Fundos de renda fixa ainda penam para superar o CDI; o que está acontecendo?

No ano, resgates líquidos de carteiras dessa categoria somam R$ 47,4 bilhões

Bruna Furlani

(Getty Images)

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Os abalos na indústria de fundos de investimento não têm livrado nem mesmo os produtos voltados para perfis mais conservadores. Das 16 subclasses de fundos de renda fixa, 13 estão com a mediana de retornos abaixo do CDI (taxa de referência da classe) no acumulado deste ano.

Os dados são da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e vão até abril.

Até mesmo, fundos que são considerados refúgio de muitos investidores, como os de renda fixa simples, obtiveram uma rentabilidade mediana de 3,98% no ano até abril, ou seja, abaixo dos 4,20% do CDI.

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Na prática, fundos de renda fixa simples aplicam 95% do patrimônio em títulos de dívida pública federal ou em títulos considerados mais confiáveis.

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Segundo a analista de alocação e fundos da XP, Clara Sodré, o retorno abaixo do CDI é explicado por uma leve abertura dos prêmios das LFTs (títulos públicos chamados de Tesouro Selic no Tesouro Direto). Ela explica que fundos do tipo investem majoritariamente em papéis que acompanham o rendimento da Selic e que isso tende a minimizar o risco de mercado, mas não o elimina “completamente”.

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A profissional lembra que, ao investir em uma LFT, há sempre um prêmio que é pago, e que no mês passado, houve uma leve elevação dessas taxas. Geralmente, diz, esse movimento é explicado por um aumento da demanda ou por uma venda dos papéis, o que não ocorreu em nenhum dos casos.

Sem uma justificativa mais óbvia, ela afirma que o movimento é mais pontual e não representa nenhum risco sistêmico para esse tipo de produto.

Renda fixa com crédito privado na carteira

O começo do ano também tem sido complicado para fundos de renda fixa com crédito na carteira. Entre janeiro e abril, os fundos de renda fixa duração média crédito livre avançaram apenas 2,09% – segundo retorno mais baixo obtido por produtos de renda fixa no acumulado de 2023.

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Para Clara, os retornos piores dos últimos meses estão ligados a dois grandes eventos no mercado de crédito: Americanas (AMER3) e Light (LIGT3), papéis que estavam na carteira de uma boa parte dos gestores.

A especialista da XP conta que as notícias negativas envolvendo as duas companhias levaram a uma abertura dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação aos títulos públicos, considerados de baixo risco) e a uma remarcação dos papéis detidos por tais fundos.

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“Se tem uma abertura dos spreads, os títulos vão passar por uma reprecificação e isso vai trazer a cota do fundo para baixo”, lembra a especialista da XP.

Ainda que a situação siga delicada, há quem veja uma chance de mudança no curto prazo. Levando em conta apenas o mês de abril, alguns fundos de renda fixa com crédito privado na carteira voltaram a se aproximar mais da taxa de referência da classe. É o caso dos produtos de duração baixa crédito livre, que terminaram o mês passado com a mediana de retorno em 0,88%, levemente abaixo dos 0,92% do CDI no mesmo período.

A melhora nos retornos – ainda que lenta e gradual – ajuda a dar esperança para gestores e analistas de que uma virada esteja próxima.

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“O máximo drawdown dos retornos, ou seja, a maior queda desde o seu pico ocorreu em fevereiro. Agora, estamos observando mais resquícios desses eventos que foram reduzidos em abril”, afirma a especialista da XP.

Reportagem do InfoMoney apontou que parte da visão mais construtiva para os retornos é explicada pela estabilização dos spreads oferecidos por debêntures com retorno atrelado ao CDI.

Outra parte seria justificada pela diminuição do volume de resgate dos fundos. Monitoramento feito pela gestora JGP apontou que os saques líquidos nos fundos de crédito apenas das gestoras independentes (não vinculadas a bancos de varejo) somaram R$ 418,18 milhões por dia até 20 de abril, em média – abaixo dos números de março (R$ 466,22 milhões) e fevereiro (R$ 452,36 milhões).

Multimercados e fundos de ações

A rentabilidade mediana de fundos multimercados também anda sofrendo neste ano. Entre os meses de janeiro e abril, apenas os fundos multimercados balanceados registraram retorno mediano acima do CDI, fechando o período com ganhos de 5,51%, acima dos 4,20% do CDI.

Por outro lado, o pior retorno foi obtido pelos fundos long e short neutro, que avançaram apenas 0,09%, na mediana, no mesmo período.

Já contabilizando apenas o mês de abril, duas subclasses de multimercados ficaram em linha ou acima do CDI: balanceados e estratégia específica, com ganhos de 1,00% e de 0,92%, respectivamente.

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No caso das carteiras de ações, apenas os fundos setoriais terminaram o mês com rentabilidade mediana acima do índice de referência da classe, com ganhos de 5,85%, contra 2,50% do Ibovespa.

O retorno mais baixo, por sua vez, ficou com os fundos de ações do tipo FMP-FGTS, que avançaram apenas 0,28% no mês. No ano, o desempenho mediano dessas carteiras também não está muito atrativo, já que acumulam perdas que chegam a 12,21%.

Fundos indexados se destacam

Enquanto alguns fundos penaram para alcançar o CDI, outros têm conseguido superar a taxa de referência com folga. É o caso dos fundos de renda fixa indexados (que seguem um índice de referência como o IMA-B, CDI etc.). Tais produtos acumulam uma rentabilidade mediana de 5,15% no ano e de 1,10% em abril.

Clara, da XP, lembra que os retornos de tais produtos estão mais atrativos por causa de mudanças no cenário macroeconômico, com os agentes precificando um eventual início de corte de juros pelo Banco Central.

A explicação, diz, é que os fundos indexados possuem retornos indexados ao IPCA ou apenas a uma taxa prefixada. Em ambos os casos, diz, o cenário de uma eventual queda de juros é positivo.

Quando as taxas oferecidas pelos títulos estão chegando perto do fim do movimento de elevação (caso atual), os ativos tendem a se desvalorizar com a marcação a mercado. Ou seja, as taxas recuam e os preços dos títulos aumentam, o que é positivo para os fundos. Produtos do tipo estão entre as sugestões feitas pela XP para os próximos meses.

Captações

Embora os retornos de alguns fundos estejam acima da taxa de referência, o mês passado foi negativo para as captações de fundos de renda fixa, que amargaram resgates líquidos de R$ 36,5 bilhões. No ano, as saídas líquidas somam R$ 47,4 bilhões.

Houve saques também em fundos multimercados e de ações. No primeiro caso, os resgates líquidos chegaram a R$ 12,7 bilhões no mês e a R$ 46,8 bilhões no ano.

Fundos de ações, por sua vez, acumulam saídas líquidas de R$ 5,5 bilhões no mês e de R$ 29,0 bilhões entre janeiro e abril.

Movimento semelhante também foi visto com fundos de previdência, que registraram retiradas líquidas de R$ 589,6 milhões no mês e de R$ 5,8 bilhões no ano.

Na ponta contrária, fundos cambiais, ETFs (fundos de índice), fundos de direitos creditório (FIDCs) e fundos de participação (FIPs) terminaram o mês com as captações no azul.

Em abril, os depósitos líquidos bateram R$ 693,3 milhões no caso de fundos cambiais. Apesar disso, no ano, a classe registra saques líquidos de R$ 631,5 milhões.

ETFs, FIDCs e FIPs, por sua vez, apresentaram entradas líquidas de R$ 546,8 milhões, R$ 9,6 bilhões e 1,2 bilhões, respectivamente, no mês.

Já ano ano, ETFs registraram saídas líquidas de R$ 1,7 bilhão, enquanto FIDCs e FIPs estão com captações positivas de R$ 7,9 bilhões e de R$ 5,5 bilhões, nessa ordem.