reclamações relacionadas com a compra de passagens, alta de 37% na comparação com o mesmo período de 2021.

A plataforma ReclameAqui também diz que, de todas as reclamações sobre milhas no período analisado, 85% são da Latam. Quando são consideradas as reclamações totais, a empresa aérea acumula 24,5 mil queixas no primeiro semestre de 2022. O número já é mais da metade do total registrado em 2021, com 42,6 mil reclamações.

Os relatos dos consumidores registrados no ReclameAqui concentram-se no acúmulo e no resgate dos pontos para emissão de passagens.

Confira, abaixo, três reclamações contra o Latam Pass extraídas do ReclameAqui:

“Entrei no site para fazer um resgate e, para minha surpresa, expirou um total 140.800 milhas em 30 de junho, sem qualquer aviso prévio. Achei que faltou bom senso, afinal, estamos em pandemia e não me sentia segura para viajar. Aí, quando vou resgatar, não tenho mais nada. O site passou por diversos problemas e manutenção me impedindo de utilizar. Me sinto enganada pela Latam e desrespeitada. […]”, disse uma cliente na segunda-feira (11).

“Faz 4 semanas que estou ligando na Latam Pass para tentar creditar pontos de voos que já ocorreram no meu programa de milhagem […] E eu simplesmente não consigo abrir um número de protocolo sobre o pedido porque ninguém realiza este serviço aparentemente. Sem contar as inúmeras vezes que a ligação cai após quase 1 hora de atendimento […]”, afirma outro cliente, em depoimento publicado também na segunda.

“Estou com três viagens que não tiveram os pontos creditados no portal Latam Pass. Ainda, tive descontos em um resgate que eu fiz em 8 de julho, que desconheço”, contou outro passageiro em reclamação feita na terça-feira (12).

Leia também: Milhas: o que são, como ganhar e o que fazer com elas

Falhas no Latam Pass

Martin Holdschmidt, diretor do Latam Pass na Latam Airlines Brasil confirma as falhas que, segundo ele, são decorrentes de uma migração tecnológica de sistemas.

“Estamos trabalhando em migrações [de sistemas] desde novembro e, recentemente, tivemos duas bem importantes. A primeira em março, quando mudamos o site de resgate e todo o fluxo de resgate de passagens aéreas, que antes era feito por uma plataforma separada. Então, na hora de usar pontos, o cliente era redirecionado para outra tela, que era obsoleta e com uma experiência ruim, além das instabilidades”, diz.

A migração, segundo o executivo, foi percebida pelos clientes porque o layout do site mudou. No entanto, os problemas vêm aumentando desde a segunda atualização, entre 17 e 23 de maio.

“Neste intervalo fizemos uma segunda atualização de sistema no programa de fidelidade, desta vez, na plataforma que mantém a gestão das contas de usuários, benefícios, de pontos e milhas. Por isso, entre 20 e 23 de maio de 2022 realmente ficamos fora do ar. Não tinha como fazer nenhum serviço que temos”, confirma o executivo.

Apesar de ter ficado fora do ar, Holdschmidt diz que houve uma programação. “Anunciamos que faríamos isso para que quem precisasse conseguisse se planejar. Colocamos banners no site, disparamos e-mails e os pontos que expiravam dentro desse período [até 23 de maio], prorrogamos a validade”, afirmou sem mencionar quanto tempo foi a extensão da validade.

Segundo a empresa, o projeto de transformação digital ao programa de milhas foi priorizado nos últimos dois anos, por causa da crescente demanda online.

“Já estava no nosso road map, e mantivemos o investimento e priorização durante a pandemia, quando vimos o quão necessário era fazer essa migração para melhorar nossos serviços online”, afirma Holdschmidt.

“Agora temos, por exemplo, diferentes perfis tarifários para emissão com pontos. Antes tínhamos apenas um perfil de tarifa para resgate. O que significa que a pessoa que despachava mala e a pessoa que não fazia isso pagava o mesmo valor. Agora temos valores mais assertivos para cada caso”, explica Holdschmidt.

Apesar das dificuldades atuais, a primeira migração de março foi feita com a promessa de trazer mais estabilidade, confiabilidade, segurança e mais disponibilidade da plataforma para o cliente conseguir usar os serviços a qualquer momento. O executivo garante que, a partir da nova plataforma, mais serviços serão disponibilizados ao consumidor.

terminal de passageiros do aeroporto de Confins

Parceiros com problemas

Hoje, no Brasil, a Latam Airlines possui quatro unidades de lojas físicas, chamadas de Latam Travel. Uma das franquias pertence à Ane Kiefer e fica localizada no Itaim Bibi, bairro da zona oeste da capital paulista. Kiefer conta que, desde 21 de maio, sua unidade não consegue emitir passagens usando pontos. “Nos programamos para ficar sem o serviço entre 21 e 25 de maio, mas o problema se estendeu”.

Segundo a empresária, a Latam ofereceu pouquíssimo suporte, explicando que os clientes conseguem emitir passagens com pontos no site do Latam Pass ou via Call Center da empresa.

“Na nossa unidade, as milhas eram muito populares. Na média, eu fazia cerca de 500 emissões de passagens por mês utilizando pontos. E caiu para zero porque não tenho mais acesso ao sistema. Eu tive uma queda muito significativa no faturamento entre maio e junho porque 80% das emissões de passagens que fazemos na loja envolvem pontos”, afirma Kiefer, dona da franquia há 12 anos.

Ela explica que muitos clientes mesclam os formatos de pagamento das passagens. Uma família de cinco pessoas, por exemplo, aproveita os pontos para emitir três passagens e só paga, em dinheiro, duas.

“A sensação é horrível porque tem o produto e não posso vender. Do nosso lado, não temos transparência da Latam, explicando o que está acontecendo ou mesmo oferecendo um canal de suporte exclusivo para as franquias, que pudesse nos diferenciar do mercado. Me senti deixada de lado”, conta.

A Latam vem adotando uma postura mais digital, e essas quatro lojas abertas, em breve, deixarão de existir. A empresa optou por encerrar o negócio de franquias de agências de viagem em novembro de 2019 e, atualmente, conta somente com as quatro unidades.

“Há um cronograma de encerramento completo do canal no decorrer de 2023”, diz, por nota, a empresa. Kiefer sabe disso e sua franquia será fechada no final deste ano. “A tendência é realmente que as lojas fechem, mas ainda estamos abertos”.

Principais falhas

Segundo Holdschmidt, o site voltou ao ar em 24 de maio. “As funcionalidades estão disponíveis, mas é uma mudança em nosso ERP [sistema de gestão], então, é super significativa. Por isso, realmente temos alguns ajustes a serem feitos”, admite.

Assim, apesar de o site estar funcionando, os consumidores ainda podem encontrar alguns problemas.

Segundo o executivo, o acúmulo de pontos ainda apresenta falhas recorrentes. “Ficamos sem conseguir processar os pontos adquiridos de quem voa com a gente. Quem viajou durante o período de atualização do sistema (até 24 de maio) pode não conseguir somar os pontos acumulados. Quem viajou a partir desta data, os pontos devem estar sendo acumulados normalmente”, afirma.

Holdschmidt diz que a empresa está trabalhando para solucionar o problema, sem detalhar os mecanismos que estão sendo implementados.

Outro segmento que também apresenta falhas é o chamado crédito de trechos qualificáveis. “Também estamos tentando solucionar, mas alguns clientes estão informando problemas no acúmulo”, diz.

Esses créditos são pontos acumulados em trechos específicos de viagens que servem para que o cliente suba de nível na categoria do programa Latam Pass. Quanto maior o nível, mais benefícios na hora de voar. Se os pontos não são registrados, o cliente não consegue ter acesso ao upgrade do programa.

Em relação ao resgate de milhas, o executivo diz que a “maioria dos problemas foram solucionados”, mas sempre “pode surgir alguma particularidade”.

“A gente vinha em uma tendência positiva de redução de reclamações desde março. Quando implementamos a segunda migração, embora já fosse esperado, tivemos sim um repique de problemas. De novo, muito focado na parte de acúmulos de pontos, a parte de resgate está funcionando melhor”, diz o executivo.

Questionado sobre quando o programa volta a operar de forma estável, Holdschmidt afirma que, em menos de três meses, tudo será resolvido.

Como fica o consumidor?

Victor Hanna, advogado especializado em direito aeronáutico, diz que o consumidor afetado pela indisponibilidade do sistema do Latam Pass pode buscar reparação.

“A recomendação é sempre comprovar o prejuízo. Ter, por exemplo, um print da diferença de custos entre os dias funciona para esse tipo de situação. A pessoa que for entrar com o processo judicial precisa embasar o que está alegando para tentar garantir que o processo corra ao seu favor”, afirma.

A dica do especialista é que os clientes procurem, primeiro, meios administrativos e extrajudiciais, como por exemplo a plataforma Consumidor.gov, que realiza a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução alternativa de conflitos de consumo pela internet. O Procon da região em que o consumidor vive é outra saída.

“As medidas judiciais, como o ajuizamento de uma ação indenizatória, por exemplo, devem ser tomadas apenas caso o problema não seja resolvido na esfera administrativa”, diz Hanna.

Leonardo Waterman, advogado especializado em crimes contra o consumidor, diz que a falta de regulamentação sobre as milhas atrapalha a vida do consumidor.

“A falta de fiscalização e controle efetivo sobre as milhas das companhias aéreas transformam o sistema em uma ‘grande farsa’. E as partes dependem sempre da boa vontade das companhias aéreas. As pessoas usam cartões, assinam programas de milhas, acumulam os pontos, e tudo mais, mas, no fim do dia dependem do que as companhias aéreas decidem, em termos de acesso a serviços e preços”, diz.

Hanna explica que, por falta de regulamentação do serviço, as companhias aéreas e as plataformas de comercialização podem criar suas próprias condições de negociação.

“Existem Projetos de Lei que visam regulamentar tal prática, todavia, ainda aguardam a análise e o parecer de determinadas comissões do Congresso”, explica Hanna. Sem regulamentação, os programas de milhas não são fiscalizados.

A Latam afirma que os clientes atingidos pela migração de seus sistemas podem contatar a central de atendimento da empresa por telefone (4002-5700) ou acionar a Central de Ajuda, no site da Latam Pass.

Segundo a empresa, o atendimento eletrônico solicitará ao cliente a apresentação do número de seu Latam Pass. “Os clientes das categorias Platinum, Black e Black Signature do programa, por sua vez, são direcionados para um atendimento Premium da Latam”, diz, por nota, a empresa.

Comércio de milhas

Muitos consumidores utilizam plataformas paralelas que não são de companhias aéreas para comercializar seus pontos e emitir passagens pagando menos ou para vender suas milhas e embolsar os valores. O movimento se intensifica com os preços de passagens em patamares elevados como estão agora.

A alta se justifica por alguns motivos. Segundo a Anac, houve aumento de 82,7% no preço do combustível de aviação, considerando o primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2019.

Além disso, a taxa de câmbio do real frente ao dólar teve aumento 38,7% no mesmo período de comparação. “Tanto o dólar quanto o querosene de aviação tiveram forte influência nos custos do combustível que representam cerca de 29,3% das despesas dos serviços aéreos”, diz a Anac em seu site.

No caso dos custos das milhas, uma série de fatores impactam o preço: além do combustível, a sazonalidade, antecedência da compra, origem e destino, ocupação do voo, além de incentivos comerciais que a empresa coloca em determinados trechos, em casos de promoções, por exemplo. “Somos nós que administramos e direcionamos os estímulos”, diz Holdschmidt.

Por isso, cada companhia aérea define o custo dos pontos que os passageiros podem emitir, o que torna todo o sistema mais variável.

Sobre essa comercialização fora dos programas oficiais das companhias aéreas, Hanna diz que o entendimento da Justiça ainda é controverso.

“Por um lado, há decisões que afirmam que, ao aceitar o regulamento dos programas de fidelidade, os clientes não devem vender seus pontos a terceiros, já que isso vai contra o contrato firmado entre empresa e consumidor. Outras decisões judiciais já consideram que os pontos são parte do patrimônio do consumidor e podem ser vendidos, sendo que qualquer cláusula que impeça a comercialização ou limite à transferência de milhas para terceiros seria abusiva”, afirma.

Procurada, a Anac disse, por nora, que os sistemas e a comercialização de milhas não fazem parte de suas atribuições. “Programas de milhagem ou pontos estão relacionado a bens de consumo e tratam-se de um serviço opcional da companhia aérea, dissociável do transporte aéreo”.

A Latam repudia o comércio de milhas fora de seu programa, e, segundo Holdschmidt, o regulamento não permite a prática. “Em muitas dessas plataformas, o cliente precisa compartilhar senha e login e acaba se expondo para conseguir usar ou vender milhas de/para terceiros. Tem risco da segurança da informação, além da possibilidade desse terceiro, com os dados do titular em mãos, poder fazer resgates indevidos na conta oficial do Latam Pass”.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.