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Veste respira sem o peso da dívida, após turbulenta reestruturação

Dona da Le Lis Blanc, Bo.Bô e Dudalina apresenta lucros e crescimento nas vendas recorrentes, mesmo com o fechamento de lojas

Lucas Sampaio

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Quase um ano após conseguir reestruturar – e praticamente eliminar – a sua enorme dívida, a Veste (antiga Restoque) vive dias melhores e acredita estar começando a mostrar nos resultados trimestrais o potencial das suas marcas. Dona da Le Lis Blanc, Bo.Bô, Dudalina e John John, a varejista de luxo está apresentando lucros recorrentes e crescimento nas vendas mesmo com o fechamento de lojas, depois de um turbulento processo que envolveu uma recuperação extrajudicial, a conversão de credores em acionistas e até a mudança do nome da companhia.

Além de equalizar o passivo, ao transformar mais de 90% da sua dívida em equity no fim do ano passado, a Veste também tem adotado uma série de medidas operacionais: está em processo a reformulação de suas marcas e lojas, o que inclui renegociação de aluguéis e redução de espaços grandes e caros, e passou a focar na preço “cheio”, sem descontos. A empresa também fechou as unidades que davam prejuízo ou precisariam de investimentos para melhorar o resultado, para focar nos investimentos que trarão retornos mais rápidos.

Vinte lojas e um outlet foram fechados no último ano, o que reduziu sua estrutura física em mais de 10%. Mesmo assim, o faturamento do canal B2C (venda aos consumidores) cresceu 8,1%. As vendas mesmas lojas cresceram ainda mais (12,5%), pelo nono trimestre consecutivo, e o faturamento por loja atingiu R$ 1,6 milhão (+19% ante o 2T22). Também há um esforço da empresa em ampliar as vendas digitais, que cresceram 42,2% na comparação anual, com o faturamento omnichannel já representando 22,4% das vendas consolidadas da companhia.

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O período de turbulência da empresa fez com que muitos gestores e analistas deixassem de acompanhá-la, apesar de a Veste ser listada na B3 (VSTE3). Um portfólio manager de crédito de uma das maiores gestoras do Brasil se surpreendeu com diversas linhas do balanço do segundo trimestre, ao analisar os números a pedido do IM Business, e pelo fato de a companhia estar entregando resultados consistentes, na contramão das outras varejistas de moda.

Alexandre Afrange, CEO da Veste, afirma que o desenho da estratégia do turnaround da empresa começou em 2019, pois a companhia precisava ajustar a sua operação, diminuindo as vendas com desconto – que afetam a margem bruta – e retomando o conceito de cada marca. O executivo diz que a pandemia apenas alongou o prazo para a adoção das mudanças, mas não o interrompeu, e que esse processo foi concluído no ano passado. “É um processo que vem acontecendo e devemos colher frutos ao longo do tempo. O plano está entregue, mas os efeitos positivos a gente continua colhendo”.

Alexandre Afrange, CEO da Veste (antiga Restoque), dona das marcas Le Lis Blanc, Dudalina, John John, Bo.Bô e Individual (Foto: Divulgação)

O processo envolveu designar um responsável para cada uma das marcas, que passou a cuidar de todas as etapas, da concepção das coleções à reforma das lojas. A mudança também envolveu o conceito dos produtos, uma precificação mais adequada e uma melhora do mix dos produtos nas lojas. As vendas a preço “cheio”, que no segundo trimestre de 2019 eram apenas 54,3% do total, hoje já representam 84%, e a margem bruta atingiu 67,7% (+3,4 pontos percentuais ante o 2T22 e +15,1 p.p. ante o 2T21).

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Na Le Lis Blanc, que tem lojas mais amplas, a ideia foi manter o aspecto sofisticado e aconchegante, mas diminuindo a metragem. O número de unidades foi diminuído de 92 para 73, e outras 14 passaram por redução de tamanho. “Quando você readequa, faz sentido diminuir o tamanho da loja em algumas áreas. A Le Lis estava trabalhando com uma média de 470m² a 480 m² e hoje estamos focando em 300 m² de área útil de vendas. E aproveitamos para negociar essas reduções, com diminuição de aluguel e do custo fixo”, afirma Afrange.

O exemplo mais radical aconteceu no JK Iguatemi, onde a Le Lis saiu de uma loja de quase 1.000 m² para uma de pouco mais de 200 m², no corredor central do mesmo andar, mas com forte redução no aluguel. Resultado: o faturamento da loja aumentou 29%, com uma área 70% menor. Na John John, o número de lojas caiu de 50 para 44 e a área de vendas foi reduzida em 12%. A marca saiu de uma loja de 350 m² para uma de 120 m² no Pátio Higienópolis e também houve uma mudança no conceito das unidades, que envolveu “clarear” o ambiente (o preto e tons escuros predominavam nas unidades).

Na Bo.Bô, a unidade da Oscar Freire ganhou uma nova forma de atendimento, com salas específicas. Já a Dudalina teve a mudança mais radical das marcas, com alteração na forma de exposição do produto. Saíram balcões com dobramentos e entraram araras e cabides, para facilitar o manuseio das peças, o que aumentou as vendas. “Você aumenta a venda porque expõe a sua mercadoria de maneira diferente e cria um visual mais agradável. Cada marca teve a sua essência preservada, mas foi atualizada”, resume o CEO.

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Fachada de loja Le Lis Blanc, que faz parte da ex-Restoque, atual Veste (VSTE3) (Foto: Divulgação)
Fachada de loja Le Lis Blanc, que faz parte da ex-Restoque, atual Veste (VSTE3) (Foto: Divulgação)

A empresa já converteu 31 lojas até o momento (dez no ano passado e mais 21 neste ano) e pretende reformar outras 13 até o início de novembro, para aproveitar as vendas do Natal. As 44 unidades que serão atualizadas até o fim de 2023 representam um quarto das 182 lojas que a Veste possui atualmente, e a gestão diz que não pretende acelerar esse processo de revitalização, pois o ritmo vai depender da capacidade de geração de caixa da companhia.

Reestruturação das dívidas

Isso pode ser um sinal de que os executivos aprenderam com as lições do passado. Apesar de a empresa ter gerado um caixa operacional líquido de R$ 108,5 milhões no primeiro semestre do ano passado, a dívida impagável pesava sobre a companhia: ela tinha R$ 36,6 milhões de caixa e equivalentes de caixa, mas R$ 1,7 bilhão em dívidas. E o endividamento líquido sobre o Ebita ajustado era de 10,2x, a um custo de CDI+2,8% com a Selic a 13,75% ao ano.

A empresa chegou a valer cerca de R$ 150 milhões na bolsa, e a solução foi transformar a sua dívida em ações. A WNT Capital passou a comprar no mercado secundário as debêntures da então Restoque, que chegaram a negociar entre 20% e 30% do seu valor de face, tornou-se a maior credora da companhia e, então, apresentou a proposta de convertê-las em equity.

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A proposta foi aprovada por 97% dos debenturistas em agosto do ano passado, e hoje a WNT é a maior acionista da companhia (os fundos da gestora detêm 30,4% da Veste, que já tem um valor de mercado de R$ 2 bilhões). Outro acionista relevante é a Geribá Participações. Para acomodar os debenturistas, os acionistas foram diluídos: Marcelo Lima, que é presidente do Conselho de Administração da Veste e detinha 26,9% da empresa, hoje tem uma participação inferior a 3%.

Gisele Paolino, diretora da Fitch Ratings, afirma que a dívida era “insustentável, por isso a empresa ‘pedalava’ a dívida”. “Não só financiava o que tinha, mas fazia novas dívidas. A saída para o equity trouxe alívio para as pressões no fluxo de caixa, mas não adiantaria fazer isso se ela não melhorasse operacionalmente”.

Lima afirma que operacionalmente a empresa nunca foi afetada pelo endividamento, que era majoritariamente de longo prazo, mas que a conversão em ações foi necessária “porque o nível de alavancagem não era saudável e a estrutura de capital não era adequada”. “A adesão maciça dos credores ao plano de reestruturação ocorreu porque eles acreditavam no plano que a gente já estava executando. Se eles não acreditassem, a gente teria mais dificuldade”.

Marcelo Lima, presidente do Conselho de Administração da Veste (antiga Restoque), dona das marcas Le Lis Blanc, Dudalina, John John, Bo.Bô e Individual (Foto: Divulgação)

Investimentos consomem caixa

A conversão foi seguida de um aumento de capital de R$ 100 milhões no fim do ano passado, para melhorar o caixa, mas parte deste dinheiro já foi consumido nas reformas das lojas. A empresa até conseguiu gerar R$ 49,5 milhões de caixa operacional no primeiro semestre deste ano, mas gastou R$ 87,8 milhões em investimentos, o que levou a um fluxo de caixa livre ainda negativo.

Só no segundo trimestre o investimento em lojas cresceu de R$ 5,6 milhões para R$ 16,9 milhões, e o investimento total da empresa subiu de R$ 30,4 milhões pra R$ 45,5 milhões (15,8% da receita operacional líquida). Mas hoje a Veste tem uma situação muito mais confortável, com R$ 35 milhões em caixa e aplicações financeiras e uma dívida líquida de R$ 96,5 milhões (0,4x o endividamento líquido/Ebitda ajustado, contra 10,2x antes da reestruturação).

Paolino afirma que a empresa está mostrando um resultado operacional melhor e crescente nos últimos trimestres, com evolução não só na receita, mas também nas margens, e que a estratégia de fechar lojas que não eram rentáveis, crescimento no SSS (Same Store Sales) e diminuição da venda de produtos em outlet, com desconto, estão dando resultado. “Do ponto de vista de negócio, ela está indo bem. Disso eu não tenho dúvida. Mas ela precisa administrar a sua necessidade de capital de giro”.

O estoque da companhia, por exemplo, aumentou de R$ 256 milhões para R$ 320 milhões em um ano. A Fitch Ratings afirma, em seu último relatório sobre as varejistas brasileiras, que a Veste teve o segundo pior giro de estoque em 2022, entre as 17 empresas monitoradas. E, mesmo com a reestruturação da dívida, a agência de classificação de risco atribui à Veste a nota BBB, com perspectiva estável – o pior rating de longo prazo de todas as companhias.

O presidente do Conselho de Administração da empresa minimiza a situação e diz que a empresa precisa de caixa para fazer as reformas, mas o retorno é “rápido e certeiro”. “É um retorno de quem está no caminho certo. Quando você reforma uma loja no mesmo lugar ou muda de ponto em um shopping, mesmo que diminua o tamanho de área, o retorno é muito mais rápido do que abrir loja. É muito mais negócio”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.