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Otimismo, alívio e até ‘oba-oba’: o home building ganha novo fôlego

Incorporadoras e construtoras das diversas faixas de renda estão investindo em força de venda e reforçando caixa para aproveitar ciclo positivo

Rikardy Tooge

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A cerca de 20 quilômetros do centro de Salvador, no bairro Valéria, a construtora Direcional (DIRR3) lançou recentemente seu primeiro empreendimento na capital da Bahia. Com incentivo das mudanças recentes no Minha Casa Minha Vida (MCMV), desde julho famílias de renda de até R$ 2,6 mil mensais podem financiar por 35 anos as unidades de pouco mais de 40 metros quadrados a valores a partir de R$ 168 mil. A construtora acelerou seus lançamentos no primeiro semestre deste ano em quase 50%, já esperando uma melhora das condições no programa habitacional.

Distante dali, em São Paulo, a incorporadora Idea!Zarvos aumentou sua força de vendas para lidar com a demanda firme por apartamentos que podem valer dezenas de milhões de reais, em bairros como Jardins e Pinheiros, locais que possuem os metros quadrados entre os mais caros do Brasil. Com um portfólio de vendas estimado em R$ 1,3 bilhão para este ano, a empresa está com nível recorde de lançamentos nesse mercado em que as transações estão longe de serem triviais – muito menos rápidas.

Casos extremos como esses ajudam a exemplificar o otimismo do segmento de incorporação e construção de residências em um horizonte de médio a longo prazo. Após conviverem nos anos de pandemia com a disparada de custos e consequente aperto de margens, a perspectiva de incremento dos lucros do setor é a mais positiva em muito tempo, indica Bruno Mendonça, analista do Bradesco BBI.

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“Muitos falam em ‘otimismo’ do setor, mas eu diria que é um cenário de ‘alívio’ para as empresas”, afirma. “O ciclo negativo que se desenhava, com aperto monetário e custos muito pesados, era bem pior do que o que aconteceu de fato. Eram muitos riscos na mesa ao mesmo tempo. Mas, apesar disso tudo, houve uma resiliência nas vendas que é até difícil de explicar”, acrescenta.

Entre 2019 e 2022, as vendas e lançamentos de imóveis experimentaram recordes, de acordo com o indicador Abrainc/Fipe. O cenário piorou nos últimos 12 meses: até abril deste ano, segundo números mais recentes do levantamento, os lançamentos de médio e alto padrão recuaram 48%, enquanto os do MCMV cresceram 4,2%. As vendas nos dois segmentos caíram, na média, 4,6%, com maior peso dentro do segmento de baixa renda.

O efeito Minha Casa Minha Vida

Apesar da desaceleração na demanda em 2023, as prévias das empresas de home building no segundo trimestre do ano já indicam uma retomada de empreendimentos ligados ao Minha Casa Minha Vida, sinal de que o mercado já vinha se antecipando às mudanças no programa, anunciadas de fato no fim do primeiro semestre.

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Entre as principais mudanças está o novo teto para a Faixa 3 do programa, para famílias com renda até R$ 8 mil por mês, que poderão financiar imóveis até R$ 350 mil em todo o país – incremento de quase R$ 100 mil em relação ao ano passado. Se, antes, a taxa de juro cobradas para financiar um imóvel nesse valor era de 10,5% ao ano, por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE, funding de financiamento imobiliários da classe média e média alta), com o subsídio ficará em torno de 7,7%.

Ricardo Ribeiro Gontijo, CEO da Direcional, afirma que a mudança conseguiu enquadrar a maior parte dos lançamentos da empresa dentro do novo MCMV, em especial em regiões onde havia diferença no antigo teto, como Norte e Nordeste. “Isso trouxe novamente a capacidade de compra das famílias. Milhões de clientes conseguiram voltar para o jogo com uma taxa mais acessível”, lembra Gontijo, em conversa com o IM Business antes de a empresa entrar em período de silêncio em razão da temporada de balanços do segundo trimestre.

Ricardo Gontijo, CEO da Direcional: com a perspectiva de crescimento na demanda, a Direcional fez um follow-on de R$ 430 milhões para investir na retomada do setor imobiliário (Divulgação)

Para André Dibe, analista do Itaú BBA, as alterações nos valores máximos dos imóveis, especialmente os da Faixa 3, abrem possibilidade para que as construtoras de baixa e média renda consigam espaço para repassar a alta dos custos dos insumos que ficou represada nos últimos anos. Entre 2020 e 2022, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), subiu acima da inflação do mesmo período. Itens como aço e vidros tiveram altas ainda mais expressivas.

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É o que a Direcional já fez. Gontijo conta que boa parte do repasse foi realizada e que a empresa tem condições de ser competitiva nos preços por conta de sua alta capilaridade em todas as faixas do programa. “A tese do novo Minha Casa Minha Vida tende a beneficiar construtoras mais consolidadas, que têm caixa e força de vendas para retomar mercado frente às incorporadoras menores”, reforça Dibe.

Com a perspectiva de crescimento na demanda, a Direcional fez recentemente um follow-on de R$ 430 milhões para investir na tese de retomada do mercado imobiliário. Apoiando-se na mesma perspectiva, a concorrente MRV (MRVE3) realizou uma oferta subsequente na qual captou R$ 1 bilhão. Além da Direcional e MRV, os analistas apontam que empresas já bem posicionadas no segmento, como Plano&Plano (PLPL3) e Cury (CURY3), por exemplo, tendem a surfar melhor essa onda do que as que decidiram entrar agora no MCMV.

No campo dos alertas, a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de mudanças na remuneração do FGTS, fonte de financiamento do Minha Casa Minha Vida, é uma preocupação entre executivos e especialistas que acompanham o segmento de baixa renda.

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O STF debate uma ação que pede mudança na remuneração dos cotistas do fundo. A demanda é por um indicador atrelado à inflação, como IPCA ou INPC, em lugar de TR + 3% ao ano e 50% dos dividendos do FGTS. Uma troca que pode encarecer os financiamentos. “Uma eventual mudança só beneficiaria os donos dos maiores salários, em detrimento das famílias mais humildes”, argumenta Ricardo Ribeiro Gontijo, CEO da Direcional.

Outro risco observado pelos analistas é um eventual excesso de oferta no nicho de baixa renda, com a chegada de construtoras e incorporadoras mais ligadas à média e alta renda. “No baixa renda, podemos até considerar um certo ‘oba-oba’ quando ouvimos de empresas pouco tradicionais no nicho que pretendem olhar para a Faixa 3 do Minha Casa Minha Vida. É um perfil de renda em que não há barreira de entrada e podemos ver alguns ‘aventureiros’”, argumenta Mendonça, do Bradesco BBI.

Para as empresas que atuam na média renda, os analistas estão divididos. Dibe, do Itaú BBA, enxerga um cenário positivo para empresas que atuam no segmento, como Even (EVEN3), Cyrela (CYRE3) e EzTec (EZTC3). Para ele, essas construtoras devem se beneficiar do ciclo de queda de juros. Embora os financiamentos dessa faixa de renda sejam atrelados à poupança, o alívio monetário tende a reduzir o custo de funding dentro do sistema de crédito como um todo.

Já a XP tem uma visão mais comedida para o segmento de média/alta renda. Em relatório publicado recentemente, os analistas da instituição apontam para o risco de menor poder de precificação das construtoras nesse nicho e um alto estoque de imóveis em São Paulo, principal mercado para o segmento. No lado das oportunidades, o time de análise vê como trunfo a estabilidade nos custos da atividade, permitindo lançamentos com maior rentabilidade, além de um volume baixo nos distratos.

Os milionários também compram

No segmento de altíssimo padrão, a demanda está aquecida, afirma Otavio Zarvos, sócio fundador da incorporadora Idea!Zarvos, que atua na cidade de São Paulo. Com prédios assinados por arquitetos renomados, a empresa impõe estilo único em cada empreendimento. As unidades, localizadas nos Jardins, em Pinheiros e no Itaim Bibi, bairros nobres da capital, podem variar de um simples estúdio (unidade de baixa metragem e sem vaga de garagem) por R$ 600 mil até apartamentos acima dos R$ 20 milhões.

Otavio Zarvos, fundador da Idea!Zarvos: focada em alta renda, construtora atende o cliente que “não sofre tanto com os juros”, mas prefere “deixar o dinheiro rendendo em outros investimentos” (Divulgação)

“No nosso segmento, o cliente não sofre tanto com os juros, mas ele acaba esperando mais para comprar porque prefere deixar o dinheiro rendendo em outros investimentos”, diz Zarvos. “As pessoas adiam a decisão, mas acabam comprando. Prova disso é que nosso último mês de vendas [junho] foi o melhor em um ano e meio, pelo menos”, afirma.

Com unidades à venda em 13 empreendimentos, a Idea!Zarvos precisou reforçar seu time de corretores. Para isso, fechou um contrato de exclusividade com a Jardins&Co e outras três imobiliárias especializadas em imóveis de luxo para atrair novos clientes. Também foi montado um amplo estande de vendas em Pinheiros dentro da Galeria Idea!, espaço criado pela empresa que reúne eventos culturais e, claro, negócios.

Dibe lembra que o segmento de altíssima renda de São Paulo historicamente convive com uma demanda reprimida. Em bairros como Jardins, havia escassez de lançamentos e, com a retomada da oferta, é natural que a procura esteja aquecida. Já Mendonça, do Bradesco BBI, alerta que ainda há dúvidas sobre a profundidade desse mercado.

“É um nicho em que o metro quadrado nos bairros mais tradicionais subiu muito. Pode chegar o momento em que o cliente veja mais benefício em comprar uma casa de 300 metros quadrados em um bairro menos nobre do que um apartamento de 100 metros em uma região tradicional”.

Outra preocupação, que perpassa todos os nichos de renda, é a diferença de preços entre o mercado primário, imóveis vendidos pelas construtoras e incorporadoras, para o secundário, negociação de proprietário com consumidor. Os imóveis vendidos pelas empresas estão mais caros do que os de proprietário, aponta Mendonça, do Bradesco BBI. Para ele, a necessidade de repasse de custos fez o mercado primário se descolar do secundário, uma vez que os donos de imóveis têm necessidade de liquidez.

“Temos visto um gap expressivo entre os mercados, em que o secundário está atrás nos preços. É natural que haja uma acomodação, mas nossa dúvida é quem vai ‘fechar’ esse gap: se será via uma queda nos valores praticados no primário ou aumento do secundário. A depender do que ocorrer, isso pode ser um risco no horizonte das empresas”, completa Bruno Mendonça.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br