Bolão da firma: participa só quem quer ficar rico na Mega da Virada? Especialistas dizem que não

Alta adesão em apostas coletivas pode ter aspectos até de coerção social; veja o que pensam as empresas

Maria Luiza Dourado

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Não é nenhuma novidade que os bolões dominam as conversas de corredor e, numa versão mais atualizada, de WhatsApp, das equipes no final de ano conforme o sorteio da Mega da Virada se aproxima. Isso porque as apostas em grupo, chamadas de bolões, aumentam matematicamente a chance de acerto — para levar o prêmio de R$ 570 milhões —, devido à grande quantidade de jogos feitos de uma vez.

Mas será que o desejo de ficar rico é o único chamariz entre os que fazem os bolões da firma? Para especialistas consultados pelo InfoMoney, as explicações para a alta adesão de apostas em grupos corporativos vão além e beiram até a coerção social.

“Todo comportamento social tem um grau de coerção, ou seja, há uma pressão externa para agirmos de determinada forma — existe, no final do ano, uma certa etiqueta natalina na participação de confraternizações ou desejo de boas festas. Ao mesmo tempo, o indivíduo é ator social, então, precisa modelar sua imagem perante os demais. Isso quer dizer que quando alguém participa do bolão, para além da utopia da realização financeira — que é o mais difícil — busca-se estabelecer vínculos, fazer a manutenção da relação com a galera”, explica Paulo Nicolli Ramirez, professor de sociologia na ESPM.

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Em coro, Lilian Cidreira, professora de Liderança e Inteligência Emocional da ESPM, entende que participar de um bolão pode ajudar na criação de laço do colaborador com o time e, em última instância, até contribuir para a produtividade do grupo.

“Apesar de a maioria dos bolões ser feita de forma independente pelos colaboradores, sem incentivo ou gestão da empresa, eles podem ser uma forma de unir e estreitar relacionamentos por meio de assuntos diversos, para além do trabalho. Estudos apontam que a produtividade da empresa melhora quando as pessoas aumentam seus relacionamentos, então, por essa ótica, é a chance de as pessoas de diversas áreas e cargos da empresa se juntarem em um tema em comum, sem o peso do dia a dia do trabalho”, afirma.

Além disso, a participação no bolão exercita confiança. “É realizada uma interação social de confiança. Tem que haver confiança no sujeito que organiza e faz as apostas, vai até a Lotérica. Existe o recolhimento de recursos. Então essa relação de confiança é aprofundada”, acentua Paulo Nicolli Ramirez, professor de sociologia na ESPM.

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E quem não participa?

Participar do bolão da empresa é uma opção e nem todos precisam aderir ao movimento. Ainda assim, o medo da exclusão por não participar do grupo existe.

“Existe um sentimento de julgamento porque parece que a pessoa que não entrou não quis se relacionar”, pontua Cidreira.

O julgamento pode variar, a depender, do motivo da não participação. “Diferente de um indivíduo que não participa do bolão por falta de recursos, que geralmente é compreendido e abraçado, aquele que escolhe não fazer parte do movimento pode ser excluído ou afastado de alguma forma”, diz Ramirez.

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Neste aspecto, é importante lembrar que o bolão da Mega da Virada é uma amenidade, assim como os bolões de Copa do Mundo ou até as organizações de Happy Hour, e não pode ser usado como justificativa para exclusão.

O grande medo, porém, de quem não participa de um bolão corporativo é não dividir o prêmio, caso a aposta em grupo saia vitoriosa. Em Santos (SP), 44 funcionários de uma empresa de logística portuária dividiram R$ 122 milhões de um bolão em 2022.

Os vencedores trabalhavam em diversas áreas da empresa — de serviços de limpeza e técnico em refrigeração até a liderança —, e cada um gastou R$ 17,18 para participar do sorteio. Os novos milionários não foram trabalhar no primeiro dia útil após ganharem quase R$ 2,8 milhões cada um.

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Segundo um dos vencedores, alguns funcionários que não participaram do bolão choraram ao descobrir que perderam a chance de ficar milionários. Outros, vazaram nomes, telefones e redes sociais dos colegas sortudos.

O que as empresas pensam?

As apostas em grupo são vistas como positivas não só pelos colaboradores. As empresas também veem a ‘fezinha’ com bons olhos, sobretudo, no processo que envolve a organização dos bilhetes que vão disputar o prêmio.

“Conversando com oito executivos associados da área de recursos humanos hoje [quinta, 21 de dezembro] ouvi de todos que os bolões são positivos para a equipe. É uma espécie de team building informal”, diz Cezar Almeida, membro do Conselho Deliberativo da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos).

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Team building, ou construção em grupo (em tradução livre), é o nome que se dá a uma série de técnicas comportamentais para o fortalecimento das relações em uma equipe. “Organizações desse tipo exercitam esse espírito de forma orgânica”, completa.

Almeida ressalta que, para aqueles que não querem participar do bolão, não há prejuízos do ponto de vista organizacional. “A empresa não tem nenhuma gestão sobre o tempo de vida pessoal e recursos pessoais de seus funcionários. Sendo assim, a organização não promove oficialmente o bolão, ou seja, ele não é um rito corporativo, e não há consequências negativas para quem não participa da aposta em grupo partindo dessa perspectiva”, explica.

Maria Luiza Dourado

Repórter de Finanças do InfoMoney. É formada pela Cásper Líbero e possui especialização em Economia pela Fipe - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.