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Saneamento: novo projeto prioriza estatais, em prejuízo do serviço público

O projeto apresentado pelo deputado Fernando Monteiro (PP-PE) para substituir a MP do Saneamento retira do texto seu ponto mais importante: a exigência de concorrência pública em todos os contratos do setor. Com a alteração, os prefeitos não precisam adotar critérios técnicos e metas na hora de fechar os contratos com estatais.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Há algumas semanas, publiquei no blog um texto com 15 fatos sobre saneamento básico e a MP então discutida. Os fatos eram:

  1. 1 – Segundo a Organização Mundial da Saúde cada dólar investido em água e esgoto traz um retorno social de 3 a 34 dólares, a depender do contexto e região
    2 – Segundo o Instituto Trata Brasil, cerca de 35 milhões de brasileiros não tem acesso a água tratada e 100 milhões vivem sem coleta de esgoto
    3 – O investimento atual está bem abaixo das metas estipuladas pelo governo no plano de universalização do saneamento
    4 – A Constituição protege quase todo o orçamento, menos o investimento em saneamento
    5 – Hoje, praticamente todo o setor de saneamento brasileiro é estatal
    6 – Com o modelo centrado em estatais estaduais, os investimentos se concentram nos estados mais ricos – o investimento por desassistido em São Paulo é 41 vezes o de Rondônia
    7- No modelo atual, prefeitos têm maior liberdade para fechar contratos de saneamento com estatais
    8 – Com a MP do Saneamento, todos os contratos de saneamento precisarão de concorrência pública baseada em investimentos e outros critérios técnicos
    9 – O setor de saneamento brasileiro tem graves problemas de insegurança jurídica que dificultam o investimento privado
    10 – Com a MP do Saneamento, a Agência Nacional de Águas (ANA) se torna protagonista da regulação, baseada em parâmetros claros e previsíveis
    11 – A MP do Saneamento não impede o governo de ajudar a quem precisa – na verdade, até incentiva o subsídio. Mas, agora, ele precisa ser transparente
    12 – No Chile, líder sulamericano em indicadores de saneamento, a iniciativa privada atende quase 100% da população
    13 – No Brasil, em média, as empresas privadas de saneamento tem indicadores de eficiência e atendimento superior aos das estatais
    14 – A iniciativa privada também se interessa por cidades pequenas
    15 – Grupos de interesse associados às estatais e reguladoras estaduais estão fazendo lobby contra o projeto

No texto, que pode ser acessado aqui, o leitor encontra fontes e detalhes sobre cada fato.

A MP do Saneamento, ao que tudo indica, vai caducar e perder validade. Afinal, seu “P” é de “Provisória” e a medida ainda não será votada no plenário antes da próxima segunda feira, quando expira. Maia e líderes do Congresso prometem votar nos próximos dias, em regime de urgência, um novo projeto. Dizem que é parecido com a MP – não é. A parte mais importante fica de fora.

O novo PL do Saneamento (3189/2019), apresentado pelo deputado Fábio Monteiro (PP-PE), será discutido em reunião de líderes na próxima quinta-feira, segundo o Brazil Journal. A principal mudança trazida por Monteiro está no artigo 13º do seu projeto:

Art. 13. Os contratos de programa para prestação de serviço público existentes na data de publicação desta Lei permanecerão em vigor até o advento do termo contratual, facultada, mediante acordo entre as partes, sua conversão, vedada a alteração de cláusulas contratuais, em contratos de concessão.

Parágrafo único. Poderão ser firmados novos Contratos de Programa, ou renovados os existentes, nos termos da lei, mediante contrapartida a ser definida pelo ente federativo responsável pelo serviço.

Os contratos de programa são mecanismos que permitem a dispensa de licitação pelo prefeito ao contratar estatais. Ou seja, não é necessário um processo de concorrência aberto, onde várias empresas (públicas ou privadas) concorrem pela gestão da rede de água e esgoto.

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A MP do Saneamento estabelecia critérios como investimento em regiões carentes, qualidade do serviço, tarifa, entre outros, a serem aplicados nos contratos do setor. O novo PL, ao retirar essas exigências, prioriza as estatais, em detrimento do serviço público.

O autor do projeto diz ter “reunido o melhor das duas propostas”, mas ignora que o melhor da Medida Provisória era justamente o ganho de transparência associado a uma concorrência onde ganha quem oferecer as melhores condições. Este ponto desaparece no novo projeto. Em seu texto original, a MP tinha ainda um potencial de gerar empregos ao incentivar novos investimentos já no curto prazo, o que também se perde.

O novo projeto é contraditório, justamente por parecer um control c + control v do projeto relatado por Tasso Jeressati (PSDB-SP), mas uma cópia para inglês ver, onde a mais importante reivindicação das corporações e governadores é adicionada, contrariando o espírito do projeto. Um bom exemplo se lê no trecho em que a regulação do setor se compromete a “estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação de serviços”. Um setor de saneamento baseado em contratos de programa, fechados sem transparência, nos leva justamente ao caminho oposto.

Rodrigo Maia prometeu trabalhar pela aprovação de um PL após a MP caducar. Mas o PL do deputado Fábio Monteiro representa um retrocesso no debate sobre o assunto e prejudica o brasileiro sem acesso ao saneamento básico. Permitir que deputados próximos aos governadores escrevam esse PL é como delegar a reforma previdenciária a sindicatos de servidores privilegiados.

Na próxima quinta-feira, quando o assunto for discutido pelas lideranças da Câmara, Maia terá uma oportunidade de ouro para mostrar que não é o que as ruas lhe acusaram de ser no último dia 26. Ele pode negar a pressão das corporações e trabalhar por um projeto que privilegie o serviço que chega ao cidadão, ao invés de agrados aos governadores. 

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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