Grupo de investidores tenta reproduzir “caso GameStop” com IRB e ações saltam 17,8%; analistas alertam para riscos

Investidores se unem em grupo do Telegram, com quase 28 mil membros, para promover o "short squeeze" dos ativos IRBR3, que tiveram forte queda em 2020

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A tentativa de impulsionar uma ação de uma forma similar ao “efeito Reddit” nos EUA chegou à B3. No caso brasileiro, através da ação do IRB (IRBR3), maior queda do Ibovespa em 2020 com baixa de 76,88%, e que acumulava perdas de 20,42% (R$ 6,51) em janeiro até a sessão da última quarta-feira (27).

Na sessão desta quinta-feira (28), contudo, os papéis saltaram 17,82%, a R$ 7,67, na esteira da criação de um grupo por investidores brasileiros chamado “Short Squeeze IRB” no aplicativo Telegram para promover uma alta dos ativos IRBR3 por meio de uma “compra coletiva” dos ativos.

O “short squeeze” é um movimento de alta significativa no preço de uma ação, muitas vezes sem maiores fundamentos, que pode ser ocasionado por alguns motivos. No caso em questão com algumas ações nos EUA, os investidores que apostam na queda de uma ação e, para isso, fazem o aluguel dos papéis, são obrigados a comprar os ativos a um valor muito mais alto para desmontarem as suas posições, tendo assim que embolsar prejuízos em meio à disparada dos ativos.

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Com uma operação chamada “venda a descoberto”, um investidor que acredita que uma ação vai cair aluga o papel de alguém que não quer se desfazer de sua posição comprada, colocando assim o papel à venda no mercado. Se os papéis caírem, ele recompra a um preço menor e devolve ao que emprestou as ações, lucrando assim com a operação.

“Se eu aluguei X ações por US$ 20 e elas caíram a US$ 10, eu vendo as ações por US$ 20 e compro por US$ 10 para devolver a quem me alugou, embolsando, portanto, US$ 10 de lucro. Só que se a ação vai para US$ 300, eu perdi US$ 280 – o que aconteceu com alguns hedge funds em Wall Street, que tiveram que recomprar os papéis a um preço mais alto, o que acaba impulsionando as ações para cima também. É o chamado short squeeze”, destaca Betina Roxo, estrategista-chefe da Rico Investimentos, em relatório.

Vale destacar que, se o valor das perdas superar ou ficar próximo do valor exigido como margem de garantia, a operação pode ser fechada compulsoriamente. Assim, o investidor que opera vendido terá que comprar as ações, pressionando o preço dos papéis para cima.

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Assim, o grupo criado sobre IRB tem a intenção de repetir – agora no mercado brasileiro – o que aconteceu com as ações da varejista de jogos GameStop nos EUA, que saltaram 1.700% desde o início do ano. Nos últimos dias, pequenos investidores organizados no fórum Wall Street Bets, do Reddit, se organizaram para desafiar grandes fundos de investimento que apostavam na queda dos papéis da GameStop em um cenário de anos de dificuldade da companhia pela concorrência das vendas digitais, intensificada pela pandemia. O efeito coordenado foi grande, causando perdas a investidores tradicionais do mercado financeiro que ultrapassaram US$ 1 bilhão em um único pregão.

A estratégia com GameStop também se estendeu para outras ações, como AMC Entertainment, a maior operadora de cinemas do mundo, cujas ações saltaram 344% apenas na quarta-feira, com a busca também por papéis de outras empresas vulneráveis.

Voltando ao Brasil, no final da tarde desta quinta-feira, o grupo do Telegram sobre o IRB já contava com quase 28 mil integrantes. Alguns dos membros do grupo destacaram ser preciso ter cuidado para que “não cometam o crime de manipulação de mercado”, destacando ainda que as orientações “nunca serão de ordem de compra ou venda, mas de estratégia de investimento”. O criador do grupo ainda destacou que não é analista de valores mobiliários e que traz exclusivamente opiniões pessoais e da própria carteira de investimentos.

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Mesmo com essa sinalização, diversos integrantes do grupo sugeriram “a IRB Week”, de forma que cada acionista que participe da comunidade compre ações do IRB entre os dias 8 e 12 de fevereiro e que os papéis não sejam vendidos ou alugados até o dia 30 de abril.

Além disso, sugeriram que os acionistas que tenham alugado os ativos solicitem os papéis de volta. Com isso, se o contrato está perto do vencimento e não há ações disponíveis para aluguel, o investidor não consegue renovar a sua posição. Ou seja, precisa então comprar os papéis novamente. Eles combinam ainda que “todos os acionistas devem colocar ordem de venda a R$ 40”. O grupo está atualmente fechado para mensagens de integrantes.

De acordo com um analista ouvido pelo InfoMoney, no curto prazo, o mercado não consegue controlar esses movimentos e as ações disparam. Mas, no longo prazo, o mercado deveria se regular e o preço voltar a patamares que os participantes acham justo – ainda mais levando em conta que o volume dos papéis do IRB é significativo.

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No pregão desta quinta-feira, 9% das ações do IRB no free float (livre circulação) estavam em posições vendidas, um número considerado relativamente alto. Porém, o giro financeiro das ações também é alto – volume médio de R$ 361 milhões nas últimas 21 sessões – o que pode levar a obstáculos para os planos dos investidores em IRB mais à frente.

Isso porque, no caso das empresas americanas citadas, os ativos estavam prestes a virar “penny stocks” (ações de centavos), sendo alvos de uma manipulação mais fácil no mercado. Outro fator a ser levado em conta também é que, em janeiro, o grupo do Reddit contava com mais de 2 milhões de integrantes enquanto que o número de investidores pessoa física no Brasil é de cerca de 3 milhões. Assim, seria necessária uma mobilização muito maior, de grandes fundos por exemplo, para que o movimento do IRB seja mais duradouro.

“Nos EUA, a quantidade de investidores pessoa física na bolsa chega a 50% da população e aqui, a 1,5%, tem diferença muito grande. Não acredito que a alta do IRB tenha vida longa, não existe no Brasil o potencial de pessoa física fazer um movimento desse. Nos EUA já estão tomando algumas providências e não ficaria surpreso se aqui a negociação do papel parasse em algum momento para averiguação”, destacou  Alan Gandelman, CEO da Planner Corretora, para a Bloomberg.

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Betina Roxo, da Rico, destaca o risco para o pequeno investidor com essas operações:  “Além de poderem perder com a potencial queda do papel, já que a alta não está mais atrelada ao fundamento da empresa, vale observar que a partir do momento que a intenção vira a de manipular o mercado, é uma pratica ilegal, sujeita à investigação e punição pela CVM”.

Procurada pelo InfoMoney, a CVM destacou, em nota, que “acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”.

“A Autarquia ressalta que possíveis casos concretos envolvendo a situação mencionada serão avaliados individualmente pela Autarquia, por meio de processos administrativos que poderão, até, gerar as punições previstas no art. 11 da Lei 6385/76”, afirma a autarquia, em referência ao artigo que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários.

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Já na instrução 8, de 1979, a CVM define o que seria manipulação de mercado como condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários; e manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda.

Histórico do IRB

Vale destacar que a derrocada dos ativos do IRB começou justamente pela informação de uma posição short no mercado. Em fevereiro de 2020, a gestora Squadra publicou uma carta de 184 páginas apontando uma série de “inconsistências” no balanço do IRB e destacou estar com uma posição vendida no papel.

Esse foi o início da derrocada dos ativos na B3, que também foram afetados pela polêmica após a notícia enganosa de que o megainvestidor Warren Buffett teria comprado ações da companhia, a saída de importantes executivos da empresa e as expectativas de resultados mais modestos feitas pelos novos gestores, que buscam “arrumar a casa” após a turbulência vivida em boa parte do último ano.

Nesse período, contudo, a companhia ganhou um grande número de investidores de varejo no papel – muitos deles avaliando que o papel do IRB está abaixo do valor justo e também fazendo acusações de manipulação de mercado (mas para a baixa do papel).

Sobre isso, no final do ano passado, a CVM  abriu processo para apurar denúncias feitas por diversos investidores motivada pela divulgação de um relatório de análise sobre o IRB  pelo UBS BB, em que retomava a cobertura dos ativos com recomendação de venda, com preço-alvo de R$ 4,60. No dia seguinte à divulgação do relatório, em 5 de outubro, as ações da resseguradora caíram 17,11%, seguindo uma queda de 10,18% na sessão posterior.

Para os analistas do UBS BB, a avaliação de que a companhia teria um “novo normal” bem mais modesto, com retorno sobre o patrimônio líquido bem abaixo do que a ação precificava quando os dados “reais” vieram à tona, motivou a recomendação de venda.

Contudo, o documento acabou gerando grande repercussão entre os investidores. Nas redes sociais, alguns perfis falaram sobre o volume elevado de posições vendidas nas ações e pediam que investidores fizessem denúncias à CVM. O UBS BB refutou as alegações e apontou que o relatório em questão era equilibrado, independente e fornecia uma análise objetiva para os clientes institucionais. É procedimento da CVM abrir processo a respeito do tema quando há reclamação de investidores; se encontrada alguma irregularidade, um processo administrativo sancionador é iniciado. Caso contrário, o processo é arquivado.

Apesar do relatório do UBS BB ter gerado a maior repercussão, a visão geral dos analistas de mercado é de bastante cautela para o ativo IRBR3: segundo compilação feita pela Refinitiv, de 8 casas que cobrem a companhia, 4 recomendam venda, enquanto outras 4 recomendam manutenção.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.