O que não está no preço da Gerdau – na visão de seu CEO

Para além da conjuntura do mercado de aço, Gustavo Werneck acha que a transformação da empresa ainda não foi totalmente compreendida pelo mercado

Rikardy Tooge Vera Brandimarte

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Um dos nomes mais relevantes da Bolsa brasileira, a Gerdau (GGBR4) entende que seu atual preço de tela não está mostrando o real valor da companhia.

A empresa colocou em curso uma mudança grande em suas linhas de produtos nos últimos anos, tornou-se uma produtora de perfis estruturais, ganhou relevância na América do Norte, mas o mercado continua a precificá-la como uma empresa de vergalhão. “Ainda que vergalhões respondam hoje por apenas cerca de 15% de nosso resultado, qualquer notícia relacionada a vergalhão derruba o preço da Gerdau”, diz o CEO, Gustavo Werneck, em conversa com o IM Business. Para ele, não está no preço também o diferencial de ser uma referência global de baixa emissão de carbono e os pontos fortes da cultura da empresa, que lhe dão musculatura.

A centenária siderúrgica gaúcha amarga uma desvalorização de pouco mais de 8% em 2023, reflexo de uma desaceleração acima do esperado na procura por aço no Brasil nesta primeira metade do ano. “O primeiro semestre piorou um pouco mais do que imaginávamos, mas a perspectiva é que a demanda por aço no Brasil vai melhorar já no ano que vem”, diz Werneck. Para sustentar a tese, o executivo cita o anúncio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a retomada do setor imobiliário – alavancas que podem ter um delay de até 12 meses até a ponta dos produtores de aço. “A procura ainda não aumentou, mas os indicadores já mostram essa tendência”.

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A Gerdau não freou seus investimentos no Brasil nem nos Estados Unidos, mercados que se rivalizam em relevância para a empresa. Ao contrário. “Nunca tínhamos passado por um período de baixa no mercado de aço com um balanço tão saudável, não estamos postergando nada, vamos manter os investimentos para colher os frutos quando a curva do consumo virar.” O segundo trimestre do ano encerrou-se com alavancagem de 0,37 vez a dívida líquida pelo Ebitda – o endividamento líquido da siderúrgica é de R$ 6,5 bilhões.

A estrutura de capital controlada para uma empresa desse porte veio da estratégia da Gerdau, liderada por Werneck, de desinvestir em outros países. Plantas consideradas menos rentáveis no Chile, na Índia, Espanha e nos Estados Unidos foram vendidas e trouxeram R$ 7,4 bilhões ao caixa. Com isso, a alavancagem, que passava de 4 vezes, caiu para menos de 1 vez. “Foi um reflexo da mudança da nossa política de investimentos. No passado, entramos em algumas geografias antes de aprofundarmos o debate. Agora, temos uma discussão mais profunda, no sentido de entendermos como nossa operação pode se encaixar em algum M&A.”

Juntando os investimentos no Brasil e nos EUA, o total de capex da Gerdau somente em 2023 deverá ser de R$ 5 bilhões.

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Gustavo Werneck, CEO da Gerdau: executivo avalia que investimentos equilibrados e governança são pontos forte da empresa (Divulgação)

No Brasil, o principal investimento da Gerdau é em Ouro Branco, em Minas Gerais, um polo de aço bruto que vai se transformar em uma indústria de aços acabados de alta qualidade. A companhia vai investir R$ 3,2 bilhões entre 2023 e 2026 em uma nova planta de mineração. Embora seja a maior recicladora da América Latina, com 71% do aço produzido vindo de sucata, a Gerdau vê que a oferta do subproduto está chegando ao limite no Brasil. Para não “bater no teto”, entende que é necessário ampliar sua oferta de minério de ferro.

Nos EUA, onde é muito baixa a penetração de importados, a Gerdau conta com no mínimo cinco anos de backlog repleto, com toda sua capacidade tomada, em decorrência do programa de incentivo para construção de parques de energia renovável, que vão demandar muito aço, e ao fenômeno do nearshoring, em que indústrias americanas migrando plantas da Ásia para a América do Norte.

Os investimentos na operação americana visam tornar a planta, nas palavras de Werneck, o “estado da arte” em produção de aços especiais e transformá-la também em one stop shop de seus clientes. A visão é que movimentos estruturantes como esses são difíceis de serem precificados e necessitam que os investidores vejam com seus próprios olhos. Uma das iniciativas para melhorar essa comunicação foi a criação do primeiro “Stakeholder Day” Gerdau, que irá levar, no fim de setembro, investidores para visitar as operações da empresa em Minas Gerais e no estado americano do Texas.

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Mas, independentemente das questões conjunturais da siderurgia, Werneck avalia que boa parte do valor da Gerdau a ser capturado está dentro do escritório. No comando de uma das maiores siderúrgicas do mundo desde janeiro de 2018, o executivo é o primeiro profissional fora da família Gerdau Johannpeter a dar as cartas no negócio. “Atingimos um nível de governança que poucas têm. Veja quantas empresas estão buscando CEOs no mercado e nós criamos uma sucessão própria, com um profissional formado aqui dentro [Gustavo Werneck está na empresa desde 2004] – e outros estão em formação”. “Dedicamos um tempo absurdo formando pessoas”, diz ele, um crítico da guerra de talentos que faz com que as empresas despendam suas energias na busca de profissionais fora de casa e da cultura da companhia.

Cultura e liderança, a seu ver pontos fortes da Gerdau, não estão no preço da ação. A governança que acompanhou a retirada da família ao conselho e sua condução à presidência executiva lhe garantiu autonomia, por exemplo, para colocar em execução um plano de redução de ineficiências que haviam se acumulado na empresa ao longo dos anos e que trouxe uma economia de cerca de R$ 1 bilhão, com ações como o fim de uma centena de carros blindados dos executivos, jatinho, além da redução do número de profissionais no edifício sede em São Paulo (engenheiros, por exemplo, foram transferidos para trabalhar nas unidades fabris).

Esses tipos de benefícios foram substituídos pela meritocracia, por um programa de bônus, que gera compromisso de longo prazo. O sistema de remuneração da Gerdau compreende um salário base, um bônus anual 70% atrelado à geração de Ebitda do ano, um bônus de longo prazo atrelado a transformações do business ao longo do tempo e indicadores de ESG como redução da emissão de CO2 e mulheres em posição de liderança. “Conseguimos equilibrar bem nessa pizza, para que possamos entregar resultado no curto prazo e ao mesmo tempo manter o olhar no longo prazo.” Em paralelo, trabalhamos nossa cultura para que as pessoas não tenham medo de falar o que pensam, para que tragam suas ideias. As empresas matam ideias cedo demais.”

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Uma mudança menos trivial está na própria relação da Gerdau com a sociedade. Werneck fala em humanizar a empresa e pensa na espiritualidade de seus funcionários. Em tempos pós pandemia, ele considera que não há como as empresas ignorarem os crescentes problemas psicológicos de seus funcionários e cita o papel que teve a criação de uma linha telefônica exclusiva para auxiliar funcionários com este ou outros tipos de problema de saúde ou financeiro. “Nenhum profissional vai trabalhar bem, seja a função que for, com problemas fora do ambiente de trabalho. Temos feito uma busca constante para humanizar a empresa”.

Outro destaque é o investimento de cerca de R$ 40 milhões para reformar 13 mil residências até 2032, em 12 cidades, em um projeto chamado “Reforma que Transforma”. A iniciativa conta desde aportes diretos na obra até a oferta de recursos a juros subsidiados para a reforma das casas. “Queremos deixar um legado para a sociedade, possibilitar um lar decente é um deles”, completa Werneck. Ao todo, a Gerdau investe em 456 projetos socioambientais, com cerca de 2 mil colaboradores envolvidos.

“Você pode julgar a Gerdau no balanço dela e dizer: ‘tudo o que vocês estão fazendo não trouxe um dólar a mais de Ebitda’. Talvez não, mas olhe o benefício para a sociedade, o quanto impacta a vida das pessoas. Se cada vez mais a gente quer colocar a Gerdau como protagonista de transformações sociais no Brasil, tem evidências de que a gente está fazendo um bom trabalho. Empresas têm que usar um pedaço do lucro para mudar a realidade, porque não adianta depender do Estado, as empresas têm que ser protagonistas nessa transformação.

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Atualmente, a Gerdau vale R$ 44 bilhões na B3 e, nos últimos cinco anos, a cotação da empresa subiu mais de 70% na Bolsa.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br