Mercado financeiro de camiseta e jeans aposenta o terninho básico: quando o dress code faz sentido?

Pandemia acelerou flexibilização do estilo e da vestimenta de quem atua no sistema financeiro, com uso de bermuda, cabelo colorido e tatuagem

Martha Alves

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Uma cartilha interna sobre código de vestimenta e cuidados com a higiene pessoal divulgada recentemente pelo Banco Inter (INBR32) a funcionários viralizou nas redes sociais, rendeu críticas de usuários e trouxe à tona o antigo debate sobre o “dress code” (código de vestimenta) no ambiente de trabalho.

Intitulada de “Os Inimigos da Imagem”, a cartilha listou itens e posturas que deveriam ser evitados pelos funcionários, como telefone celular com capinha velha, acessórios sujos ou estragados, chulé e cabelo desarrumado.

Entre os pedidos para serem deixados de lado no ambiente de trabalho, a instituição também exigiu:

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Paulo Sardinha, presidente da ABRH Brasil (Associação Brasileira de Recursos Humanos), afirma que, ao adotar uma cartilha com código de vestimenta, a instituição financeira deu um aspecto normativo em algo que, do ponto de vista de contrato, pressupõe uma negociação. “Precisa ter o bom senso, acho que o banco ao adotar uma cartilha empregou o sentido normativo unilateral.”

O caso também faz refletir sobre a questão que a aparência, embora não seja reconhecida oficialmente como exigência, influencia e muito nas contratações e promoções. O presidente da ABRH Brasil afirma que existe um limite entre incentivar uma aparência socialmente aceita no ambiente de trabalho.

“Quando a empresa incentiva questões relacionadas à vestimenta e aparência no sentido propositivo e positivo a gente pode entender que se trata do processo de informação”, explica Sardinha, acrescentando que isso sempre deve ser feito de maneira amistosa.

Para Sardinha, o erro do banco Inter com a cartilha foi o de não orientar os funcionários de uma maneira mais producente. Ele salienta que o banco passou dos limites quando falou de mau hálito, por exemplo, que pode ser causado por doenças e não só pela falta de higiene. “É uma invasão de privacidade muito grande. A orientação que a gente sempre dá nesses casos é promover bons hábitos sociais e de higiene no sentido de esclarecimento, de dar conhecimento.”

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O Banco Inter informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a cartilha passou por revisão e sofreu alterações. A empresa disse ainda que respeita a individualidade de seus colaboradores.

Pressão estética

Segundo a consultora de imagem e estilo Rebecca Aquino, ambientes corporativos mais tradicionais tendem a exigir dress code mais intencional. A consultora concorda com alguns pontos mencionados na cartilha do Inter, pois algumas vestimentas podem “gerar uma imagem de negligência”.

A maneira como o conteúdo foi montado, no entanto, é criticada pela especialista. A expressão “inimigos da imagem”, por exemplo, poderia ter sido substituída por “pontos que não favorecem uma imagem assertiva”, sugere Aquino.

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A consultora questiona se alguns dos pedidos listados se estenderam, antes da revisão do conteúdo, para todas as pessoas, como “unhas e sobrancelhas malcuidadas”. Sobre essa questão, ela alerta que “dentro das empresas existe uma pressão estética muito maior para as mulheres do que para os homens”. “Então, se eles generalizam para todos, tudo bem. Mas se for apenas para as mulheres, o que seria uma unha malcuidada?”, diz.

Pandemia x código de vestimenta

No mundo pós-pandemia, muitas empresas flexibilizaram as regras de vestimenta para garantir mais diversidade, um ambiente mais acolhedor com a possibilidade de os funcionários serem eles mesmos sem precisar se enquadrar em um padrão estabelecido.

O presidente da ABRH Brasil diz que a pandemia trouxe novos costumes e os ternos e sapatos foram absolutamente dispensáveis durante o trabalho home office. “Eu acho que [hoje] é admitido uma roupa mais casual, mais informal, mesmo no mercado financeiro.”

Apesar das mudanças no pós-pandemia, Sardinha não acredita que as roupas mais formais no ambiente de trabalho estejam com os dias contados. Ele avalia que o guarda-roupa corporativo está em transição. “Acho que o caminho é o de a roupa usada no ambiente de trabalho se tornar bem mais informal.”

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Para Cristiana Mello, diretora da unidade de recrutadores da Catho, a flexibilidade na vestimenta já vinha acontecendo antes da crise sanitária, mas o trabalho híbrido ajudou a acelerar esse processo.

Cristiana afirma ainda que essa flexibilização também se estende ao mercado financeiro, mas com os colaboradores variando o dress code de acordo com a situação. Eles deixam o terno e a gravata de lado no dia a dia, mas aderem a um look mais formal nas situações de negociação de grandes contratos. “Não faz muito sentido mais ficar cobrando regras rígidas de vestimenta. Você tem que confiar, dar autonomia e a pessoa vai retribuir.”

Karen Yoshida, docente da Trevisan Escola de Negócios, ressalta que na quarentena não houve uma conversa sobre código de conduta ou vestimenta entre empresa e funcionários porque o escritório invadiu a casa das pessoas. Ela diz que os trabalhadores podiam se vestir como queriam e isso embaralhou um pouco as regras no pós-pandemia com a volta, aos poucos, ao trabalho presencial.

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Karen lembra que houve muita dificuldade de as pessoas entenderem que aquele pedaço da casa era, na verdade, a empresa online descentralizada. Ao mesmo tempo, ela afirma que a pandemia deu um caráter mais humano na maneira de gerir. “Trouxe um olhar para uma cultura mais despojada na qual o conteúdo vale mais que a imagem.”

Seja você mesmo

A B3 aboliu, em 2019, o traje social como peça obrigatória da vestimenta dos funcionários — ele era exigido desde a fundação da instituição. E foi substituído por looks mais informais, como jeans, bermuda, camiseta e tênis. Os cabelos coloridos e tatuagens também foram liberados.

Manuela Alves, superintendente de Desenvolvimento Organizacional, Cultura e Diversidade da B3, diz que a flexibilização dos trajes associada a um ambiente mais diverso e inclusivo vem sendo trabalhada com mais força desde 2017. “A mudança ocorreu para que as pessoas pudessem ser quem são”, afirma.

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Para Manuela, o principal ganho com a flexibilização da vestimenta foi o aumento da produtividade e do vínculo dos colaboradores com a empresa. “Eu acredito que um dos principais ganhos é realmente você deixar as pessoas demonstrarem a própria identidade”, explica a superintendente, acrescentando que ainda há pessoas que usam o traje formal porque se identificam com ele.

A flexibilização do código de vestimenta da B3 não aconteceu da noite para o dia. Manuela conta que a empresa ouviu os colaboradores para a questão evoluir de forma equânime. “A gente construiu com os nossos funcionários [a mudança]. Teve um grupo de 20 pessoas que participou e ajudou a desenhar o que era esse novo dress code da B3 e como que ele representava melhor a nossa cultura.”

O que o dress code informal gera?

O Banco do Brasil (BBAS3) trocou o vestuário mais tradicional pelo informal para valorizar a identidade dos funcionários e aproximá-los dos diferentes clientes que atende.

Beto Sabato, coordenador do Fórum da Diversidade do BB, conta que a mudança começou também em 2017 quando os funcionários começaram a discutir internamente alterações do código de vestimenta.

Os funcionários chegaram à conclusão, após muito debate, que a segurança e a confiabilidade que passavam aos clientes não estavam relacionadas à roupa que usavam. Sabato explica que o banco tem uma cartela muito distinta de clientes e precisa ter atenção ao ambiente em que os funcionários atuam. Exemplo: não estar de terno e gravata em uma agência de cidade com praia ou a uma fazenda.

Sabato diz que a mudança no dress code impactou positivamente o desempenho dos servidores. “Eles passaram a render mais”, salienta.

Karen Yoshida, docente da Trevisan Escola de Negócios, enfatiza que esse ecossistema precisa ser construído pelo RH com informações claras ao funcionário sobre quem ele é na empresa, suas competências, os valores da companhia e o que se espera dele em todos os aspectos. “A palavra-chave em uma cultura saudável é sempre a consciência”.

(Com informações do Estadão Conteúdo)

Martha Alves

Jornalista e Mestre em Comunicação. Foi repórter nos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo e acumula experiência em comunicação corporativa