Demissões por e-mail, fim do trabalho remoto e longa jornada: decretos de Elon Musk teriam vez no Brasil?

A postura radical do bilionário o trouxe até aqui, com inovações que vão de carros elétricos a foguetes, mas ainda não se sabe para onde ela o levará

Giovanna Sutto

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Elon Musk vem promovendo uma série de mudanças polêmicas no Twitter desde que assumiu o comando da empresa nas últimas semanas.

Além da demissão de 50% do quadro de 7.500 funcionários, incluindo toda a diretoria, a equipe da rede social recebeu um ultimato do executivo na última quarta-feira (16): cada um deve escolher entre se demitir e ganhar uma indenização de três meses de salário ou trabalhar “longas horas”. Ele também mandou um e-mail para os funcionários da rede social banindo o trabalho remoto. 

E não é a primeira vez que Musk tem uma atitude nessa linha. Em junho, o executivo também fez um comunicado aos funcionários da Tesla, sua empresa de carros elétricos, que eles teriam que escolher entre voltar ao modelo presencial ou se demitirem.

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Na visão de Musk, a rede social precisa passar por uma transformação cultural e de negócio, o que inclui cortar gastos e mudar a forma de trabalho atual. Para fazer isso ele vem adotando essa postura com ações radicais e rápidas dentro da companhia.

Na contramão?

Mas por que ir na contramão das recentes posições tomadas pelo mundo do trabalho? Com a pandemia de Covid-19, a discussão sobre flexibilidade nas formas de trabalho, com o modelo híbrido, ganhou muita relevância.

Prova disso foram alguns movimentos como a “Grande Renúncia” e a “Demissão silenciosa”. Os motivos que desencadearam os dois processos são os mesmos: cultura tóxica nas empresas, insegurança, excesso de pressão e falta de reconhecimento.

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A importância da produtividade, da performance e dos resultados financeiros para o negócio seguem sendo tônicas, mas não são mais protagonistas sozinhas.

O equilíbrio entre vida e trabalho, bem-estar e benefícios que vão além dos salários passam a ser desejo de muitos profissionais neste exato momento.

Uma pesquisa da consultoria Mercer, feita com mais de 860 empresas no Brasil e mais de 1 milhão de entrevistados, mostra que os cinco principais motivos para uma demissão voluntária são: salário ser muito baixo ou maior em outra empresa (77%), questões pessoais (55%), sair da empresa para a mesma função em um setor diferente (40%), esgotamento e/ou exaustão (36%) e falta de acordo com o trabalho flexível (31%).

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Rafael Ricarte, líder de produtos de carreira da Mercer, explica que embora os profissionais não tenham expressado o que está por trás do item “motivos pessoais”, a avaliação é que, neste quesito, alguma situação desconfortável levou o colaborador a optar pelo desligamento da empresa.

“E o salário em primeiro lugar é sempre o esperado. É o principal motivador das decisões porque todos precisamos do dinheiro. Mas chama a atenção outros tópicos aparecerem como o trabalho flexível e a exaustão. Estamos em um momento de transformação”, diz. Esse processo deve ser lento, mas já começou.

Musk é exemplo?

“Musk é um grande influenciador. Ele é polêmico, mas é também uma história de sucesso. Ele mostra resultados mesmo fazendo muito barulho. E, por mais que muitas pessoas não expressem isso, há uma boa parte do empresariado que pensa como ele”, avalia Rebeca Toyama, especialista em carreira.

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Para Toyama, as atitudes de Musk podem servir de modelo para outros executivos que se seguravam no “politicamente correto”. “A narrativa do ESG [preocupação com governança, social e meio ambiente] e do bem-estar do funcionário vem ganhando muita importância, porém, ainda são poucas as empresas que realmente praticam esses princípios. É muito mais marketing e ações pontuais do que uma transformação cultural”, aponta a especialista em carreira.

“Muitos dos empresários brasileiros, assim como Musk, preferem desafiar a legislação do que se adaptar”, complementa Flavia Oliveira, advogada trabalhista sócia do Andrade Foz Advogados.

Para Toyama, Musk usa e abusa de um ingrediente fundamental no mundo dos negócios que o tornou bem-sucedido: propósito. “Ele realmente acredita no que diz. Na cabeça dele, as ações que ele toma precisam ser feitas porque ele vai salvar o mundo. Ele não se importa em como ele diz as coisas, o que importa é resolver os problemas que ele identifica”, explica.

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“Só que ele ultrapassa a medida adequada do propósito, aquela que te mantém motivado, interferindo em muitos aspectos do negócio, como o cuidado com os funcionários”, acrescenta Toyama.

O complicador é a postura de líder autocrático, com um controle mais rígido sobre tudo e todos, acentua Toyama sobre outro traço polêmico da gestão do bilionário.

“Ele diz comprar o Twitter por liberdade de expressão e, no dia seguinte, manda embora toda a diretoria porque não fala o que ele não quer ouvir? Incoerência. Elon Musk não está preocupado em ser bom moço e não quer um roteiro pronto. Ele quer inovar da maneira dele”, finaliza Toyama.

Leia também: Elon Musk: o homem por trás dos projetos mais audaciosos dos últimos tempos

Musk teria chance no Brasil?

A postura de Musk, que exige jornadas extensas e faz demissão por e-mail, encontraria barreiras no Brasil, analisam especialistas ouvidos pelo InfoMoney.

“Temos uma legislação muito mais protetora no Brasil. Se ele estivesse aplicando essas mesmas determinações, dessa mesma maneira, em uma empresa no Brasil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já teria aberto uma investigação, que poderia causar um impacto grande na empresa. Provavelmente acabaria em indenização para os funcionários, multas e mancha na credibilidade da empresa”, afirma Karolen Gualda, advogada do escritório Natal & Mansur.

Embora possam existir empresários que pensam como Musk, aplicar as mesmas medidas no Brasil pode ser um tiro no pé. “Auditores do MPT, jurisprudência e a própria CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] iriam brecar de forma mais objetiva algumas das medidas. Esse ultimato, por exemplo, facilmente se enquadraria em assédio moral”, explica Gualda.

A lei trabalhista no Brasil ainda é muito mais robusta do que a de outras nações. “Nos Estados Unidos, as regras são mais flexíveis e ainda tem a separação por estados, então, judicialmente pode variar a interpretação, e sempre baseado em mais jurisprudência do que a lei diz. Na China, por exemplo, não é incomum encontrar jornadas de trabalho de 18 horas”, afirma a advogada Flávia Oliveira.

Assim, cada filial do Twitter ao redor do mundo vai ter que trabalhar com a realidade local.

A postura radical de Musk nos negócios o trouxe até aqui, com inovações que vão de carros elétricos a foguetes, mas ainda não se sabe para onde ela o levará. O fato é: sem funcionários, não existe empresa.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.