É preciso ter fluência em inglês para trabalhar no mercado financeiro?

Inglês amplia escopo de atuação, infla salário e permite acesso do profissional às negociações realizadas no exterior

Martha Alves

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O domínio do inglês tem sido cada vez mais exigido dos profissionais do mercado financeiro com a internacionalização do mercado de capitais e o ingresso de investimentos estrangeiros no Brasil — ano passado os IDPs (Investimentos Diretos no País) somaram US$ 90,5 bilhões. Os brasileiros também têm colocado nos últimos anos parte dos seus investimentos no exterior para proteger o patrimônio.

Mayara Ranni, head de fundos da Manchester Investimentos, diz que hoje as corretoras de fundos brasileiras têm acesso a estruturas globais e as grandes gestoras internacionais começaram a olhar para o Brasil como um grande potencial de alocação. Segundo ela, a corretora BlackRock tem US$ 8 trilhões de dólares sob gestão e muito interesse em investir no país.

“Se você está numa área executiva de geração de negócios e não fala inglês isso pode ser uma barreira de entrada, você acaba sendo impedido de fazer negociação com os melhores gestores do mundo”, afirma.

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Para Ranni, os executivos que não dominam o idioma acabam sendo obrigados a abrir mão de oportunidades de crescimento na empresa porque não podem se sentar em uma mesa de negociação internacional e tampouco obter certificações internacionais que aplicam as provas em inglês. “O escopo do trabalho vai ser muito mais reduzido e, consequentemente, se aparecer alguém que faça o mesmo que ele, pode tomar o lugar simplesmente porque fala outra língua.”

O domínio do inglês é um requisito exigido ainda mais dos profissionais sêniores que costumam estar mais expostos ao contato com clientes internacionais. Como os jargões e a maioria dos artigos estão em inglês, Lucas Papa, gerente-executivo da Michael Page, recomenda que eles façam um curso de inglês business para que possam ter maior desenvoltura na área. “Quem domina o inglês vai ter um salário maior, fica mais inflacionada no mercado e acaba sendo muito mais abordado por oportunidades.”

Por outro lado, a conversação ainda é considerada mais importante que a escrita no mercado financeiro. O gerente-executivo da Michael Page afirma que a escrita não é o requisito principal exigido na contratação porque o profissional fala mais do que escreve. “No dia a dia, ele pode ter suporte na escrita e usar ferramentas que não sejam apenas um Google tradutor, como os GPTs. O inglês falado é na hora, tem que saber falar e não tem como o GPT ajudar muito nessa questão”, enfatiza Papa.

Para Neiva Maróstica, professora de MBAs da FGV (Fundação Getúlio Vargas), ter fluência em inglês é uma obrigação para os profissionais do mercado financeiro porque é a língua universal dos negócios. Ela afirma que o diferencial nos dias atuais é falar um terceiro idioma, como o mandarim para quem pretende fechar negócios com a China. “A necessidade de dominar esse idioma vem crescendo à medida que as empresas chinesas do mercado digital estão abrindo capital na bolsa de valores.”

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O terceiro idioma pode se tornar um diferencial no currículo com aumento de salário. Maróstica afirma que para estar um passo à frente, o profissional precisa focar em uma especialidade e falar a língua que entende aquele mercado. “Falar inglês no mercado financeiro é normal, você precisa descobrir qual nicho que quer atender para definir o idioma que vai caber nesse mercado”, explica a professora.

Ranni destaca que o profissional de finanças muitas vezes vai ser demandado pela fluência em espanhol porque a América Latina como um todo tem recebido olhares do resto do mundo quando o assunto é investimento. Ela conta que nos últimos dois meses viajou duas vezes a Punta del Leste, no Uruguai, para atender parceiros diferentes. “Você precisa ter essa comunicação fácil para que possa abraçar oportunidades relevantes para a sua vida profissional, tanto de possibilidades de criação de negócios como de crescimento e visibilidade.”

Quanto antes, melhor!

Cristina Nogueira, 52, CEO da Punto, do grupo francês Edenred, começou a aprender inglês logo após a alfabetização, incentivada pelos pais que acreditavam ser importante no futuro para a carreira da filha. Ela lembra que naquela época falar inglês era um diferencial que acabou contribuindo positivamente no seu currículo profissional.

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Aos 16 anos, Nogueira começou no primeiro emprego como assistente de classe de uma escola infantil bilíngue ajudando a professora na alfabetização das crianças em inglês. “Para mim foi super importante os dois anos em que eu fiquei na escola e a questão da vivência no inglês com as crianças no dia a dia.”

Após deixar a escolinha, Nogueira entrou na faculdade de Economia e conseguiu um estágio no Banco de Boston novamente pelo diferencial de falar inglês. Ela conta que ficou 12 anos na instituição financeira e que a fluência na língua estrangeira foi fundamental para o crescimento profissional, pessoal e para fazer networking.

“O inglês me possibilitou fazer trabalhos internacionais, acabei indo ao México e fui selecionada [pelo banco] para fazer um curso de sete meses para funcionários na Boston Business School, associada a Harvard Business School [uma das mais prestigiadas escolas de negócios], com pessoas de várias partes do mundo”, diz Nogueira, que era uma das duas brasileiras do grupo.

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A experiência de dominar o idioma da empresa que trabalhava fez com que Nogueira começasse a estudar espanhol quando trocou o Banco de Boston pelo Santander, em 2006. “Ter a língua da empresa que você trabalha também fez diferença porque eu fui selecionada para ser responsável por um projeto global e tive contato com pessoas de vários países.”

Ela conta que desde que se tornou CEO da Punto, em fevereiro de 2022, começou a investir nas aulas particulares de francês porque considera importante conseguir pelo menos se apresentar nas reuniões com outros executivos do grupo — mesmo que depois dos cumprimentos a reunião continue em inglês. “Também continuo fazendo aulas de espanhol e de inglês para negócios porque acho importante fazer reciclagem o tempo inteiro.”

Para Nogueira, o inglês deixou de ser um diferencial no mercado de trabalho e passou a ser um requisito porque as empresas estão globalizadas e fazendo negociações usando o idioma. Mesmo assim, ela admite que não coloca o idioma como pré-requisito para todas as vagas que anuncia porque elas precisam ser afirmativas. “Temos essa questão da responsabilidade de ter vagas inclusivas e pessoas diversas fazendo parte da nossa equipe.”

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Cristina Nogueira, 52, CEO da Punto (Divulgação)

A necessidade do inglês

William Castro Alves, 39, estrategista-chefe e sócio da Avenue, corretora fundada nos Estados Unidos para atender investidores brasileiros, nasceu em uma família simples e estudou em escola pública, em Porto Alegre, mas desde cedo entendeu que precisava dominar o inglês se quisesse ter uma carreira promissora.

Quando entrou no curso de Economia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ele se identificou com o mercado financeiro e se deu conta que o domínio de outro idioma era fundamental para atuar na área. “Sem o inglês você não vai longe porque toda literatura é dos Estados Unidos e Inglaterra. Eu pegava relatórios da J.P Morgan falando de empresas brasileiras em inglês.”

No segundo semestre da faculdade, Alves conseguiu um estágio na área em uma corretora de valores e começou a juntar dinheiro para fazer um intercâmbio. Ele trancou a faculdade e, aos 22 anos, se mudou para Dublin, na Irlanda, para estudar inglês e trabalhar para ajudar a pagar as despesas. Ele conta que tinha seis meses de escola e apenas duas semanas de acomodação paga.

Na Irlanda, Alves dividiu apartamento de um dormitório com outras três pessoas para economizar e trabalhou em vários lugares onde lavou pratos, limpou banheiro, fez café e depois virou garçom. “Eu fiquei oito meses na Irlanda e fiz um mochilão de um mês pela Europa. Eu não voltei fluente, mas o intercâmbio deu um salto no meu inglês, especialmente de ouvir e falar.”

Na volta ao Brasil, Alves retomou a faculdade, fez estágio em uma empresa de fusões de aquisições e foi contratado por um banco para trabalhar como analista de crédito. Depois disso, trabalhou seis anos na XP, tirou a certificação CNPI e deixou novamente o Brasil em direção à Irlanda em busca do exame de proficiência em inglês e de um mestrado na Inglaterra.

Na volta ao Brasil, Alves se tornou sócio de uma gestora de valores, mas acabou deixando a empresa para ajudar a fundar a Avenue, onde afirma ser sócio minoritário desde 2018. No ano seguinte, ele se mudou para Miami para trabalhar no escritório da Avenue, que tem 400 mil clientes ativos dos 700 mil com contas abertas na corretora.

Quando olha para trás e vê as escolhas que fez de morar fora do país para estudar inglês, Alves diz que foram fundamentais para a sua ascensão profissional, além das certificações. “No mercado financeiro nada garante o sucesso, vai depender de você. Mas se passar por uma boa universidade, tiver uma experiência fora do país, de preferência estudando, vai ser um diferencial no currículo e para isso precisa do inglês.”

Martha Alves

Jornalista e Mestre em Comunicação. Foi repórter nos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo e acumula experiência em comunicação corporativa