Reforma Tributária: o peso das obrigações legais no Brasil e a chamada “simplificação”

Seria mais prudente manter a essência do sistema tributário como existe hoje, reduzindo obrigações legais e complexidades na apuração de tributos. Eventualmente, criando um tributo temporário, para rápida redução do déficit fiscal e do endividamento, uma vez que o corte de gastos não pode ser feito na velocidade que é necessária para alcançar o rápido equilíbrio das contas públicas.

Alexandre Pacheco

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No primeiro texto da série que estamos escrevendo sobre Reforma Tributária, apontamos que a carga tributária no Brasil é muito alta, correspondendo a 32% do PIB. No segundo texto, explicamos o porquê de ser praticamente impossível, hoje, reduzirmos a carga tributária, em função da dívida pública e do déficit público elevados.

Mas há uma oportunidade de melhoria do sistema tributário importante a ser feita, e que pode ser implementada sem impacto na arrecadação tributária: a simplificação do sistema tributário.

O Banco Mundial, em conjunto da PWC, divulga anualmente um relatório denominado “Paying Taxes”, no qual está demonstrado que o Brasil, numa amostra com 189 países, é o país onde as empresas mais dedicam tempo para apurar tributos (time to comply). O segundo colocado, para se ter uma ordem de grandeza, é a Bolívia, com metade do tempo dedicado, essencialmente, a preencher declarações fiscais e guias de recolhimento. Outras comparações: gastamos 14 vezes mais tempo que a França, 11 vezes mais que os Estados Unidos e a Alemanha, 7 vezes mais que o Chile e 5 vezes mais que o Paraguai.

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O que mais colabora no Brasil para esse abusivo tempo exigido pelas autoridades fiscais para as empresas apurarem tributos, o pior medido no mundo, é o ICMS. Cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal tem um modo diferente e absurdamente complexo de apuração e cobrança desse imposto. As operações interestaduais, por exemplo, assumem um grau de complexidade tamanho que podem ser comparadas com uma operação de exportação, o que é injustificável. 

Para cumprir essas obrigações legais, as empresas assumem os chamados “custos de conformidade” (tax compliance costs), que seriam os gastos necessários para manter pessoal dedicado ao cumprimento de obrigações legais tributárias e estudos da legislação tributária. A Deloitte chegou a medir esses gastos, que chegariam alcançariam entre 0,2% e 3,53% do faturamento das empresas brasileiras, sendo que esse encargo, além de pesado, é regressivo, por ser mais pesado para as menores empresas.

A partir dessa pesquisa da Deloitte, conclui-se que o Governo poderia, se simplificasse a legislação tributária, até mesmo criar um tributo com alíquota entre 0,2% a 3,53% a incidir sobre o faturamento das empresas sem que os empresários fossem onerados financeiramente com isso. Fato é que esses custos de conformidade são desperdícios sob a perspectiva da Sociedade e até mesmo do Estado, que acabam dedicando tempo, energia e gastos para trabalhos que não geram proveito algum para o país.

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A “simplificação de tributos”, portanto, teria por objetivo atenuar esse problema, de reduzir os “custos de conformidade”. Também reduziria os gastos estatais com fiscalização, cobrança e julgamento dos litígios, que estão dispersos na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios.

E essa simplificação pode vir a ser feita de duas formas: “redução da complexidade” das obrigações legais, que acarretariam a simplificação da apuração de tributos e das declarações fiscais; e “unificação” de tributos, como os tributos que incidem sobre o consumo e os tributos que incidem sobre a renda, que são os mais significativos em termos de custos de conformidade.

A depender da forma como possa ser feita a simplificação tributária, essas duas possibilidades demandariam um caminho mais difícil, com muitas alterações na Constituição, ou mais fácil, com poucas alterações da Constituição, ou até mesmo nenhuma alteração constitucional. Pode-se, por outro lado, fazer uma reforma profunda os tributos, cujos resultados arrecadatórios são difíceis de antecipar, ou mudanças pontuais, como a prudência sempre aconselha.

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Hoje, as propostas de simplificação podem ser divididas em 4 (quatro) modalidades:

– a proposta mais radical: imposto único sobre movimentações financeiras, do Professor Marcos Cintra, que não possui ambiente político, nem mesmo apoio do próprio Governo Federal para ser adotada, a começar pelo Presidente da República, que rejeita a ideia de “volta da CPMF”, que ele sempre combateu.

– unificação e nacionalização dos tributos sobre o consumo, como ICMS, IPI, PIS, COFINS, ISS e Cide-Combustíveis, e de outros tributos federais como IOF, IRPJ, CSLL e Salário-Educação, que consta de proposta de Reforma Tributária que tramita no Senado Federal – PEC 110/2019, apoiada pelo Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e por mais 65 Senadores; essa proposta é essencialmente a mesma que está para ser votada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, na forma da PEC 293/2004, do ex-Deputado Federal Luiz Carlos Hauly.

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Ao menos no discurso, todas essas propostas teriam por resultado apenas “simplificar” o sistema tributário no país – e daí se dizer que seriam “neutras” em termos arrecadatórios. Os políticos dizem isso porque não são bobos, e sabem ler 2 (duas) duas realidades poderosas: em primeiro lugar, a Sociedade não aguenta mais pagar tributos elevados, que são muito mal gastos com desperdícios e corrupção; em segundo lugar, como dissemos anteriormente, não é possível reduzir a carga tributária, em vista do déficit fiscal e do endividamento elevados.

Não sendo possível aumentar, nem reduzir tributos, todo mundo está defendendo, ao menos nas discussões públicas, apenas a simplificação – nada de aumento, nem de redução de tributos. No máximo, diz-se que será transferida a carga tributária de uns para outros, o que também é criticável num cenário de carga tributária elevada, porque tributos altos, no longo prazo, empobrecem a Sociedade como um todo, reduzindo poupança, investimento, competitividade e empregos.

A bem da verdade, como todas as propostas de Reforma Tributária em discussão são muito profundas, ninguém pode garantir essa “neutralidade” arrecadatória, pois os contribuintes reagirão economicamente às mudanças, assim como o próprio Poder Judiciário brasileiro – que corre por fora em todas as alterações legislativas, interpretando a Constituição e a legislação mesmo contra a vontade do Congresso Nacional – vai interferir na reforma que for adotada, seja ela qual for.

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Do imponderável, do imprevisível que for criado com qualquer reforma que for adotada só uma coisa dá para garantir: no final, haverá aumento de tributos. Mesmo que haja redução da carga tributária brasileira num primeiro momento, mais cedo ou mais tarde será feita a reforma da reforma, para compensação das perdas arrecadatórias com aumento de bases de incidência, alíquotas, contribuintes, ou até mesmo criação de novos tributos.

Seria mais prudente manter a essência do sistema tributário como existe hoje, reduzindo obrigações legais e complexidades na apuração de tributos. Eventualmente, criando um tributo temporário, para rápida redução do déficit fiscal e do endividamento, uma vez que o corte de gastos não pode ser feito na velocidade que é necessária para alcançar o rápido equilíbrio das contas públicas.

Mas quem disse que o Brasil é feito por políticos prudentes, não é mesmo?

Com a classe política inteira em guerra, buscando protagonismo no debate público para se manter no poder, ganhar destaque nas próximas eleições ou mesmo evitar a cadeia, alguma reforma tributária radical acabará sendo feita mesmo, e que Deus nos proteja.

Dedicaremos os próximos textos a analisar essas diferentes propostas de Reforma Tributária.

Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.

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Referências

DELOITTE. Tax compliance in Brazil: Operating in a complex environment. Disponível em <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/tax/ComplianceTributarioBrasil.pdf>. Acesso em 13/08/2019.

WORLD BANK GROUP; PWC. Paying Taxes 2018. Disponível em <www.doingbusiness.org/~/media/WBG/DoingBusiness/Documents/Special-Reports/2018-Paying-Taxes.pdf>. Acesso em 13/08/2019.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.