O longo caminho para voltar à “vida normal”
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Ben Hockett é provavelmente um dos mais conhecidos anônimos do mercado nos últimos tempos.
Interpretado por Brad Pitt no filme A Grande Aposta, sobre a crise de 2008, Hockett é responsável pela fala que você provavelmente deve ter recebido no seu WhatsApp por estes dias: a cada 1% de aumento no desemprego, 40 mil pessoas morrem.
A discussão voltou à tona porque a crise e o desemprego são dados como certos.
Em apenas sete dias, os Estados Unidos receberam 3,25 milhões de pedidos de seguro-desemprego. O recorde anterior em uma única semana havia sido de 695 mil pedidos, em 1982. O país que estava há mais de dez anos sem um único mês de aumento do desemprego agora se vê em uma encruzilhada.
Calcular o custo de uma recessão não é das tarefas mais fáceis, mas é de longe uma das questões mais relevantes que devemos fazer no momento. Em especial, para podermos lidar com ela depois que a epidemia passar.
No Brasil, um estudo publicado em parceria por médicos brasileiros e ingleses atribui 31 mil mortes ao aumento do desemprego no país entre 2012 e 2017. A queda de arrecadação, que reduz o investimento em saúde pública e em programas assistenciais, está entre as razões.
Na ponta do lápis, o estudo, feito em mais de 5 mil municípios no país, calcula um aumento de 8% na mortalidade durante o período de crise, ou 0,5% para cada 1 ponto percentual de desemprego, quando excluídos outros fatores não relativos a falta de trabalho.
Trata-se de um número menos alarmista do que aquele que tem sido repassado por aí (baseado em um estudo dos anos 1970 e duramente criticado na academia), mas ainda assim relevante.
Este, porém, é um dado preliminar, uma vez que considera apenas questões envolvendo a qualidade de vida, que está fortemente correlacionada com a renda.
Em outro estudo, também sobre o Brasil, há indicativos de que 1% de aumento no desemprego entre homens pode levar a um aumento de 1,8% em homicídios.
Caminho incerto
É bem verdade que tudo tem mudado de uma maneira muito mais rápida do que a usual. Há duas semanas, a Secretaria de Política Econômica estimava em 0,56% o impacto da pandemia global em nossa economia.
Na semana passada, o governo estimou que o crescimento do PIB sairia de 2% para 0,02%.
Já nesta semana, o Itaú projetou queda de 0,7% do PIB (há 15 dias, outro corte tinha sido feito, de 2,2% para 1,8%).
Em suma, essa é a incerteza com a qual lidamos no momento.
Todos esses dados são de fato alarmantes, em especial pela lenta recuperação que o país já vivia em condições normais.
Nossa demografia mudou e a produtividade segue parada. Isso significa que sair da segunda crise na década pode ser ainda mais difícil do que na primeira vez. Ou, em resumo, podemos ter um estado de complicação permanente em nossa economia, daí o medo real de encarar estas consequências.
Não há dúvidas de que abandonar nosso modo de vida em sociedade, abdicando dos ganhos que geramos ao cooperarmos uns com os outros por meio do mercado, seria tão ou mais desastroso do que um vírus.
Vivemos em uma sociedade interdependente, na qual você pode almoçar e jantar comidas vindas de continentes distintos. Seu celular ou notebook contém peças fabricadas em inúmeros países, e mesmo um lápis, como dizia Friedman, depende de uma cooperação global.
Imaginar que podemos abdicar de tudo isso e ficar em casa por um período realmente prolongado é de fato insano. Não há ajuda do governo ou impressão de dinheiro que sustente nosso modo de vida desta maneira.
Falso dilema
Mas então devemos seguir a vida normal e ignorar a quarentena? Esse é um dos falsos dilemas que tem se apresentado nos últimos dias.
Em 27 de fevereiro, a prefeitura de Milão, cidade que hoje possui quase 5 mil vítimas do coronavírus, lançou o slogan “Milano non se fierma”, algo como “Milão não para”.
A ideia era que os cidadãos deveriam seguir suas vidas normais, e que, com o tempo, todos iriam criar anticorpos para combater o vírus.
No Reino Unido, a coisa não foi muito diferente. Antes de voltar atrás, o primeiro-ministro Boris Johnson, que foi diagnosticado com coronavírus, se mostrou contrário aos períodos de quarentena.
O fato é que estamos em uma guerra contra um inimigo que pouco entendemos até aqui. A capacidade de transmissão de uma gripe comum é de 1,3, contra 3 vezes a da covid-19.
Isso significa que, em dez ciclos, a gripe comum terá saltado de uma para 14 pessoas, enquanto o coronavírus terá saído de uma pessoa para 59 mil.
Trata-se de uma questão exponencial, na qual uma pessoa, ainda que assintomática, pode transferir o vírus para dezenas de milhares. Está aí o problema de isolarmos apenas grupos de risco.
Comparações com a gripe comum, que mata 1.700 pessoas por dia ao redor do mundo, são pouco úteis. Afinal, se olharmos em retrospecto, a covid-19 era responsável por 300 mortes diárias há duas semanas, contra 2.500 por dia nos últimos dois dias.
Se seu aspecto exponencial não for contido, ele gera, em poucas semanas, uma crise nos sistemas de saúde.
Não é, portanto, uma “gripezinha”, e sim um novo vírus que hoje pouco entendemos, mas que, dentro de duas semanas ou um mês, terá sido insistentemente testado por nós. Eis aí o segredo da quarentena.
Quarentena não é férias, mas um momento no qual preparamos nossos sistemas de saúde para um aumento de demanda e organizamos nossa reação para podermos testar e isolar infectados (diminuindo drasticamente o número de pessoas infectadas), garantindo uma estratégia.
Não há, sob hipótese alguma, como funcionar um isolamento vertical (aquele no qual apenas os grupos de risco ficam isolados) sem testes massivos.
Precisaremos estar preparados para aplicar milhares de testes todos os dias e garantir que aqueles que sejam infectados possam ser isolados rapidamente, garantindo que quebrem a corrente de transmissão do vírus.
Fazer tantos testes obviamente terá um custo, hoje estimado em R$ 95 para um exame padrão e R$ 130 para um exame rápido (um modelo desenvolvido aqui no Brasil e cujo resultado sai em 10 minutos).
É um custo alto, mas suportável se garantir que possamos voltar à vida em sociedade.
Um mundo novo
Essa, porém, não é toda a questão. Por mais que estejamos prontos a voltar a viver em sociedade, com armas em punho contra o vírus, é certo que ainda teremos um bom tempo de distanciamento social.
Veja bem, uma coisa é auto-isolamento, outra é distanciamento social. Mesmo que você possa fazer o teste e descobrir se está com o vírus rapidamente, você frequentaria um bar, um cinema, um jogo de futebol ou um show, sabendo que pode ter de ficar duas semanas isolado por conta disso? A resposta é, muito provavelmente, não.
Teremos de nos habituar a enfrentar uma vida em sociedade totalmente diferente por um bom tempo, mesmo que façamos a opção de voltar à vida cotidiana.
A ideia de “vida normal” será radicalmente afetada por qualquer pessoa que possa medir seus riscos minimamente bem.
Tudo isso também terá um impacto nas empresas. É verdade que quanto mais tempo demorarmos a formular uma estratégia, maior será o abalo nas companhias.
Mas, mesmo supondo que façamos tudo da maneira correta, as empresas irão enfrentar problemas graças ao ceticismo de muitos, que, de maneira sensata, irão evitar aglomerações nos próximos meses.
É fato que nossa economia será afetada, como já está sendo. Em relatório sobre compras com cartão de crédito e débito, a Elo já alerta para queda de até 91% no consumo de setores como vestuário – e significativos aumentos nos pedidos de delivery e compras em supermercados.
Da mesma maneira, o Operador Nacional do Sistema (ONS) já aponta queda de 10% no pico do consumo de energia, em boa parte por causa de fábricas fechadas em polos industriais relevantes pelo país.
Teremos ainda grandes debates sobre a função do Estado nisso tudo, sobre o fato de nosso orçamento ser majoritariamente focado na metade mais rica da população e desassistir boa parte da parcela mais pobre.
Debateremos o papel do orçamento federal na renda das famílias e iremos vasculhar cada linha do Orçamento em busca de descongelar e liberar verba para a calamidade.
Tudo isso está incluso nas missões que teremos para superar a pandemia e a crise que com ela se segue.
Caberá daqui para frente, portanto, buscarmos, por meio de uma estratégia bem definida, voltar ao trabalho e coordenar por meio do governo uma maneira de suavizar o ciclo econômico que nos aguarda.