O que ninguém está dizendo no caso do assédio sexual no ônibus
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Como noticiado pela imprensa, no dia 29/08 (terça-feira), um homem foi preso em flagrante na cidade de São Paulo após ejacular em uma passageira de ônibus, sendo que, no dia seguinte, no dia 30/08 (quarta-feira), foi solto pela autoridade judicial após ter sido submetido a uma Audiência de Custódia.
No dia 02/09 (sábado), apenas três dias depois da sua soltura, o mesmo homem foi preso novamente em flagrante após esfregar seu pênis em outra mulher também dentro de um ônibus. Sua audiência de custódia foi realizada no dia 03/09 (domingo), e dessa vez ele foi mantido preso, sob o fundamento de ter constrangido fisicamente a vítima.
Posteriormente, verificou-se que o agressor teria cometido outros 15 crimes sexuais, além desses dois.
Que houve erro de julgamento na soltura desse criminoso no dia 30/08 está fora de questão, em vista dos seus antecedentes e até mesmo da natureza do crime. Mas um fator mais chama a atenção nesse caso: o fato dele evidenciar os perigos da ideologia que orienta a Audiência de Custódia desde que foi criada.
Em fevereiro de 2015, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lançou um programa chamado “Audiência de Custódia”, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, como pode ser visto aqui, aqui, aqui e aqui. E fez isso sem nem mesmo haver lei dispondo a respeito.
A ideia seria garantir a apresentação a um juiz, em 24 horas, de presos em flagrante, ocasião em que, em audiência, seria o acusado ouvido, assim como seu Defensor Público ou seu advogado, além de um Promotor de Justiça. Com isso, seria avaliada a necessidade de se manter o bandido em cárcere ou a conveniência da sua soltura. Essa audiência é a Audiência de Custódia, cuja realização, inclusive, estaria prevista em tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil.
Até aí, nenhum problema. Ninguém duvida que quanto mais rápido seja o trabalho do juiz, assim como o da Polícia e o do Ministério Público, melhor para o combate da criminalidade.
A questão é que a Audiência de Custódia não pode ser uma via rápida para soltar bandidos presos em flagrante, principalmente os reincidentes e os perigosos. Esse foi justamente o caso do abusador, que foi solto em 24 horas, vindo a reincidir em 3 dias.
O Judiciário está preparando para avaliar bem a situação do bandido em 24 horas, checando tão rapidamente seus antecedentes criminais e suas condições pessoais? Será que essas solturas precipitadas não vêm acontecendo sistematicamente? Será que a Polícia não vem deixando de prender bandidos pura e simplesmente por estar percebendo que eles vêm sendo soltos no dia seguinte?
E há uma outra questão importante para a qual não vem sendo dada a devida importância, em crimes até mais graves que esses. Se o bandido é preso em flagrante, a inclinação do juiz deve ser a de mantê-lo encarcerado, admitindo a soltura quando as condições pessoais do meliante indicarem que ele muito provavelmente não reincidirá. Afinal, trata-se de prisão “em flagrante”, que é admitida pela Constituição e afirmada pelo Código de Processo Penal.
A questão é de ênfase: excepcionalmente o preso em flagrante deve ser solto; em regra deve ser mantido preso. Mas não é isso o que as Audiências de Custódia fazem: a ideia de sua criação é manter o criminoso preso excepcionalmente, sendo que a regra é soltá-lo.
Outra das barbaridades da Audiência de Custódia é que as testemunhas e os Policiais que fizeram a prisão não são ouvidos diretamente pelo juiz nessa audiência, apesar de se tratar de prisão em flagrante. Ou seja, não se dá ouvidos a quem participou da prisão e presenciou o comportamento do criminoso, desprezando-se elementos fundamentais do contexto do crime que somente a oitiva de quem presenciou o ato poderia revelar ao juiz, e que podem não constar no Auto de Prisão em Flagrante.
O que está por trás da ideologia que vem orientando a Audiência de Custódia é que muitos aprisionamentos no Brasil seriam arbitrários, desnecessários e abusivos, além de feitos com torturas e maus-tratos contra os criminosos. Ou seja: trata-se de um voto de desconfiança na Polícia Militar e na Polícia Civil, o que fica evidente nos pronunciamentos das autoridades envolvidas nesse projeto, e de uma fé cega na possibilidade de recuperação do criminoso com penas alternativas. E ainda de um objetivo declarado de economizar com o encarceramento de bandidos, vejam vocês…
O que precisa ser feito, para que casos como esse não ocorram mais, é dar mais poder e crédito para a Polícia Militar, para a Polícia Civil e para os Juízes, que estão na linha de frente do combate ao crime, ao invés de pressionar o sistema para soltar presos prematuramente. Hoje, o trabalho das autoridades judiciais vem sendo limitado pelas autoridades públicas intelectualizadas que confiam demais nas suas crenças individuais e que, com isso, adotaram um modelo ideal imprudente, sem nenhuma base na experiência de quem está em contato direto com as ruas. Além disso, a Audiência de Custódia não tem base legal, de forma que não foi nem mesmo discutida com a sociedade no Congresso Nacional – porque se fosse, não passaria.
Esse caso não foi resultado meramente de um acidente ou de erro de julgamento de um Juiz e de um Promotor Público. Trata-se de resultado direto de uma política pública orientada por ideologia, e que só vai colaborar para o aumento de homicídios, roubos, furtos e estupros que estamos vendo no Brasil.
Em matéria de segurança pública, o Brasil está doente.
Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.
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