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Papel da União induz Petrobras a testar governança contra “fantasmas” do passado

Força motriz do mercado de ações brasileiro, estatal tem visto sua governança testada a partir de decisões do governo

Felipe Mendes Camille Bocanegra

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, posa para foto com Presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, durante foto com 70 funcionários da refinaria Abreu e Lima. Ipojuca - PE. Foto: Ricardo Stuckert / PR

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A recondução de Pietro Mendes ao cargo de presidente do conselho de administração da Petrobras (PETR3; PETR4) acendeu um alerta na petroleira. A companhia de capital misto deve seguir normas para afastar riscos de ingerência política. Mendes, além de não ter sido escolhido a partir de uma lista tríplice, como determina o estatuto da petroleira, ainda teve sua escolha questionada e julgada por conflito de interesses – uma vez que comanda a Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis no Ministério de Minas e Energia, ao qual a Petrobras é subordinada. Mas, após ser impedido de assumir o conselho da companhia, Mendes teve seu cargo devolvido pela Justiça.

Antes do episódio, a Petrobras viveu dias de tensão sobre uma mudança na política de distribuição de dividendos e a manutenção de Jean Paul Prates no cargo de CEO, com declarações confusas de entes ligados ao governo, que é controlador da empresa. Para Francisco Petros, conselheiro independente da Petrobras, o risco de ingerência política pode prejudicar a petroleira. “Qualquer interferência do controlador, sobretudo quando ele é o Estado, é muito prejudicial para as empresas de economia mista”, diz ao IM Business. “No caso da Petrobras, existe um questionamento se isso está a acontecer. Eu diria que há sintomas que evidenciam que há uma tentativa de influência sobre a companhia por parte do controlador.”

Petros defende o fortalecimento das regras e entidades fiscalizatórias no caso das companhias de capital misto. “O Brasil tem os diplomas normativos suficientes para que a governança das empresas seja boa. Acho que o principal problema para essas empresas é o enforcement, ou seja, é a atividade fiscalizatória e das entidades que controlam o Estado brasileiro em preservar as empresas de economia mista. Isso é importante que aconteça”, reflete. Ele também não vê sentido na proposta de retenção dos dividendos da petroleira por parte do governo. “Acho que o país deveria aproveitar o bom momento da empresa para desfrutar dos próprios recursos gerados por uma empresa como a Petrobras. Isso é inteligente e é parte do interesse público.”

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Outro conselheiro, que prefere não ser identificado, deixa claro seu incomodo com a situação. “Não deveriam ter insistido nestes nomes polêmicos [para compor o conselho] desde o início”, diz ele. “A confusão toda é consequência do problema inicial”. Além de Mendes, Sergio Rezende, que foi ministro de Educação e de Ciência e Tecnologia em governos passados de Luiz Inácio Lula da Silva, teve sua nomeação ao conselho da Petrobras questionada por estar filiado ao PSB e participar da cúpula decisória do partido, um impeditivo segundo as regras do estatuto da empresa. Assim como Mendes, teve sua nomeação acatada mediante um recurso movido pela União.

Governança testada

Analistas consideram que a Lei das Estatais teria garantido melhor governança durante certo período e que, se o dispositivo legal tivesse sido seguido à risca, menos questões controversas se apresentariam no momento. “Na prática, a Lei das Estatais cria uma série de barreiras para mitigar o risco de nomeações de cunho político. Além disso, o estatuto da Petrobras, que foi revisado no governo Temer, também trouxe esses benefícios. Mas, na realidade, a gente sabe que todos os governos veem a companhia como algo tão forte e importante que ele se arvora a usar a Petrobras como plataforma de gestão pública, ignorando os interesses da companhia. Parece que ela precisa servir ao governo, mas isso não é o correto”, diz Luiz Marcatti, CEO da consultoria de gestão Mesa Corporate Governance.

Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian, CEO da consultoria Coerentia Sustainable Solutions e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, corrobora com a visão. “O fato de a Petrobras ser uma empresa de economia mista claramente traz desafios à governança, justamente porque há ali também uma ingerência do Estado e determinadas decisões que também estão sobre o escrutínio dos governos, independentemente dos partidos que estão ali no poder”, diz. A realidade é que a Petrobras, por melhor estruturada que seja, terá sua governança testada a todo momento, independentemente do governo, e isso é um risco para a condição de potência mundial da empresa.